A maioria dos filmes de super-herois seguem o script da Jornada do Herói, desenhada pelo antropólogo Joseph Campbel. Em um dado momento da saga, o heroi é posto à prova e precisa superar um desafio praticamente impossível ou aparentemente sem resposta. O Facebook já foi visto muitas vezes como mocinho das plataformas digitais. Em julho, no entanto, parece que a rede social mais famosa do mundo entrou na etapa da cruzada impossível: tentar moderar conteúdo sem ser produtor de conteúdo.
Historicamente, a rede social não se posiciona como uma plataforma de informação, mas como um meio pelo qual os usuários constroem narrativas e histórias. Esse manejo de definição faz com que ela, por exemplo, não se responsabilize por aquilo que usuários postam.
Na última semana, o Facebook e Instagram derrubaram 88 páginas e perfis pessoais por infringir regras de conduta de suas políticas de uso somente no Brasil, todas com viés político em favor do governo Bolsonaro. Foram identificados e removidos 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook e 38 contas no Instagram. A investigação feita pela plataforma apontou que, ao menos cinco funcionários e ex-auxiliares do presidente Jair Bolsonaro disseminavam ataques a seus adversários políticos. Nessa lista consta Tercio Arnaud Thomaz, que é assessor do presidente e integra o chamado “gabinete do ódio”, núcleo instalado no terceiro andar do Palácio do Planalto.
Nessa limpa feita, a investigação levantou que as páginas derrubadas eram seguidas por 883 mil pessoas no Facebook, e por 917 mil no Instagram. A rede de fake news excluída também inclui os deputados estaduais Anderson Moraes e Alana Passos, ambos do PSL do Rio. Todas essas exclusões só aconteceram porque essas páginas e perfis desenvolviam ações que violavam a política de uso das plataformas, como envio de SPAM, automação para ganhar seguidores e uso de contas falsas (os ‘fakes’).
E é nessa seara que torna-se importante destacar: o alvo das ações era “o comportamento, e não o conteúdo” das páginas. Essa explicação serve para a rede social tentar rebater argumentos de que a operação atingia a liberdade de expressão e tinha viés, justificativa de algumas pessoas atingidas pela remoção. O conceito que o Facebook usou para descredenciar as redes envolve o “comportamento inautêntico coordenado”. Essa expressão é definida pelo uso de múltiplas contas no Facebook ou Instagram que trabalham em conjunto para enganar as pessoas ou o Facebook nos seguintes tópicos
Essa operação acontece coincidentemente em uma época onde o Facebook está em xeque. A rede social de Zuckerberg recebeu uma série de críticas de grandes empresas, pois não estava fazendo todo o possível para deter a onda de desinformação em sua plataforma. Diversas companhias ao redor do mundo, como Unilever e Coca-Cola, iniciaram um movimento que suspendia anúncios de publicidade paga nas redes até que ela mostre de fato medidas concretas para o combate à desinformação.
Em um contexto em que cada vez mais as redes sociais ganham relevância, precisou doer no bolso do Facebook para que algo começasse a ser feito, embora a rede tenha declarado explicitamente que a operação de combate ao comportamento inautêntico em nada tem a ver com esse movimento. Ok. Sigamos.