Em 2014, o Brasil e, mais especificamente, o Rio vivia o início do momento áureo de grandes eventos na cidade. Com a Copa do Mundo batendo à porta, diversas transformações aconteceram na capital fluminense. Uma delas, no entanto, causava espanto: a demolição da Escola Municipal Friedenreich para dar lugar a um espaçoso e moderno estacionamento, aumentando a capacidade do Maracanã para... guardar carros.
Houve uma grande mobilização digital, bastante barulho foi feito e, por fim, a escola foi tombada e a demolição impedida na justiça. Quando falamos de ativismo digital, vem logo a nossa cabeça alguém passando mais uma lista para recolher assinaturas contra algum projeto de lei. Mas, além da petição online (que, por sinal, é extremamente válida e facilita o exercício da cidadania), hoje começamos a ver uma vertente disso.
Desde os resultados reais obtidos pela Primavera Árabe, o mundo viu que as redes sociais não são uma ferramenta a se menosprezar. Comprovaram que podem ser usadas para influenciar a opinião pública e mobilizar a sociedade em torno de uma causa.
Assim como uma moeda, o outro lado do ativismo digital diz respeito à sua passividade. Isto é, na inércia de seus manifestantes que, por vezes, se resume a um clique ou a um voto, sem um envolvimento direto na causa. Essa crítica, pejorativamente conhecida como "ativismo de sofá", discorre sobre a falta de engajamento do manifestante sobre aquela causa que ele, em tese, defende.
O que vemos hoje, contudo, é uma superação desse estado. No início do mês de junho, surgiu no Twitter de forma orgânica um perfil chamado "Fraudes nas Cotas". De forma ligeira, em um dia no ar, conseguiu mais de 100 mil seguidores e seu conteúdo era um só: expor pessoas que teriam fraudado o sistema de cotas. Com um modus operandi simples, o perfil pegava a lista de aprovações das principais universidades públicas do Rio de Janeiro, em especial, Uerj e UFRJ, identificava quem tinha entrado por alguma cota e buscava o perfil nas redes sociais.
O que víamos, pois o perfil já foi desativado, era de causar, no mínimo, estranhamento. Pessoas brancas, loiras, ruivas, de olhos claros, se autodeclarando preto ou pardo para conseguir uma vaga, em geral, nos cursos de Medicina e Direito, tradicionalmente os mais concorridos dos vestibulares.
Imagens: Reprodução
O perfil motivou uma série de reportagens sobre o tema e as universidades tiveram que se posicionar (leia aqui e aqui as notas de posicionamento da Uerj e UFRJ, respectivamente). De forma suscinta, as instituições prometeram mais rigor na seleção, divulgaram canais de denúncia e explicaram como funciona todo o processo. Mas o que vemos aqui, em última instância, é a verdadeira mobilização em torno de um tema e para além do “ativismo de sofá”.
Para que uma ideia de bem comum tenha capilaridade e vá além do digital, ela precisa despertar interesse e ser polvilhada. A primeira etapa disso é fácil. Se vemos um problema que nos preocupa, tentaremos resolvê-lo e, assim, participo da causa. O desafio está na segunda parte. O tempo investido para que seja pulverizado o bastante deve ser o mais curto o possível para que não tenhamos a ideia do esforço necessário para se resolver o problema. É justamente essa sensação de trabalho extremo que faz com que boa parte das pessoas engajadas em uma causa desistirem, pois percebem que aquilo que as motivou ou aquilo que elas tentarão buscar está longe demais para ser alcançado. O digital permite isso.