As eleições na Argentina novamente trouxeram luz a uma startup brasileira que, nos últimos anos, tem se destacado através dos elevados graus de acerto em previsão de comportamento e cenários eleitorais. Estamos falando do AtlasIntel. Seria essa pequena startup brasileira capaz de colocar o Brasil em outro patamar no cenário geopolítico contemporâneo?
Tenho estudado com grande interesse o tema da Guerra Híbrida, um novo formato de conflito baseado em intervenções comunicacionais, por meio da cultura ou da desestabilização da sociedade civil com intenso uso das tecnologias para a fragilização de governos desalinhados aos interesses de determinada potência. A denominação desse formato metodológico de guerra é recente, mas sua utilização contra nações desalinhadas tem sido experimentada nas últimas duas ou três décadas de formas variadas. Já escrevi alguns artigos sobre o tema e não me preocuparei aqui em aprofundá-lo, resta apenas ao leitor saber do que se trata para compreender o objetivo dessa análise.
No contexto de uma intervenção híbrida de uma nação sobre outra, agentes estatais tem se utilizado em larga escala de organizações não-estatais para levar a cabo seus objetivos econômicos e políticos. Por trás das “Revoluções Coloridas” que rodaram o Mundo derrubando governos e desestabilizando diversos países, foi extremamente relevante o papel de tradicionais Think Tanks na difusão de informações que ensejavam suporte a setores rebelados de determinadas sociedades. Universidades Europeias e grandes Centros de Estudos Estratégicos dos Estados Unidos cansaram de cravar que cidadãos árabes desejavam mais democracia, justificando as primaveras árabes, assim como diversas publicações incitavam os ucranianos à rebeldia contra governos daquele país, sob a pretensas justificativas de que tais governantes seriam fantoches de Moscou e perpetradores da corrupção, o que levou a intensos conflitos e ao que ficou conhecido como Euromaidan.
Além das grandes instituições produtoras e difusoras de pensamento e conhecimento estratégico, observamos o papel das big three, as famosas agências de classificação de risco especializadas em avaliar o risco de crédito de empresas e governos, classificando-os segundo uma escala que mais parece uma sopa de letrinhas. Agências como Moody´s, Fitch e Standard & Poor´s, ficaram conhecidas aqui em terras tupiniquins no período imediatamente anterior ao impeachment da ex-presidente Dilma, quando constantemente lançavam avaliações negativas quanto ao grau de investimento no país, o que levou a consequentes fugas de capitais e turbulências econômicas que auxiliaram fundamentalmente na fragilização e posterior deposição de um governo democraticamente eleito.
Por fim, e talvez os agentes de desestabilização a serviço de interesses corporativos ou estatais, observamos as Big Techs, que são, nada mais nada menos, as grandes empresas de tecnologia do mundo contemporâneo responsáveis pelo desenvolvimento de plataformas comunicacionais, redes sociais, equipamentos de comunicação móvel, softwares de comércio online e toda sorte de tecnologia voltada a hiperconexão das pessoas. Fugindo de teorias conspiratórias, pesquisas recentes apontam como as redes sociais, principalmente o Facebook e, mais recentemente, o Instagram, tiveram e cada vez mais detém a capacidade de mobilizar vastos volumes populacionais em torno de determinados temas através dos seus algoritmos que, por engenharia matemática nada imparcial, apresentam às pessoas, com mais frequência, determinado tipo de conteúdo, criando potentes bolhas de pensamento e de radicalização.
Tendo o conhecimento prévio das principais organizações que compõem o vasto arsenal dos fazedores de Guerra Híbrida, cabe então nossa análise quanto ao objeto de nosso texto, essa pequena Startup brasileira conhecida como AtlasIntel. Tendo iniciado suas operações em 2017, em São Paulo, essa startup se qualifica no segmento das pesquisas de opinião, tendo ao longo do tempo produzido diversos estudos quantitativos e qualitativos. Detentora de um engenhoso mecanismo de coleta de dados inovador, que obtém respostas a pesquisas através da internet e não por meio dos tradicionais telefonemas ou pranchetas de madeira, a empresa foi ganhando notoriedade ao acertar, com reduzidas margens de erro, diversos processos eleitorais no Brasil e no mundo.
Com uma calibragem bastante assertiva (embora muito questionada pela concorrência), a startup tem crescido. Em 2018, a empresa começou a ganhar destaque ao obter acertos nas projeções de votos da eleição brasileira. Já em 2019, os garotos da AtlasIntel acertam, dentro da margem de erro, o resultado de todos os candidatos da eleição argentina e seguem acumulando sucessos nas eleições presidenciais americanas, assim como em 2022, ao apresentarem o melhor desempenho entre as concorrentes no setor nas eleições da Colômbia, França e Brasil. Agora, em 2023, parece que essa pequena notável levará para casa mais um troféu. A AtlasIntel foi a única no ramo a acertar o resultado do primeiro turno na Argentina, uma virada pouco esperada de Massa sobre Milei. Veremos se as projeções que têm feito para o segundo turno se concretizarão.
Os sucessos consecutivos dessa organização brasileira trazem alento em meio a desesperança e geram uma salutar provocação: seria o Brasil capaz de fomentar o desenvolvimento de mais startups como o AtlasIntel com o objetivo de produzir novas ferramentas tecnológicas capazes de colocar nosso país em patamar comparável a grandes potências? Bom, inteligência nós temos, o que faltaria então? Interesse estratégico?
Em um cenário global marcado pela guerra da informação, qualidades do AtlasIntel se destacam como preciosas. A alta capacidade dessa startup em coletar dados e prever com singular precisão comportamentos de mercado, sentimentos políticos ou desejos eleitorais, confere vantagem estratégica a quem detém primeiro tais informações. Para além disso, a inovadora metodologia do AtlasIntel indica que, em terras brasileiras, possuímos capacidade intelectual para a produção de soluções de inteligência que lancem o Brasil em outro patamar no terreno da Guerra Híbrida, podendo se defender melhor de ameaças, ondas de ódio e insatisfação, explosão de grupos radicais ou a sedimentação de comportamentos antidemocráticos.
O Brasil, enquanto nação que se vislumbra soberana nesse e nos próximos séculos, precisa se apropriar e fortalecer organizações conectadas com o presente cenário das tecnologias. A capacidade de previsão e a infinidade de estudos sociais, políticos e econômicos que essa pequena startup brasileira pode produzir, são elementos extremamente valiosos para o exercício do chamado soft power, e precisam ser notados. Nunca houve acaso quando o Estado americano conferiu volumes elevados de recursos no financiamento e investimento direto a empresas como Google ou Microsoft. Se engana quem cai no conto da empresa pobre de garagem. E, por aqui, nas terras do Brasil, até quando vamos deixar de notar nossas potências de abrir mão de instrumentos tão preciosos de soft power? É hora de acordar e tocar um samba diferente.