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O filho pródigo e a segurança pública

João Pedro Pádua, Advogado e Professor de Direito na Universidade Federal Fluminense

Em 28/08/2024 às 15:45:21

A parábola do filho pródigo, narrada no Evangelho de Lucas, é amplamente conhecida. Um filho pede sua herança antecipadamente, gasta tudo em uma vida desregrada e retorna pobre. O pai o acolhe com festa, para questionamento do outro filho que permaneceu obediente.

Em relação à gestão municipal, a segurança pública é o filho pródigo. Durante as eleições, candidatos acolhem o assunto com festa. Uma vez eleitos, rapidamente mandam-no viver desregradamente no Governo do Estado. A cada quatro anos, vemos a parábola se repetir.

Essa prodigalidade nos assuntos municipais reflete uma compreensão equivocada sobre políticas de segurança pública eficazes. A maioria, incluindo candidatos, pensa em segurança pública focada apenas em repressão penal. Sob essa ótica, o município tem pouco a oferecer, já que as forças policiais são estaduais ou federais, e não há Ministério Público nem Poder Judiciário municipal.

O erro está em inverter fins e meios. Uma boa política de segurança pública visa a diminuir o número de crimes, especialmente os violentos. Prender e reprimir é apenas um meio, e não muito eficiente.

Se quisermos ser intelectualmente honestos, temos de reconhecemos que sabemos pouco sobre as medidas mais eficazes para reduzir a criminalidade. Prender em massa parece ter alguma eficácia, mas é custoso e tem efeitos colaterais. O efeito dissuasor e neutralizador da prisão é menor do que se imagina.

Por outro lado, os municípios que são casos de sucesso nos EUA, país que mais reduziu a criminalidade violenta nos últimos 50 anos, adotaram medidas aparentemente desconectadas da visão tradicional sobre segurança pública, moldada em décadas de políticas de bangue-bangue.

Nova Iorque é um exemplo notável. Em 1990, tinha 14,5 homicídios por 100 mil habitantes por ano. Em 2019, esse número caiu para 2,9, uma redução de 80%. Para comparação, o estado do Rio de Janeiro, em 2019, tinha escandalosos 34,6.

Muitos atribuem esse sucesso às políticas de "Tolerância Zero" do prefeito Rudolph Giuliani (1994-2001). As evidências suportam parcialmente essa atribuição, mas é importante notar que essa política é, em grande parte, de recuperação do espaço urbano, não apenas de repressão.

A ideia original que motivou políticas como a de Nova Iorque se baseia no artigo "Broken Windows" (Janelas Quebradas), publicado em 1982 na revista Atlantic. Embora nunca tenham usado a expressão “tolerância zero”, os autores, James Wilson e George Kelling, propuseram que a criminalidade de rua prolifera onde o Estado demonstra ausência.

"No nível da comunidade, desordem e crime estão inextricavelmente ligados", escreveram. "Uma janela quebrada e não consertada é sinal de que ninguém se importa e, então, quebrar outras não custa nada".

Agora pense no Rio de Janeiro – que é a cidade onde escrevo esse texto e um grande cartão-postal para o Brasil. Onde é mais provável que um criminoso roube seus pertences, no Leblon ou em Cascadura? Onde é mais provável que você seja vítima de um crime que acabe tirando sua vida? No Largo da Carioca durante o dia ou em Ricardo de Albuquerque, à noite? (Se você não é do Rio de Janeiro, tente jogar esses bairros no Google. Tire suas próprias conclusões).

Criminalidade e violência são maiores e mais salientes onde tudo já parece abandonado. Em linguagem estatística, diríamos que a criminalidade violenta se correlaciona positivamente com o abandono do espaço público.

Isso é uma boa notícia para os municípios. Ao cumprir suas obrigações constitucionais – pavimentar e iluminar ruas, recuperar escolas, promover ocupação urbana ordenada – o município promove segurança pública.

A má notícia é que os municípios brasileiros geralmente não se concentram nessas obrigações. No Rio, mesmo em bairros de alta renda, o espaço urbano é mal cuidado. Reparar e cuidar do espaço urbano, sem a pompa de grandes obras, parece não render muitos votos na visão dos políticos.

Mas é o que, pela evidência e experiência disponíveis, o município pode fazer de melhor em segurança pública.

Neste ciclo eleitoral, proponho que cobremos dos(as) candidatos(as) que acolham o "filho pródigo" e falem sobre segurança pública com as ferramentas que o município possui. Deixemos a polícia para o Estado.

Afinal, para promover segurança pública, ela nem é tão importante assim.

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