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Liberdade para os escravizados; Ou, abolição inconclusa?

Em 13/05/2021 às 22:09:55

Quando crianças, fomos ensinados nas escolas, que a data do13 de maio, comemora-se o dia da abolição dos escravizados.Porém, para romper paradigmas, ativistas do Movimento social negro e pesquisadores-cientistas, nas últimas décadas, passaram a apresentar, com simbolismo maior, a data de 20 de novembro: Dia da Consciência Negra, data que se refere ao herói negro Zumbi dos Palmares, que presumivelmente morreu nesse dia, em 1695, como sinônimo de luta e resistência.

Um outro 13 de maio poderá ser lembrado também. O que se refere à Revolta em Carrancas, que aconteceu em 13 de maio de 1833. Essa revolta possui um simbolismo de resistência e descontentamento à subalternidade em que viviam os escravizados, submetidos aos tratamentos cruéis, castigos, estupros, entre outros suplícios.Falar sobre isso nos remeteà polêmica frase do advogado Luiz Gama (1830-1882), homem negro, autodidata, que fora proibido de frequentar a escola.Disse ele: aquele que mata o seu senhor, o faz em legítima defesa. Trata-se aqui de um símbolo para pesquisadores negros. Nesse acontecimento em Carrancas, pessoas escravizadas entraram em confronto com escravizadores brancos. Líderes como Antonio Cigano, Joaquim Mina, Ventura Mina, João Inácio, Firmino e Matias, à época, conseguiram a libertação de homens e mulheres que viviam sob maus tratos em duas fazendas daquela região.

Ana Maria Gonçalves (2006), autora do livro Um defeito de cor, lembra-nos, com uma belíssima frase, que: “Enquanto não olharmos para trás e entendermos o caldo histórico que nos molda como povo, os nossos piores momentos continuarão nos assombrando.” A mesma autora nos ensina que racismo é produto da mediocridade intelectual. Então, que nos ajudem na travessia, embora eu reconheça uma atual sociedade do desamor.

Será que o 13 de maio foi realmente a liberdade esperada, com a assinatura da Lei Áurea, de nº 3.353 de 1888, pela princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas Sicílias e Bragança? – Espera-se responder com este texto se a abolição fora inconclusa ou não...

O objetivo deste trabalho é desconstruir o mito da liberdade que fora dada aos escravizados, no dia 13 de maio de 1888.Pois, o problema foi o dia 14, ou seja, “Day after” (o dia seguinte) à assinatura da Lei pela Princesa Isabel, quando constatamos que a abolição fora inconclusa. Onde seriam alocados os negros libertos, que antes tinham emprego, mesmo que sem remuneração? - Gólgota, assim pode ser definida a escravização negra no Brasil e esse período.

Antes a essa data de 1888, a população negra trabalhava, embora como escravizada (pouquíssimos eram libertos), mas possuía emprego, algum teto (embora que nas senzalas). Com a abolição, tornou-se desempregada, sem indenização e sem saber para onde ir. Muitos, sem alfabetização, saídos das senzalas para formar as favelas, sem amparo do Império e, um ano depois, desamparados também pela República, com Marechal Deodoro da Fonseca. Esse, por sinal, assinou o decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, onde, no artigo 1º, proibia a entrada de mais negros nos portos brasileiros, mas permitindo a entrada de brancos. Por sinal, não só permitia, como também a diplomacia brasileira chegou a incentivar no exterior, especialmente no continente europeu, o ingresso de estrangeiros para o Brasil.

Insisto, por que o problema foi a partir do dia 14 de maio de 1888, no que tange especificamente à Lei Áurea? Porque a lei estava incompleta.Ou seja, a abolição fora inconclusa. Mulheres escravizadas, agora libertas, passaram a dar origem ao trabalho de empregada doméstica. Contudo, a vida de determinados grupos sempre foi difícil. AhyasSiss nos lembra que o acesso da população negra ao ensino superior no Brasil deu-se de forma precarizada e subalternizada. Entretanto, o estatuto da igualdade racial (Lei Nº 12.288, de 2010) veio para orientar, legal e institucionalmente, a garantia e aplicabilidade das políticas públicas de ações afirmativas, visando a equidade étnica e reparações. Assim, o personagem “The White salvator” (o salvador branco), que algumas vezes surgia para alguns negros, poderá ser distanciado e, passando a existir a figura do incentivador e aliado.

Pois esforço não falta ao segmento populacional negro. O que é preciso da sociedade perceber é que, enquanto detentora dos privilégios da branquitude e branquidade, negros e indígenas não estão sendo colocados em um pedestal de santidade, ou seja, não são santos. No entanto, necessitam serem vistos no mesmo patamar de seres humanos, no que, por conta de alguns dirigentes déspotas, a contar do pós-abolição, uma espessa desigualdade fora estendida ou mantida entre brancos e negros. Tanto que, profusamente, mesmo o século XX sendo considerado um período de grande avanço tecnológico, as desigualdades aumentaram entre esses dois grupos, sendo a desfavor dos negros, segundo os pesquisadores Luiz Alberto e Petronilha Gonçalves.

Rústicos eugenistas (pessoas que defendiam a supremacia da raça branca), queriam embranquecer a população nacional. Eram seus simpatizantes figuras históricas importantes, como Roquete Pinto, Monteiro Lobato, entre outros. Soma-se a esses, como sinal de influência às desigualdades e privilégios da oligarquia ou monarquia branca, Dom Pedro II, que deu como presente de casamento para a princesa Isabel e o Conde D’Eu, um palácio, objeto da mais longa ação judicial história do Brasil, que objetivou devolvê-lo ao Estado, o hoje palácio Guanabara, no bairro das Laranjeiras, pertencente à União. Assim, até o momento, vivemos o privilégio dado aos brancos no mercado de trabalho, sobretudo, nos cargos em comissão, principalmente nos que são chamados de eixos duros, nas funções tidas mais intelectualizadas, em detrimento daquelas tidas como de entretenimento esportivo e música popular.

E se falarmos em etnocídio, genocídio do povo negro (Abdias do Nascimento) enecropolítica (estado de exceção)?Na guerra contra o tráfico de drogas, os que mais morrem são negros e jovens, e policiais pretos também, porque são da linha de frente, são os praças, com patentes inferiores. Isso tudo faz parte do conjunto de racismo estrutural. É a necropolítica combinada com o etnocídio (genocídio da população negra). Já a necropolítica demarca território, aponta para as periferias e favelas como sendo o lugar do crime e onde os criminosos estão, consequentemente, os negros. Ledo engano! Denise Frossard, ex-juíza de direito no estado do Rio de Janeiro, disse certa vez: a escada para ser limpa, precisa ser varrida de cima para baixo. A considerar-se os que estão no topo da pirâmide, a cor dessas pessoas e o local geográfico são outros.

Temos o direito de ir e vir? De acordo com o livro Lugar de preto, lugar de branco, não temos. Se você, leitor, fosse morador de uma favela em um dos morros da cidade do Rio de Janeiro perceberia que, mesmo sem o necessário decreto de calamidade, as operações policiais agem como se houvesse. Relatam os moradores, negros em sua maioria que: “Nos proibiram de circular pelas vielas quando bem entendêssemos. Agora, querem expulsar-nos de casa”. Isso chama-se necropolítica!

Um país de urbanização descontrolada e cultura política permeável ao autoritarismo. Assim, vejamos as principais dos esquadrões da morte, formados nos anos 1960: os negros; da Rota 66: negros; domínio do tráfico nos anos 1980 e 1990: negros; milicianos e grupos de extermínio, dos anos 2000: negros. Esse é o histórico.

O que é racismo estrutural?Os ex-escravizados não receberam indenização, nem terras, tampouco educação para que se tornassem capazes de competir. Tudo isso trouxe desigualdades que perpetuam até os dias atuais. Por isso, há essa dificuldade de vermos negros nos mais altos postos de trabalho, em posição de poder, decisão, prestígio e riqueza. Mas não impossibilidade. Alguns, como casos de exceção, com árduos sacrifícios, por vezes, em detrimento da própria saúde e doutras renúncias, chegam a posições de destaque e prestígio. Um exemplo disso, o desembargador Paulo Rangel, do TJRJ, no alto de seus 1,90m, pele preta, traços negroides; invariavelmente sendo confundido e maltratado como subalternizado, segurança de shoppingetc. No que ele, prontamente, reage.

Nelcimar Augusto, liderança negra, universitário e membro dos grupos étnico-raciais Raízes e Fundação Justiça Social, brinda-nos com estas contribuições: "O 13 de maio precisa ser ressignificado! Não faz sentido, principalmente para nós afrodescendentes, comemorarmos essa data, que teve um processo manipulado pelos interesses políticos e econômicos, sem levar em consideração o sofrimento das pessoas escravizadas. Prova disso, é que após a ‘abolição da escravatura’ que, no papel, também proibia a circulação de navios negreiros, homens e mulheres que eram escravizados foram entregues à própria sorte, algo como: Se vira! - não tiveram o reconhecimento e muito menos foram ressarcidos pelos anos afinco de trabalhos forçados.Até os dias de hoje, podemos perceber o quanto ficou manchada e marcada a vida do negro. Ou seja, a escravidão não acabou de fato.Dar um novo sentido ao 13 de maio é reviver a luta e relembrar nossos verdadeiros heróis abolicionistas :Luis Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, entre outros. Aí sim, estaremos comemorando e refletindo o quanto lutaram para libertar nossos irmãos da escravidão. Só quem tem a marca do chicote, conhece a dor da chicotada, Eu tenho..."

Acrescento a esses heróis, de forma destacada, o almirante negro João Cândido, da revolta da Chibata, que ocorreu em 1910, e que viveu grande parte de sua vida em São João de Meriti, região metropolitana do Rio de Janeiro.E, das artes, a contribuição genial do escritor Lima Barreto, que denunciava o racismo, e nasceu em 13 de maio de 1881. Outro motivo para lembrarmos a data.

Para o professor-doutor Renato Noguera (2020), pesquisador na UFRRJ, em seu artigo “O que se comemora no dia 13 de maio?” outros fatos históricos devem ser ressignificados. Vejamos: “(...) O dia 13 de maio não deixa de ser lembrado como data comemorativa de uma alforria irrestrita a todas pessoas negras brasileiras no ano de 1888, quando o Brasil era o único país do mundo que mantinha o regime escravocrata.”Nesse ínterim, o doutor nos lembra também sobre intelectuais antirracistas e conclui com um questionamento reflexivo: “(...) a área de História tem, por conta de demandas de intelectuais antirracistas e, não menos decisivamente, de pan-africanistas, trazido à luz documentos que parecem ter ficado guardados a sete chaves. O que de fato aconteceu no dia 13 de Maio?”

Ciência não é crença, intuição, nem senso comum. Ela trabalha com aquilo que é possível provar. Desse modo, não se pode fazer juízo de valor sem aprofundar estudos sobre o assunto.Nota-se que há na atualidade uma robutez de estudos científicos sobre desigualdades étnico-raciais brasileiras e como enfrentá-las.

É imperioso lembrar que, embora Ruy Barbosa tenha sido considerado um golpista, por ter aderido ao movimento contra a monarquia, ele assinou, enquanto ministro da Justiça e Fazenda, em 1890, o decreto nº 119-A, que tornava o Estado brasileiro formalmente laico. Corrobora a isso a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, VI. Assim, o poder público é laico, e está na lei. Espera-se que quaisquer governos, de qual esfera for, seja leigo, e que busque se desenvolver pacificamente, sem posição religiosa definida e, tratando o próximo, na condição de contribuinte e cidadão, com o máximo respeito.

Por vezes, nos dias atuais, encontramos pessoas nos diferentes segmentos, acenando-nos de forma amistosa sobre o tema racial. Por outro lado, no que tange a políticos ou siglas conservadoras, é interessante lembrar a metáfora de que“o gato sempre é capaz de brincar com o rato que ele pretende comer”. Assim, desejo evitar as políticas públicas do faz-de-contas ou a política “para inglês ver”. Alguns que estão em funções de destaque, vivem em uma bolha, em um mundo irreal: desconhecem os pobres.

Em meio aos aldeões, nós precisamos nos sentir úteis a eles. É preciso dar oportunidades às pessoas talentosas para que elas possam obter sucesso, sem desprezar as outras, de modo que sobre a justiça social.

Alguns municípios são jovens e compostos por muitos jovens. Entretanto, há o risco de jovens mal-educados. Portanto, enquanto mulheres e homens negros, normalmente nossa índole (caráter) é questionada, preconceituosamente.Pior, quando a sociedade encontra algo equivocado, geralmente é hiperdimensionado, por menor que tenha sido; ou seja, chega-se ao extremo, ao agravante; quase nunca ao atenuante.

O legado negativo, pelo qual chamamos de abolição inconclusa, trouxe-nos a visão da branquitude, buscando “tutelar” as pessoas negras. Trocando em miúdos, dizendo se elas, enquanto tez mais escura, são pessoas boas ou de má qualidade enquanto caráter.

Por um caráter afirmativo, contextualizo e cito o que li em Negras Raízes, escrito por (Alex Haley, 1978), no sentido de reforçar a autoestima das mulheres. KuntaKinte, personagem central desse livro, em um diálogo questionador com seu pai Omoro, ouviu o seguinte, - quanto mais negra é uma mulher, mais bonita esta é.

É necessário falar sobre educação e ensinamentos. Para isso, recorro a Nelson Mandela, saudoso ex-presidente da África do Sul.Após ter resistido bravamente na prisão, por anos, depois de uma injusta condenação, em um de seus pronunciamentos disse: “As pessoas não nascem racistas. Para isso, elas precisam ser ensinadas. Então, podem ser ensinadas a amar.” Madiba, apelido carinhoso pelo qual era chamado este advogado, dedicou sua vida ao enfrentamento do regime segregacionista governamental, o “apartheid”. Regime este implantado por cristãos, holandeses e ingleses, que disputaram por longos anos o domínio daquele rico território.

Racionalmente, o país, enquanto sociedade, precisa reconhecer-se plural, com diversidade étnica nos mais altos escalões e postos de trabalho, assim como sua diversidade religiosa.Entretanto, para um país pretensamente cristão, como é o caso do Brasil, onde alguns gestores públicos apoiam-se na bandeira do conservadorismo, diante das contradições que lhe são ínsitas, segue esta reflexão bíblica: (...) a não ser o amor de uns pelos outros, pois aquele que ama seu próximo tem cumprido a Lei. (Romanos, 13:08).

Modestamente, refletindo sobre educação antirracista, contribuições e etiqueta: “Por favor”, “posso ajudar?”, “muito obrigado”.

Contrariando o posicionamento de alguns, Desmond Tutu, homem negro, um arcebispo da Igreja Anglicana, consagrado com o Prêmio Nobel da Paz em 1984, possui uma destacada frase, que certamente compartilha a escritora de origem nigeriana ChimamambaAdiche: Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.

É isso.

Escreveu-lhe,

*Ozias Inocencio,

Ademain (até breve!).

* Juiz de Paz no Estado do Rio de Janeiro desde 2002, alternando entre substituto e titular. Pesquisador étnico-cultural. Possui Mestrado Acadêmico pela UFRRJ. É professor Universitário, autor e coautor de livros. Membro da ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negr@s, da ANPED (Associação Nacional dos Pesquisadores em Educação) e, foi integrante do GPESURER – Grupo de pesquisa em Educação Superior e Relações Étnico-raciais. Foi coordenador operacional do S.O.S Tortura, do Ministério da Justiça, através do Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu e Movimento Nacional de Direitos Humanos. Atuou através do S.O.S Queimados, no apoio aos familiares das vítimas da fatídica Chacina da Baixada, ocorrida em 2005. Autor dos livros: Justiça Social & Igualdade Racial; Diversidade Étnica; e coautor do livro Impunidade na Baixada Fluminense. Pós-graduado em Segurança Pública e Justiça Criminal – UFF; pós-graduado em docência do ensino superior e médio – Universidade Cândido Mendes; graduado em Direito – Universidade Gama Filho. Escreve eventualmente para este veículo de comunicação. Foi um dos fundadores do Instituto Herdeiros de Zumbi, tendo sido seu primeiro presidente. Foi criador e é coordenador da Fundação Justiça Social. E-mail: [email protected]

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