O questionário de avaliação de risco para vítimas de violência doméstica já está sendo oferecido às mulheres que buscam por socorro no Sistema de Justiça do Rio de Janeiro. Desde que a Resolução nº 284 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi publicada, em junho, 20 formulários já foram preenchidos, apenas no 1º Juizado de Violência Doméstica, que fica no centro da cidade. O documento apresenta perguntas sobre a vida da vítima e do autor da violência e visa proteger a mulher e até evitar um possível feminicídio.
Desenvolvido por especialistas e juízes, as questões contribuem para detectar com acuidade e técnica o grau de perigo que as vítimas estão, de fato, correndo. A violência doméstica é a causa de mais de um milhão de processos que tramitam na Justiça brasileira, dos quais 4 mil são de feminicídio, cometidos em âmbito familiar contra uma mulher, em geral, por companheiros ou ex-companheiros, de acordo com dados do CNJ.
Para o juiz auxiliar da presidência do CNJ Rodrigo Capez, que participou do Grupo de Trabalho que desenvolveu o formulário, a ferramenta auxiliará os magistrados na concessão de medidas protetivas de urgência, uma vez que ajuda a traçar o perfil do agressor, da vítima, e da própria relação entre os dois. "[As respostas] permitirão aos juízes conhecer melhor a realidade dos casos específicos e adequar a atuação do Sistema de Justiça criminal. Com esses elementos, os magistrados estão mais capacitados para basear suas decisões, conceder medidas protetivas específicas, assim como elaborar um plano de proteção à vítima e a seus filhos", afirmou.
Entre as 25 questões do questionário, estão: se o autor da agressão tem acesso a armas; se a mulher está grávida ou teve bebê a menos de 18 meses; se já houve alguma tentativa de suicídio por parte do autor da violência; se ele faz uso de drogas ou álcool; se os filhos já presenciaram as agressões; se o autor já ameaçou os filhos ou animais de estimação com o intuito de atingi-la, entre outros.
Diagnóstico individualizado para o Rio inclui análise do risco da área em que mora a vítima potencial
Uma questão foi especialmente formulada para a realidade do Rio de Janeiro: se a vítima mora em área considerada de risco. "No Rio de Janeiro, há locais em que a Justiça não tem acesso. É importante que os órgãos de Justiça saibam se ela vive em um local dessa natureza, até mesmo para que possa lhe oferecer um abrigo, caso seja necessário", disse o presidente do GT, Rogério Schietti, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além do Rio de Janeiro, outros estados já trabalham com formulários de risco, como Distrito Federal, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.
Para a juíza Adriana Ramos de Mello, titular do 1º juizado de violência doméstica do Rio, e membro do Grupo de Trabalho, o formulário "não é uma receita de bolo, mas permite um diagnóstico individualizado da situação de cada vítima porque pode mensurar o grau de periculosidade do agressor". Implantado nos 11 juizados de violência doméstica no estado, o formulário será levado às delegacias e casas-abrigo que formam a rede de proteção à mulher do Rio. "Queremos que o formulário se torne um documento cada vez mais conhecido e difundido para prevenção de casos mais agudos de violência, como o feminicídio", afirmou Adriana Ramos.
Protocolo Violeta/Laranja facilita atendimento por equipe multidisciplinar e concessão de medida protetiva
No Rio de Janeiro, além do formulário de risco, mulheres vítimas de violência doméstica têm acesso ao Protocolo Violeta/Laranja, que possibilita um atendimento com uma equipe multidisciplinar e, também, acelera a concessão da medida protetiva. Na avaliação dos juízes que trabalham com essa temática, a medida ajuda a melhor acolher e proteger a vítima.
"A atuação da equipe é importante para as vítimas e testemunhas compreenderem o que passaram. Muitas vezes elas chegam muito vulneráveis por todo o trauma sofrido e, na hora do depoimento em juízo, ficam muito inseguras e confusas. Esse atendimento prestado pelas psicólogas e assistentes sociais ajuda a acalmá-las e permite que identifiquemos com mais clareza a situação", afirmou a juíza Elizabeth Machado Louro, titular da 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
A coordenadora do Movimento de Combate à Violência Doméstica e Familiar no CNJ, conselheira Daldice Santana, lembra que os tribunais devem observar o artigo 8º da Lei Maria da Penha, que trata da articulação entre áreas setoriais. Segundo a magistrada, apesar das dificuldades financeiras encontradas pelos tribunais, há convênios em vigor, feitos pelo CNJ com instituições e universidades, que podem contribuir para as ações estaduais.
"Um exemplo é o protocolo de intenções firmado em 2017, entre o CNJ e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), para dar assistência psicológica às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, assim como de seus dependentes", citou Daldice Santana.
O CNJ vem trabalhando, com várias ações, no combate à violência doméstica contra a mulher desde 2007. Em 2015, no âmbito dos tribunais estaduais, o órgão apoiou a criação da campanha Semana Justiça Paz em Casa, que visa ampliar a efetividade da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). A 14ª edição ocorrerá de 19 a 23 de agosto.
O projeto concentra esforços no julgamento de casos de feminicídio e no andamento dos processos relacionados à violência contra a mulher. O trabalho também conta com um olhar de prevenção à violência doméstica, com a realização de cursos voltados para o fortalecimento da questão de gênero e de combate à violência contra a mulher junto à sociedade civil.
A campanha faz parte da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário e conta com três edições por ano: em março, por conta do Dia Internacional da Mulher, em agosto, por ocasião do aniversário de sanção da Lei Maria da Penha, e em novembro, em alusão ao Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher, marcado para o dia 25/11 pela Organização das Nações Unidas (ONU).