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Do terreiro à tela: no digital, a Macumba é mais "branca"

Digi & Tal, Por George Soares, Jornalista

Em 06/11/2024 às 18:03:50

A presença das tradições religiosas nas redes sociais tem crescido exponencialmente, mas nem todas as representações encontram um tratamento igualitário. Vamos fazer um exercício: na aba de busca do Instagram ou TikTok, digitem “macumba”, “umbanda” ou “candomblé”. Dentre citações ou vídeos de montagens, já repararam que as pessoas que figuram nesses resultados não são negros? Esse processo distorce ou minimiza a presença autêntica dessas tradições, em parte devido ao funcionamento dos algoritmos das grandes plataformas online.

Safiya Umoja Noble, em Algoritmos da Opressão (tradução livre), destaca como os algoritmos que movem os mecanismos de busca e as redes sociais podem perpetuar preconceitos sociais. No Brasil, isso significa que as práticas religiosas afro-brasileiras podem ser marginalizadas online, enquanto versões superficiais e mais aceitáveis para um público global recebem mais visibilidade.

Essa tendência de exclusão reflete as desigualdades estruturais existentes na sociedade, trazendo novas formas de invisibilidade digital para essas práticas. O ambiente online, que deveria ser um espaço de democratização de vozes, acaba reforçando uma hierarquia que favorece conteúdos embranquecidos e de fácil consumo, enquanto marginaliza conteúdos autênticos.

Historicamente, as religiões afro-brasileiras sempre enfrentaram desafios em busca de preservação e resistência. O sincretismo com o catolicismo foi uma forma de garantir a sobrevivência dessas práticas durante períodos de intensa repressão. No entanto, no ambiente digital, essa adaptação assume uma nova forma. O sincretismo digital muitas vezes descontextualiza e dilui o significado original das práticas religiosas, transformando-as em elementos superficiais e desprovidos de suas raízes culturais.

Apesar dos desafios, comunidades religiosas e culturais afro-brasileiras têm encontrado formas de resistir e se afirmar no ambiente digital. Em 2022, entrevistei Conceição Evaristo na Flip e, brevemente, tentamos trazer a ideia de escrevivência, proposta por Conceição Evaristo, aplicada ao mundo online. Nele, narrativas autênticas são usadas para confrontar a invisibilidade e fortalecer a identidade cultural.

Essas iniciativas, que vão de projetos em redes sociais a plataformas de conteúdo focadas em histórias e vivências reais, têm sido essenciais para contrabalançar a lógica excludente dos algoritmos. Elas trazem à tona a importância da autenticidade e da ancestralidade, garantindo que essas tradições continuem a existir e a se desenvolver no ambiente digital.

Vejam bem: essa discussão está para além do reducionismo que algumas pessoas tendem a fazer de que tal religião é para tais pessoas. Pelo contrário: elas são acolhedoras. Contudo, para que o espaço digital seja realmente inclusivo, é fundamental questionar e reavaliar a forma como os algoritmos são programados e como afetam as representações culturais, sobretudo, na esfera da espiritualidade. Pressionar por mudanças nas grandes plataformas e incentivar práticas que valorizem a diversidade e a equidade são passos importantes nesse processo.

A luta contra o embranquecimento digital é, portanto, uma luta por visibilidade, reconhecimento e preservação cultural. Não podemos conceber mais a narrativa de “embranquecer para, então, pertencer”. À medida que o mundo se torna cada vez mais digital, é crucial garantir que esse espaço não perpetue as mesmas desigualdades e preconceitos do mundo físico, mas que se torne um campo fértil para a expressão de todas as vozes, especialmente aquelas que têm sido silenciadas por tanto tempo.
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