Nos últimos dois anos, conforme pesquisa do Ministério da Saúde, o número de pessoas viciadas em jogos on-line de azar cresceu, em média, 30% no Brasil. Esse aumento também foi registrado na busca por atendimento psicológico e também no elevado número de empréstimo pessoal e adiantamentos de salários por colaboradores endividados pelo vício em diversos jogos.
A grande maioria, uma espécie de jogo caça níquel que vem sendo amplamente divulgado por influenciadores e artistas. Um verdadeiro sinalizador de compulsão por jogo que envolve vários aspectos: as perdas consideráveis, a instabilidade financeira, além de outras questões como o enriquecimento ilícito por parte dos organizadores, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, entre outros.
Já pelo ponto de vista da saúde mental, o drama é ainda maior. A compulsão desenfreada e o estrago psicológico na mente do indivíduo. Tudo isso nos leva a refletir sobre como nosso cérebro se comporta diante desse tipo de vício e o que pode ser feito para não cair nessas armadilhas ilusórias.
O primeiro ponto que deve ser analisado é a facilidade que os indivíduos possuem de criar expectativas. Criamos expectativas em relação ao outro e em relação a nossas conquistas futuras. O grande problema é que nem tudo é previsível. Acreditamos em tudo que vemos. E é exatamente esse o nosso maior ponto nevrálgico: sofremos por não controlar tudo.
Quando algo foge ao nosso controle, entramos em estado de desequilíbrio, o que afeta tanto o comportamento, quanto o emocional. Isso porque a necessidade em ter o controle das situações nas mãos é um sentimento intrínseco de nossa espécie. Tudo o que é externo e nos foge ao controle, gera insegurança, medo e nos faz sentir vulneráveis.
No caso em questão, estamos falando de uma situação de perda, muitas vezes perda de somas consideráveis. Fato é que ninguém joga e investe para perder. Quando isso ocorre, entram em cena sensações incômodas como impotência, fracasso e culpa.
Emocionalmente falando, o indivíduo que perde suas economias e se frustra com o resultado negativo, se vê angustiado ao ponto de não conseguir sentir-se em paz, o que gera transtornos emocionais relevantes, como perda de sono, perda de apetite, estresse generalizado, ansiedade, tristeza profunda, depressão e até síndrome do pânico.
Essas emoções retroalimentam o estresse, levando-o a vivenciar sensações de cabeça pesada, irritabilidade, alterações de humor, entre outros gatilhos que justificam a desestruturação mental, em função da compulsão por jogatinas.
Um outro fator bem relevante de todo esse processo é o sentimento de culpa. Uma culpa que distorce a realidade dos fatos e acelera o complexo de inferioridade e a baixa autoestima. Isso pode estimular, através de atitudes desesperadoras, a busca da falsa ilusão do alívio e do auto perdão.
Essa impotência também pode estar ligada à vergonha de se expor e mostrar sua fragilidade para parentes e amigos próximos.
Portanto, a compulsão precisa ser estudada para compreender qual gatilho desencadeia todo o processo. Se não tratadas a tempo, essas questões podem levar a consequências mais desastrosas como o envolvimento em outros vícios como cigarro, álcool, comida e drogas ilícitas, na tentativa de descontar a frustração em excessos.
E, por fim, na perda do emprego, diante do descontrole financeiro. A solução não é se culpar e se esconder. Não adianta fugir dos problemas. Devemos encarar de frente para conseguir perceber sua dimensão e desta maneira, verificar de que forma poderão ser solucionados. Jogos de azar, não farão milagre financeiro na vida de ninguém. É puro marketing e enganação.
Muitas pessoas caem nas garras da ilusão dos ganhos fáceis e no prazer provocado pela compulsão do jogo e da competição. Enfim, a dependência pode afetar qualquer um. É preciso entender a natureza do vício para modificar o padrão, já que muitos dependentes perdem a condição até mesmo de tomar atitudes próprias, agindo de forma negativa, necessitando de apoio e compreensão para sua reabilitação. O vício em jogos pode surgir de forma inesperada na vida de uma pessoa, porém é totalmente possível vencer e se livrar do abismo financeiro instalado.