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Contexto é texto

Digi & Tal, Por George Soares, Jornalista

Em 15/08/2023 às 09:37:30

Eu sempre fui fã de distopias. Sabe: aqueles ambientes pós-apocalípticos ou de uma realidade inimaginável. E uma das minhas favoritas é Fahrenheit 451. Apesar de curtir muito o filme, só fui ler o livro muito tempo depois. Tanto o livro quanto o filme trazem uma premissa simples: queimar a literatura. Vale muito a pena conhecer a história de Guy Montag, um bombeiro que tem como profissão atear fogo nesses materiais, tidos como impróprios. Em um mundo onde as pessoas vivem em função das telas e a literatura está ameaçada de extinção, eles são objetos proibidos, e seus portadores são considerados criminosos.

Mas por que falar de distopia e literatura em uma coluna de tecnologia? Recentemente, a secretaria de educação de São Paulo decidiu abolir o uso de livros físicos nas escolas estaduais a partir do sexto ano. Dessa maneira, os estudantes somente teriam acesso ao material didático, os alunos aprenderão apenas com o uso de telas. Em países desenvolvidos isso até chegou a ser feito, mas se voltou atrás na medida por causa dos sérios impactos na aprendizagem dos mais jovens. Os dados mostraram um crescimento no número de analfabetos funcionais.

O episódio foi o da Suécia, único país que, desde a década de 1990, buscou implementar a educação 100% digital nas escolas, voltou atrás e decidiu investir, ao longo de 2023, 45 milhões de euros (cerca de R$ 242 milhões) na distribuição de livros didáticos impressos. Agora pensemos juntos: se não deu certo na Suécia, vai dar certo aqui? (sem sentimento de ‘viralatismo’).

É claro que precisamos pensar como devemos introduzir às telas no ensino de jovens. O foco aqui não é ser um arauto do caos da tecnologia. O que não pode acontecer é criar uma realidade que não exista livros. Sinceramente, é assustador a simbologia de “não haverá livros nesta escola”.

O pesquisador francês Roger Chartier, uma das principais vozes no que diz respeito à tecnologia do aprendizado e leitura, nos diz que contexto é texto. Mas o que é isso? A maneira como você entra em contato com determinado tipo de conhecimento, impacta sobre o entendimento sobre aquilo. Ao ler um livro físico, a sua capacidade reflexiva é infinitamente maior do que você ler num PDF ou Kindle.

Existe uma noção de totalidade que é fundamental para o entendimento do conteúdo do livro, seja ele didático ou não. Quando, no meu antigo ginásio, a disciplina de “Ciências” finalmente se difundia entre Biologia, Química e Física, a gente recebia no início do ano os livros dessas matérias. E, no meu primeiro contato com a Física, eu já conseguia folhear todo o conteúdo que seria dado àquele ano. Mesmo não fazendo a menor ideia do que se tratava, aquilo despertava a minha curiosidade e fazia com que eu ficasse conectado ao conteúdo. O digital, por outro lado, é fragmentado, que gera gente fragmentada, diz Chartier. Então, essa aparente “buscar por modernização” é meramente superficial. O que se revela por detrás de tudo isso é uma pretensa política governamental para gerar cidadãos sem essa noção crítica da realidade.

Na medida em que a gente aprende via telas, a gente perde o senso de autenticidade. É somente quando se tem uma imersão a livros, jornais e revistas é que conseguimos desenvolver um senso crítico mínimo, gerado, justamente, pelo processo de construção desses materiais. Sabe aquela revirada de olho quando vemos uma mensagem de tiozão do Zap dizendo que a Terra é plana ou tecendo uma teoria da conspiração que envolve alguma seita? Então.

Quando treinamos alguém em uma lógica de likes, links e slides, tiramos das pessoas essa possibilidade de percepção da verdade. E é grave, pois isso é pontapé de uma invenção de sociedade que não consegue ter a noção daquilo que ela própria vive. Pois bem, lembra bem o roteiro de Fahrenheit 451.


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