Eita que qualquer dia eu morro de amor por esse pessoal do Nordeste! Que povo mais diferenciado, Senhor! Ainda mais quando falo do teatro do Rio Grande do Norte. Eles não fazem teatro, é mais que isso, sei lá o nome do que eles trazem para o palco e para a arte cênica. É algo desprovido do ego, de vaidade, pois adoram a rua. Mesmo diante do palco aberto para eles, do palco italiano, adoram dar uma de Jesus: vão para o ar livre para que seus textos ecoem para todos, para os que estão passando, para os que estão sentados. Uma boa aula de Molière é o que fazem sempre! Além de serem divertidíssimos!
Dessa vez trouxeram Shakespeare somente para nos colocar a prova que os nordestinos entendem muitíssimo bem dos dramaturgos europeus. Sabemos que eles não precisam disso, afinal quem tem Ariano Suassuna, tem tudo! Mas é necessário viajar em outros mundos e aprender. Assim, eles afirmam que sabem fazer. De Viena ao Seridó, tudo é completamente bem-vindo desse pessoal "lá de riba".
Não é mutreta, mas sim destreza: ao subirem no palco que criaram no jardim do Sesc Tijuca, mostram competência. Imaginem uma Julieta nordestina arretada? É sobre isso, mas falaremos dos artistas depois.
A construção do cenário é uma graça, me lembrou o teatro mambembe, tão bem-vindo. Um altar gracioso, por trazer simplicidade e graça. Já os figurinos são em tons pasteis e sobrepeças mais coloridas, assim como objetos de cena mais carregado de cores. Chapéu de Lampião e chapéus-cones, aqueles medievais com véu na ponta. Ambos estão bem representados, do sertão à Europa. Tons de amarelo dão o toque ao espetáculo. Como a obra exige muito dos artistas, pude ver a criação do figurinista, mais preocupado com a cena, mas não apagando a beleza da estética visual. Flores no cabelo, poucas rendas e joelheiras que auxiliam os artistas para desempenharem da melhor maneira os movimentos dos corpos na montagem. Que não são poucas!
A música, como sempre, uma viagem ao Nordeste: zabumba, triângulo, violão. Tudo alegre e festivo. Falando em alegria, não posso deixar de falar sobre essa sensação que os artistas nos trazem. Antes de pisarem no papalcoeles chegam dando boa noite, tocando, como fogos de artifício, chamando a nossa atenção. Vale muito conferir!
Os movimentos de corpos e expressões faciais defendem muito bem a obra que está sendo contada. Chamou muito a minha atenção, pois fazem bichos e árvores, é tudo muito bem explorado. São sequências que, se prestarmos atenção, houver um olhar minucioso, é possível enxergar as técnicas teatrais muitíssimo bem empregadas.
A iluminação é estática, não há movimento. Mas está tudo bem iluminado, com lâmpadas ao redor do palco, no alto e também ribaltas que evidenciam a arte dos artistas que se apresentam e os figurinos que vestem.
O texto é rimado algumas vezes e muito bem-adaptado ao Nordeste, com dosagens divertidas de sensualidade. É para nos fazer rir, e rimos! Nos faz mergulhar na memória do Lampião. Isso é cultura, isso é defender a construção cultural de um estado.
Faz muito bem ver a arte do nordeste montada pelo povo nordestino. Eles são praticamente sagrados. Depois das últimas eleições, não podíamos vê-los diferentes. Não só por esse grande feito, mas por fazerem parte de um celeiro artístico de grande valor para o Brasil. Temos aí uma classe que merece todo o reconhecimento: Jorge Amado, Caymmi, Luiz Gonzaga, Nelson Rodrigues, Wagner Moura, Lázaro Ramos, a macetadora Ivete Sangalo, Silvério Pereira, Gil, Caetano, Luci Alves, Gal, Bethânia, Emanuelle... são tantos que chego a me perder nesse mar de pérolas que o Nordeste nos presenteou.
Para dizer a verdade, continua presenteando. Basta ir até o Sesc Tijuca para assinar também essa crítica. Eles são demasiadamente dinâmicos, estão entregues aos personagens que vivem na montagem. Cada artista assina mais de um, e o fazem muio bem, não há descrédito no que apresentam para a plateia.
Mesmo sendo a primeira vez da Cia As Avessas no Rio de Janeiro, alguns artistas eu já tinha assistido. Foi com muito prazer que fui até ao encontro deles para revê-los. É o caso de Caju Dantas e Deborah Custódio. A partir de agora, aguardo o retorno dos demais, Gláucia de Souza, José de Medeiros, Rubinho Rodrigues e Salésia Paulino.
A diretora da obra, Paula Queiroz, esteve também no ano passado no Rio de Janeiro, como atriz, apresentando “Ubu - Tudo que é bom Tem que Voltar”, e voltou! Ela deixa transparecer uma característica pessoal em seus trabalhos: a vivacidade.
Do amor eterno ao sertão, carrego agora em minha memória afetiva a possibilidade, pois entendi que tudo pode acontecer na arte. Não duvido que Shakespeare, do seu descanso eterno, não tenha ficado com vontade de experimentar um bobó de camarão, uma caranguejada ou um arroz-doce…
Obrigada Sesc e obrigada a esses artistas por tamanho manejo nesse estilo de arte cênica tão apreciativo que vocês nos trouxeram. Voltem sempre ao Rio, estamos de braços abertos para vocês! Um cheiro!
SINOPSE:
Em “Julieta Mais Romeu”, espetáculo desenvolvido a partir de um laboratório com a premiada trupe potiguar Clowns de Shakespeare, seis convidados de uma grande festa que celebra uma trégua entre as famílias Montéquio e Capuleto, após anos de rivalidade, vão relembrando a história de amor dos personagens, com muita música, poesia e comicidade, além de palpites hilários na relação proibida dos dois. O público pode se preparar para boas gargalhadas, e para ver a clássica história de amor sob uma ótica totalmente diferente e inusitada. A linguagem densa de Shakespeare é substituída por bom humor e números musicais. Já o frio inglês dá lugar a uma cidade fictícia do Nordeste, árida e quente, onde habitam as famílias.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Paula Queiroz
Orientação de direção: Fernando Yamamoto
Dramaturgia: Camilla Custódio, Deborah Custódio e José de Medeiros
Elenco: Caju Dantas, Deborah Custódio, Gláucia de Souza, José de Medeiros, Rubinho Rodrigues e Salésia Paulino
Direção de movimento: Dudu Galvão
Direção musical: Caio Padilha
Preparação vocal: Mayra Montenegro
Preparação corporal: Thasio Igor
Figurino: André Martins
Orientação de figurino: João Marcelino
Costureira: Ilzen Carvalho, Francisca das Chagas e Fátima Rocha
Aderecista: Pierre Keyth
Cenário: Fernando Yamamoto
Cenotécnica: Rafael Telles, Rogério Ferraz e Rogério Pereira
Iluminação: Ronaldo Costa
Produção: Talita Yohana (TAYÓ Produções)
Realização: Grupo Asavessa
SERVIÇO:
JULIETA MAIS ROMEU
Temporada: Até 31 de março de 2024
Horários: de quinta a sábado, às 19h; e domingo, às 18h.
Local: Pátio das Tamarineiras - Sesc Tijuca
Endereço: Rua Barão de Mesquita, 539, Tijuca.
Bilheteria - Horário de Funcionamento: De terça a domingo, das 9h às 19h.
Duração: 60 minutos.
Telefone: (21) 4020-2101
Valores: Grátis (PCG), R$ 7,50 (Credencial Plena), R$ 15 (meia-entrada) e R$ 30 (inteira).
Livre.