Pensem na voz da Nara Leão, aquela voz delicada e aveludada. Pois foi exatamente assim que o senhor Miguel Falabella trouxe a obra teatral "Nara" para o palco. Nem mais e nem menos. Uma obra surpreendente por traçar a delicadeza como um caminho a seguir em sua montagem. Claro que fui ao teatro esperando mais. Acabei surpreendida com a harmonia da grande intérprete e a obra que a homenageia/conta a história dela. Foi muito mais do que pensei ser. Como se fosse uma máquina de fotocópia ou um raio x, assim traduzo esse espetáculo.
Eu era bem jovem quando conheci a voz de Nara. Foi ouvindo ela cantando Paulinho da Viola. Quase tive uma síncope no carro, indo a caminho de Guarapari/ES, na Rodovia do Sol. Depois daquele final de semana, comprei alguns CDs da cantora e Nara passou a fazer parte das reuniões lá em casa. Logo depois, arrombaram minha porta e levaram todos os CDs. Os ladrões tinham bom gosto, ao menos isso posso dizer deles...
Logo li também a biografia da irmã de Nara. Achei de ótimo tom não trazer ao palco a via crúcis da artista em relação à doença. Porque quem sabe, entende a dolorosa caminhada dessa artista. Foi desmerido, um infortúnio na vida da moça de voz doce.
Na verdade, quem assistiu ao espetáculo “O Som e a Sílaba”, de Miguel Falabella, entende das possibilidades viscerais do grande artista.
Enquanto escrevo, ouço Nara, lembrando da beleza que a atriz Zezé Polessa leva para o palco. A atriz não peca, desliza no palco como uma campeã olímpica de patins no gelo, com movimentos que mais me lembram uma pena dançando ao cair de um pássaro. Tudo harmonizado com a voz de uma mulher que significa muito para a cultura do nosso país. Zezé cantou com exatidão. A atriz me surpreendeu em vários sentidos, tanto no seu fazer cênico quanto na caracterização perfeita. Na verdade, não que eu esteja falando da capacidade técnica de Zezé, mas pelo fato de ser muito fã da Nara. Eu não esperava algo tão "ela", aquela moça capixaba que nos leva até os dias atuais ao deslumbre de sua voz macia.
Sou da geração Naná, da novela “Top Model”. Claro que Zezé é uma atriz amada, que sempre carregará com ela o meu afeto. Ainda mais em uma idade tão complexa quanto a adolescência. Agora renasce para a Patricia mais adulta, mais ciente da vida. Mais uma vez, com a mesma beleza e encanto.
Aliás, tudo no espetáculo foi feito com suavidade. Temos uma iluminação muito viva, que nos leva a tudo e todo lugar vivenciado por Nara. A iluminação cumpriu a função de seguir os passos dados por essa grande intérprete. Quando a luz batia em “móveis de madeira” mudando as nuances, por meio de palhetas de cores que sugeriam o mar, o Brasil, o amor, etc, era de um esplendor significante aos meus olhos. Que beleza!
Vestidos de papel, aqueles da década de setenta e que me acompanhou no início da década de oitenta como brinquedos, estavam no palco. A atriz os utilizava para alguns momentos da vida de Nara e outras personagens que passaram na dramaturgia rapidamente, como notas poéticas que estavam lisonjeiramente naquele altar, lugar que artistas emanam reflexões e histórias.
A atriz parafraseou algumas partes do texto que fala sobre o teatro, o que dele podemos esperar, dos momentos do tempo que ele pode nos trazer. Muito belo.
Os amores da Nara foram levados ao palco. Quando isso acontecia, a atriz dizia com uma leve dobrada de perna: corta!
Foram cenas mimosas. Tudo era Nara, daquele jeitinho calmo dela.
Quando algo não estava de acordo para a Nara no palco, nossa Nara de 2024 balançava a cabeça irritada, com o seu cabelo um pouco abaixo das orelhas, nunca saindo da Nara que conhecemos. Um respeito à adnirável artista Nara Leão.
Sofisticação em absolutamente tudo, inclusive na qualidade de som e microfonação.
Chorei, emocionada, quando trouxeram a maternidade da atriz, quando ouvi o texto de Carlos Drummond de Andrade, que desconhecia, a respeito de Nara, quando a Ditadura Militar a perseguiu.
Embora a frase de Carlos diga que "o passado é lição para se meditar, não para se reproduzir”, é impossível não escrever o que ele disse naquele passado pérfido.
“Meu honrado marechal
dirigente da nação,
venho fazer-lhe um apelo:
não prenda Nara Leão (…)
A menina disse coisas
de causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a Revolução?
Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?
Será que ela tem na fala,
mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão? (…)
Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?
Deu seu palpite em política,
favorável à eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso, de alta traição?
E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção? (…)
Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.
Meu ilustre marechal
dirigente da nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.”
(Carlos Drummond de Andrade)
Impossível não deixar aqui uma expressão tão perfeita em relação a ela. Que me perdoe o poeta!
Quanta emoção há nessa obra. Quando a atriz traz a irmã ao palco, com o cigarro em mãos, é uma maravilha! Basta clicar em algum site para entender sobre o que falo e também perceber a ótima atuação da Zezé!
As músicas trazidas ao teatro foram muito bem escolhidas. Parece que adivinharam o que os fãs da Nara queriam ouvir!
Não percam essa obra que fala tanto de nós brasileiros, de nossos momentos políticos, onde escutamos a eterna canção “Opinião”, belissimamente interpretada por Zezé.
A obra está no Sesi Firjan e não pode deixar de ser vista, revista e escutada. Saibam que a brincadeira vai acabar, essa charanga vai se calar. Portanto, senhores brasileiros, a vivencie com o ar fresco de outros tempos, porque afirmo que não seremos presos por estarmos ali. Ela nos ajudou a termos a liberdade de expormos nossas opiniões. Levem seus filhos, amigos, os pais! Vamos seguindo os passos de Nara, que embora cantasse como um pássaro delicado, atuou no cenário musical como um leão.
Sinopse
Ao longo de toda a sua trajetória, Nara Leão (1942-1989) assumiu um compromisso intenso com a liberdade e se eternizou como uma das grandes personalidades brasileiras do século passado. Zezé Polessa revive agora o mito desta mulher pioneira, que marcou época, quebrou tabus, lançou modas e esteve no centro de movimentos como a Bossa Nova, o Tropicalismo, os grandes festivais, o resgate do samba e as canções de protesto. Escrito e dirigido por Miguel Falabella, ‘Nara’ traz de volta a cantora, que chega do passado – ou do futuro – para dividir com a plateia as suas lembranças e reflexões, além de reviver seus muitos sucessos radiofônicos, como ‘A Banda’, ‘Diz que fui por aí’, ‘Corcovado’ e ‘Marcha da Quarta-Feira de Cinzas’.
Ficha Técnica
com Zeze? Polessa
de Miguel Falabella
Direc?a?o musical, arranjos e produc?a?o musical: Josimar Carneiro
Direc?a?o assistente e direc?a?o de movimento: Marina Salomon
Cenografia: Dina Salem Levy
Desenho de luz: Ricardo Vivian e Sarah Salgado
Desenho de som: Arthur Ferreira
Figurino: Nathália Duran
Visagismo: Marcelo Dias
Preparac?a?o vocal e assessoria fonoaudiológica: Mariana Baltar
Operac?a?o de luz: Luana Della Crist
Operac?a?o de som e microfonista: Joa?o Gabriel Mattos
Assiste?ncia de cenografia: Alice Cruz
Cenote?cnico: Rodrigo Shalako
Contrarregras: Nivaldo Vieira e Rahira Coelho
Camareira: Maninha Xica
Músicos
Bateria e percussão: André Boxexa
Piano e acordeon: Antônio Guerra
Violão: Josimar Carneiro
Contrabaixo: Pedro Aune
Saxofone, clarinete e clarone: Rui Alvim
Audiovisuais: Gil Tuchtenhagen
Quintal Produc?o?es
Direc?a?o de produc?a?o: Vero?nica Prates
Coordenac?a?o de projetos: Valencia Losada
Produc?a?o e administrac?a?o: Leti?cia Vieira
Produc?a?o executiva: Camila Camuso
Assiste?ncia de produc?a?o: Ellen Miranda
Realizac?a?o: Ministe?rio da Cultura, Governo Federal
Patroci?nio exclusivo: Petrobras
Serviço
Até 21 de abril. Quintas e sextas, 19h e sábados e domingos às 18h
Ingressos (valores diferenciados por SETOR):
Platéia - R$ 40 (inteira) | R$ 20 (meia)
Balcão – R$30 (inteira) | R$ 15 (meia)
Duração: 80 min
Classificação: livre
Gênero: biográfico