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"Temperos de Frida": uma arte representativa para as mulheres

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 09/11/2023 às 18:11:29

Procurei Juan Diego Flórez e deixei ele cantar ao meu ouvido “Cucurrucucú Paloma”, enquanto eu escrevia sobre "Temperos de Frida".

Sabe quando tudo parece se conectar à sua alma? Foi exatamente essa sensação que tive quando assisti ao espetáculo. O mundo é belo, a cultura que cada um de nós carrega é tão genuína e defendida que, mesmo que ainda não percebida, a evidenciamos. Somos todos latinos, e isso é divinal!

No palco temos uma peruana e uma uruguaia, com almas vibrantes, cheias de encanto e saberes artísticos admiráveis. Ainda não sei se são bruxas, pois elas nos tocam com tanta força que parecem atuar através da magia. Só nos basta agradecer por estarem em nossa terra distribuindo o que trazem em suas malas, seja musicalmente ou seus sotaques. Seja como for, elas nos levam, como a sutileza da brisa, que carrega as folhas, em um balé admirável.

Duas mulheres que falam de outra mulher para uma plateia majoritariamente constituída por mulheres. Na minha condição de mulher, me conectei a elas ou à arte delas.

Nós, mulheres, entendemos de Frida, porque existe em nossa criação uma ideia de amor romântico que, muitas vezes, nos fere. Mesmo assim, nos permitimos ser consumidas por ele. Se, por um lado, temos uma mulher que nos enche de cores e de asas para alçar voos, do outro temos uma mulher que não conseguiu ser tão livre. Assim, sendo comparada à pomba Paloma, mesmo com toda ânsia e capacidade de alçar o mais belo voo, permitiu-se sofrer por amor. E o teatro da Cia Quinti trouxe toda essa tempestade de sentimentos ao palco com toda sutileza e verdade.

“Dizem que pelas noites

Não fazia nada além de chorar

Dizem que não comia

Não fazia nada além de beber”

Música cantada com elegância por Natália Sarante, sem gritos estridentes no palco, acompanhada pelo músico Luciano Camara. Ele vestido com um traje de charro, em um tom vinho, belíssimo, que enriquece ainda mais o espetáculo.

Sem contar que ambos ainda trazem a sonoplastia através dos dedos nas bocas das taças e chutes delicados em garrafas. Ainda não tinha visto esta forma tão artesanal de sonoplastia.

Aliás, a direção musical não comete nenhum pecado. Nossa Senhora do Guadalupe parece ter abençoado essa ficha técnica. Mercedes Sosa também é lembrada, através do clássico "Gracias a la Vida", sendo cantada gentilmente pela uruguaia. A América Latina pulsa nessa montagem.

“Agradeço à vida, que tem me dado tanto

Me deu a marcha de meus pés cansados

Com eles, atravessei cidades e poças

Praias e desertos, montanhas e planícies”

A vida da artista mexicana teve seus altos e baixos. Pode-se dizer que baixos impiedosos. Tudo contado através das artes cênicas.

A história é contada dentro de um bar regado a tequila e abacate, que nos leva ao guacamole. Se é de Frida que falamos, que o México seja contado com toda sua beleza. A atriz Rosana Reátegui é um deslumbre. As terras brasileiras fizeram muito bem ao acolher esta preciosa atriz. Que ela continue a desnudar com toda beleza de sua arte cênica o nosso continente para nós, brasileiros.

Rosane é uma atriz atrevida, parece ir para o tudo ou nada. Não errou em atirar. A artista trouxe uma dramaturgia muito mais interessante e contemporânea do que se pode imaginar. Mesmo com músicas clássicas de décadas passadas, ainda assim o texto parece ser para cada pessoa presente na plateia.

Rosana nos faz mergulhar nas três personagens que ela apresenta no palco: a dona do bar, Frida e Catrina.

Qual é a história de La Catrina?

La Catrina, a elegante e misteriosa deusa da morte, tem suas raízes na rica cultura mexicana, sendo uma figura icônica enquanto personifica a morte de uma maneira única e simbólica durante o Día de Los Muertos, ou Dia dos Mortos.

Catrina, no espetáculo, faz um acordo com Frida, quando a artista plástica lutava pela vida após seu acidente. Nesse momento, Rosana abre uma caixa que está no centro do palco e tira uma máscara de uma caveira. Seu corpo passa por uma transformação para uma performance maestral.


Eu não acreditei no que assistia. O espetáculo não teve aporte financeiro para aquela montagem diante dos meus olhos. Foi tudo criado com muita simplicidade e, claro, com muita vontade.

Vontade essa que as capacitou, as promoveu a um teatro de excelência. Mesmo diante do simples, a verdade estava ali diante dos nossos olhos. As indumentárias com cores fortes, mas nada que me levasse a Frida, digo a pessoa da artista plástica. As características que as desenha não foram empregadas no espetáculo, como buço, sobrancelhas e cabelos. NADA!

Mas há Frida em tudo, há Frida na angústia das músicas, há Frida na Catrina, há Frida quando falamos do México! Ela é um dos maiores ícones do país, se não for o maior. Sem contar o amor pelo México e pela cultura mexicana que ela mantinha no coração!

A iluminação se deleita naquele sentimento fúnebre da Catrina. Cores que se harmonizam bem ao esqueleto de uma mulher elegante. Tudo se casa. Inclusive o neon.

Pode-se dizer que a dramaturgia contou também com uma pesquisa aprofundada. Não só da vida de Frida, como a da região e política, a beleza das militantes mencionadas no texto. Ah! Que glória é poder ir ao teatro e aprender…

Foi lindo ouvir sobre o México com a magnífica teatralidade na voz da atriz Rosana…

A história de Popocatepetl e Iztaccíhuatl é o Romeu e Julieta asteca - negaram seu amor enquanto viviam, mas foram destinados a passar a eternidade juntos. Agora, como dois vulcões que estabelecem o cenário para a Cidade do México, Izta e Popo, como são carinhosamente chamados, são um símbolo de amor eterno.

Entre excesso de álcool, atração por mulheres e saúde mental abalada, construía-se uma mulher que seria eternizada. Ela entendia o que era sororidade quando pintava outra mulher assassinada em sua época. Frida é o que devemos ser e também o que devemos não ser. Ela é exatamente uma das maiores referências do certo ou errado da mulher de hoje e amanhã. Ela, quando menina, já defendia suas ideias e grandes mulheres que foram apagadas (assim como no Brasil) mas que, hoje, parecem brilhar mais que muitos coronéis. E tudo isso está evidenciado no espetáculo que assistimos.

Será inesquecível em minha memória o sotaque da atriz que me levou a uma personagem latina, o cenário com cores e estilo mexicano, as indumentárias dos artistas, as músicas, os olhares que tanto falavam à plateia. A beleza teatral que abraçava a vida da imensa Frida Kahlo, a generosidade dos artistas com este tema, com essa mulher que um dia - ao saber que perderia uma das penas -, disse que não se preocupava, afinal tinha asas para voar! E o elenco voou para dentro de nós, dentro dos corações, servindo como exemplo vivo, exemplo para o nosso agora. Essa é a grande função do teatro: promover mudanças. É impossível não ser tocada por esses artistas no palco.

Essa crítica está sendo inserida no Portal Eu, Rio! sem serviço, pois foram poucas apresentações. Porém, sabemos a importância desse registro para editais, pois através deles é que as atrizes poderão voltar aos palcos. Entendo que são pontos que qualificam um projeto para a bancada. Diante disso, reafirmo a contribuição dessa montagem à sociedade. Foram dois dias de ingressos esgotados por tamanha beleza. Ter um espetáculo desse tamanho dentro de uma instituição é portar um tesouro, uma arte infinita que atua na vida de mulheres. Além de enriquecer culturalmente, também atua no sentido de nos fazer entender como é preciso lutar com afinco e alegria diante dos intempéries da vida e o perigo da dependência afetiva.

“Se existe vida após a morte, não me esperem, porque eu não vou”. Portanto ela não voltará, mas também não precisará, porque Frida é inesquecível.

Ficha Técnica

Concepção: Rosana Reátegui

Dramaturgia: Rosana Reátegui

Colaboração Dramatúrgica: Cadu Cinelli

Direção: Tatiana Motta Lima

Assistência de Direção: Rosana Reátegui

Atuação: Rosana Reátegui

Canto: Natalia Sarante

Violonista: Luciano Camara

Cenografia: Daniele Geammal, Renato Marques e Francisco Leite

Figurinos e Adereços: Francisco Leite

Iluminação: Thiago Monte

Operação de Luz: Renato Marques

Confecção de Máscara da Catrina: Paul Colinó Vargas (Peru)

Preparação de Máscara: Marise Nogueira

Apoio: CBTIJ

Direção de Produção: Kirce Lima

Produção: Elabore.kom

Realização: Qinti Companhia

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