O grupo intitulado BRICS, do qual o Brasil faz parte junto com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, mostrou a sua resiliência com a administração Bolsonaro no Brasil. De fato, foi o seu segundo teste, porque, no passado, vários já tinham expressado dúvidas sobre o futuro do grupo quando, em maio de 2014, Narendra Modi ganhou com seu partido conservador e religioso as eleições parlamentares na Índia e se elegeu em seguida primeiro-ministro daquele país asiático. Naquele momento, vários apontavam que talvez o agrupamento não resistisse ao novo governo indiano, dada a sua possível falta de sintonia com os demais.
O fato é que alguns meses depois, no final de julho, Modi estava em Fortaleza, recepcionado pela então presidente Dilma Rousseff, na VI Cúpula dos BRICS, realizada naquela cidade brasileira. Nesta reunião foi aprovada, depois de muitas discussões, a importante criação do Banco dos BRICS, oficialmente denominado Novo Banco de Desenvolvimento, que teria como seu primeiro presidente exatamente um indiano próximo ao primeiro-ministro Modi.
O governo Bolsonaro no Brasil foi, de fato, o segundo teste de estresse ao qual o BRICS resistiu. Em primeiro lugar, porque não se sabia qual a reação de um conservadorismo extremo e vociferante como o de Bolsonaro, e se ele poderia conviver com um grupo diverso, que tradicionalmente busca no cenário internacional atuar de uma forma contra hegemônica. Em especial na primeira fase de seu governo, com um ministro de Relações Exteriores buscando curiosamente as vantagens do isolamento internacional (curioso, para dizer algo com sentido para uma execução de política sem sentido). Várias vezes houve apostas de que o Brasil se afastaria do grupo.
De fato, parece que predominou o pragmatismo de não afrontar politicamente os chineses, principal parceiro comercial do Brasil já faz algum tempo, e o Brasil seguiu no grupo. De uns tempos para cá, com uma política externa que buscou ao menos retornar para o “feijão com arroz” diplomático do Brasil, sem buscar movimentações exóticas, mais sentido ainda passou a fazer participar do grupo. Ou seja, o BRICS resistiu ao seu segundo teste.
E isso em meio a mudanças importantes na geopolítica internacional. Aqui não se fala apenas da (importante) disputa pela hegemonia econômica, onde a China aparece fazendo frente aos EUA. Estamos falando também da guerra na Ucrânia, que colocou a Rússia em uma posição de forte confrontação com o bloco envolvendo os EUA, a UE, o Japão, o Canadá, a Coreia do Sul, a Austrália e outros, e nesse sentido, aumentou a tensão internacional e acabou demarcando uma importante clivagem. Como, antes da guerra, os russos e os chineses tinham firmado um acordo importante, a confrontação acabou de certa forma envolvendo também a China, e por tabela, os BRICS como um todo acabaram envolvidos no imbróglio.
Assim, em um momento em que o Brasil pode mudar de governo, uma pergunta óbvia que deve passar na cabeça de alguém que reflita sobre o tema é que papel podem ter o Brasil e os BRICS nessa nova situação.
Aqui, ao menos três aspectos podem (e devem) ser levantados. De fato, os BRICS, já em suas últimas reuniões, discutem a sua ampliação. Parte importante da reflexão brasileira deve ser pensar um pouco como essa ampliação pode envolver países latino-americanos, e se deve envolver de fato esses países (estamos aqui falando de grandes países da região, membros também do G20, como México e Argentina). De um lado, o Brasil precisa da região para alavancar sua estratégia internacional, de outro perderá a exclusividade (como latino-americano) no grupo, dois pontos a serem pesados.
Um segundo e importante aspecto diz respeito à questão da paz internacional. Nesse sentido, os BRICS podem ter um papel importante, pela confiança que a Rússia tem neles (foram o principal pilar do não isolamento russo a partir da guerra na Ucrânia), em tentar intermediar uma solução para o conflito, o que seria muito importante para o mundo nesse momento. Talvez só os BRICS possam ajudar nessa missão, pela abrangência do grupo e as relações que têm com o conjunto de países do mundo. Resta ver se haverá uma decisão política do grupo nesse sentido.
Finalmente, um terceiro ponto importante diz respeito a uma nova arquitetura multilateral, quer se fale do chamado “Sistema ONU”, quer se esteja falando do “Sistema de Bretton Woods” (nesse último caso, a arquitetura financeira e econômica internacional). Ambos os sistemas foram construídos ao final da Segunda Guerra Mundial, e evidentemente necessitam de uma “atualização”, com as mudanças nos últimos quase oitenta anos no mundo. Os BRICS, dada a sua configuração e representação, com uma nova potência global e potências médias no cenário internacional (que podem inclusive se ampliar, se caminhar a discussão sobre a ampliação do grupo, com países como os já citados latino-americanos, mais países como Turquia, e/ou Indonésia, e outros) podem ajudar a cumprir um papel dos mais relevantes nessa discussão internacional que é mais do que necessária.
A ver como vão avançar essas conversas em um quadro que se configure após o importante processo eleitoral em curso no Brasil – conversas que poderão ajudar as definições de políticas no interior dos BRICS.
Francis Flosi, médico-veterinário e diretor da Faculdade Qualittas
Prof. Dr. Babalawô Ivanir dos Santos (UFRJ) e Profa. Dra. Mariana Gino (CEAP)
Álvaro Tallarico, Jornalista especializado em Jornalismo Cultural