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Futuros médicos do Brasil são "paraguaios"

Altas mensalidades no Brasil faz país vizinho ser opção para futuros profissionais da saúde

Por Rafael Brito em 17/07/2018 às 09:31:27

Estudantes de medicina brasileiros atendem comunidade carente em Pedro Juan Caballero, Paraguai. (Ricardo Lazio)

Se Paraguai em outros tempos era remetido ao brasileiro como local para aquisição de eletrônicos falsificados e visto como dependente econômico de seus vizinhos é bom ir revendo esse conceito: além do crescimento na economia de 6,6% em 2016 (um dos maiores índices da América do Sul) também formará grande parte dos nossos futuros médicos. A capital Assunção, juntamente com Cidade do Leste e Pedro Juan Caballero somam hoje quase 25 mil estudantes de medicina que migraram do Brasil para se formarem em solo paraguaio.

Os dados são das próprias instituições de ensino superior do país que recebem cada vez mais universitários brasileiros atraídos pelos valores do curso, que chega a ser 10 vezes menor do que nas universidade brasileiras.

"O custo de vida hoje no Paraguai, com mensalidade, aluguel e gastos diversos para um aluno sai em torno de R$ 3 mil, enquanto no Brasil só a mensalidade do curso de medicina varia de R$ 6 mil a R$ 12 mil", destaca o publicitário brasileiro Luiz Augusto Beltrame, mais conhecido como Guto, que reside e trabalha em Pedro Juan Caballero.

Entre a cidade paraguaia e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, há a "fronteira seca", aquela sem acidente geográfico, apenas a linha imaginária convencionada. Guto Beltrame conta que vive no país vizinho há três anos. Ele tinha apenas três meses de casado quando resolveu acompanhar a esposa: "ela era farmacêutica, estava empregada mas não era feliz com a profissão. Viemos para cá para que ela estudasse medicina e hoje estamos felizes e realizados com as oportunidades que o Paraguai nos proporcionou - estou empregado aqui e minha mulher no décimo período do curso", contou.

A quilômetros de Pedro Juan Caballero, a realidade na Cidade do Leste (Ciudad del Este) não é diferente. Fronteiriça com Foz do Iguaçu (PR), foi o destino do farmacêutico paranaense Lucas Goulart, 27 anos, e da esposa nutricionista que atravessaram a Ponte da Amizade, de mudança, há dois anos para estudarem medicina por lá. Estudante da Universidad Internacional Tres Frontera (UNINTER), Lucas, que já está finalizando o segundo ano do curso, relata que a mensalidade não excede mil reais (pode ser menos, porque depende da variação cambial do Guarani, moeda paraguaia). Ele diz que 90% dos alunos da sua faculdade são brasileiros. As universidades paraguaias também contam em seu corpo docente com professores brasileiros e cubanos, estes, respeitados pela referência médica de Cuba.

O sonho em comum e as histórias diferentes que se cruzam
Bolívia e Argentina já tiveram também seus dias de glória em procura dos brasileiros para o mesmo fim. Esse cenário vem mudando porque, enquanto na terra do tango os brasileiros sofrem preconceitos e não se adaptam com o método de ensino, clima (os que não são do sul) e questões culturais, na Bolívia é a onda de insegurança que tem afastado nossos conterrâneos da rota. Hamleto Mendonça, 33 anos, estuda em Pedro Juan Caballero, desde 2014, mas teve como primeira experiência a tentativa de se tornar médico na Argentina. Ele é do Maranhão, nordeste brasileiro, e sua mãe, que é enfermeira, soube que o curso de medicina nos países vizinhos sairia mais barato e começou a incentivá-lo.

O maranhense, que vivia da música e via a medicina como um sonho distante da sua realidade financeira, começou a pesquisar, fez amizades pela internet com quem já cursava nas nações amigas e partiu para a Argentina.

"Meu primeiro grande impacto foi o clima, muito frio, totalmente oposto ao do Maranhão. Eu não falava espanhol e no primeiro dia de aula deu até vontade de chorar, pensando em como encarar aquele desafio sem desistir. Nesse desespero, descobri sobre o mesmo curso na fronteira seca Paraguai/Brasil e em três meses já estava de mudança", lembrou.

Para Hamleto, a mudança foi só alegria: se adaptou fácil ao clima, que apesar do período frio, também tem dias de "calor do cão, igual a São Luís (MA)" e estuda na UASS, uma universidade com muitos professores e colegas de turma brasileiros. Hoje ele está no nono período do curso (são 12) e só tem a comemorar.

"Vim focado em estudar, me comprometi com isso e agora, na reta final do curso, até casei", conta o maranhense explicando que sua companheira é médica formada no Paraguai, também professora numa universidade do país e conseguiu o registro do Conselho Regional de Medicina (CRM) do Brasil, onde atua também profissionalmente.

Outra história bem sucedida que revela a satisfação e o otimismo com o curso de medicina paraguaio é a da estudante Isabelle Lemgruber, 21 anos. Ela é de Bom Jesus de Itabapoana, Norte do Rio de Janeiro e conta que sempre quis ser médica. Chegou a pesquisar valores para cursar na Argentina ou na Bolívia, mas seu pai não aceitava que ela estudasse fora, temendo a qualidade do ensino e outras dificuldades durante e após o curso. Frustrada, Isabelle optou pelo curso que cabia no orçamento familiar no Brasil.

"Cheguei ao sexto período de Psicologia, no Rio, pela IBMR, mas não estava feliz, não era o que eu queria. Desisti e comecei a pesquisar outras opções", ressaltou.

Foi quando um colega de trabalho do pai da universitária contou sobre um filho que já estava no Paraguai cursando medicina, com mensalidades não superiores a mil reais e demais despesas que não excediam as condições da família. Diante do testemunho seguro e de esperança de um conhecido próximo, em poucos meses a família providenciou sua matrícula na Universidad Autónoma San Sebastián (UASS).

Segundo ela, o curso é semelhante ao do Brasil. São 12 semestres (6 anos) e carga horária superior a 8.500 horas. O ensino é integral, com aulas das 7h30 às 17h45, tendo intervalo para almoço entre 11h45 e 13h30.

"Vim para cá no início do ano, concluí o primeiro período e agora posso dizer que professores e a instituição dão todo suporte ao aluno. Me sinto tão segura e convicta da escolha feita que até meus amigos já comentam que tenho expressado mais alegria no sorriso e no meu jeito de ser", comentou.


Adaptação e saudade da família
Em Pedro Juan Caballero, segundo relatos dos universitários, não há dificuldades para adaptação porque, além da grande quantidade de estudantes do Brasil, por ser vizinha de Ponta Porã (MS), são os brasileiros que giram a economia da cidade.

"Com o aumento da migração de estudantes, o mercado imobiliário está aquecendo e já se percebe aumento no número de estabelecimentos comerciais, como supermercados e restaurantes. De certa forma, estamos contribuindo com o desenvolvimento paraguaio", diz Guto Beltrame.

A norte fluminense Isabelle fala que, tirando a saudade que sente da família, leva a vida como vivia no Rio de Janeiro.

"É uma cidade universitária. Tem as opções de lazer que atendem aos jovens - baladas, boates, bares e um espaço onde acontecem os eventos culturais", enfatizou.

Ela mora numa república feminina com seis colegas de curso, sendo duas de Rondônia, uma do Pará, uma de Recife e duas de São Paulo.


"Morar em república é bom porque não enfrentamos a solidão de estar longe da família. Eu e as meninas nos damos super bem, nossa diversão são as sociais que fazemos entre a nós e amigos em comum", explica Isabelle que, de olho nas promoções de viagem ao Brasil, a família tem planos de sempre trazê-la para perto nas ocasiões de férias (ela estava no Rio curtindo as férias de meio do ano no momento desta entrevista).

Por outro lado, Hamleto que é da parte mais extrema do Brasil, nem sempre tem a mesma sorte e tem que lidar com a saudade.

"Quando dá para minha mãe vir, ela vem, mas este ano não deu. Eu estive no Maranhão no início do ano passado", conta.

Quanto à infraestrutura da cidade ele diz que Pedro Juan tem os mesmos problemas que qualquer outra cidade brasileira.

"Mas quem vem pra estudar, trabalhar, se legaliza, faz tudo certinho, vive tranquilo por aqui, sem problema nenhum", garante o maranhense.

Migração Paraguaia - burocrática, mas sem demora

"No primeiro ano de estudo (calouro), a faculdade aceita normalmente o brasileiro recém-chegado e sem a documentação legal de imigrante. A partir do segundo ano, a instituição começa a pegar no pé com a questão da legalidade do documento. Mas, no ato da matrícula, o aluno já recebe os encaminhamentos e procedimentos para legalização enquanto imigrante do Paraguai", explica o paranaense Lucas Goulart.

Ele e a esposa, assim que chegaram ao Paraguai, tiraram o documento de migração permanente. Isso é possível para quem entra no país como profissional, já com uma formação de nível superior. O estudante que vai pela primeira vez, faz a migração provisória, que vale por dois anos quando, então, poderá fazer a permanente, válida por 10 anos. O brasileiro deve desembolsar em torno de R$ 1.500 entre taxas, autenticações e exame médicos.

Há quem recorra a ajuda de escritórios ou advogados para auxílio em todo o trâmite, mas é possível conseguir fazer tudo sozinho, tendo atenção às exigências. No site do Consulado Brasileiro em Pedro Juan Caballero é possível ter detalhes do processo que vale em qualquer outra cidade paraguaia:http://pedrojuancaballero.itamaraty.gov.br/pt-br/News.xml

Quando retornar ao Brasil, formado, o médico deve revalidar o diploma conforme orientações constantes no portal do Ministério da Educação (link abaixo da matéria), tendo ainda como opções a suplementação ou entrar no Programa "Mais Médicos" , do Governo Federal.
http://portal.mec.gov.br/revalidacao-de-diplomas/medicina

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