TOPO - PRINCIPAL 1190X148

CEDAE: a fonte secou?

A crise no abastecimento de água tem promovido a discussão sobre o futuro da estatal

Por Jonas Feliciano em 31/01/2020 às 11:32:41

Imagem: Mário Moscatelli

No próximo dia 4 de fevereiro, a Sintsama- RJ (Sindicato dos trabalhadores em Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro) pretende convocar os trabalhadores da CEDAE para comparecerem à ALERJ. O objetivo é pressionar os deputados estaduais a criarem uma CPI que investigue o desmonte da companhia. Para o sindicato, é preciso apurar e responsabilizar os dirigentes que estão promovendo o "sucateamento" da empresa.

A crise no abastecimento de água no do Rio de Janeiro tem chamado a atenção do país. Uma mudança no sabor do líquido que é consumido pela população acabou trazendo à tona não somente a preocupação com a saúde pública, mas também a constatação da falta de cuidado com a preservação dos rios Guandu e Paraíba do Sul. O problema revelou que as estações de tratamento podem não estar sendo tão eficientes quanto deveriam. Isso porque, existem inúmeros focos de poluição contaminando o principal reservatório do estado.

Para muitos especialistas, apesar do fato parecer uma novidade, o óbice se arrasta há anos, sem que nenhuma ação efetiva seja realmente adotada pelas autoridades responsáveis. Em meio ao caos, a CEDAE anunciou medidas para restabelecer a normalidade. Depois que foi identificada a presença da geosmina, a empresa optou pela aplicação de carvão ativado com o intuito de voltar a oferecer uma melhor qualidade da água.

Na última quarta-feira (29), o uso de argila surgiu como mais uma alternativa para aliviar o cheiro e o gosto de terra. Na semana passada, a estatal conseguiu uma autorização do Instituto do Meio Ambiente (INEA). Em comunicado oficial, a empresa informou que a argila ionicamente modificada extinguiria o fósforo, que é considerado um nutriente importante para o crescimento das algas. Inicialmente, seriam realizados testes de aplicações utilizando uma embarcação equipada com sistema de dispersão homogênea na superfície da água.

Embarcação aplicando argila na superfície da água / Imagem: CEDAE


Entretanto, a complexidade da falha no serviço vai muito além do "gosto de terra" relatado pelos clientes. A discussão envolve questões políticas como a possibilidade de privatização da empresa e a falta de saneamento básico, por exemplo. Além disso, as medidas emergenciais adotadas pela companhia ainda expuseram os seus trabalhadores às condições insalubres. Certamente, a CEDAE vive um dos seus piores momentos.

Elika Takimoto é professora e uma presença marcante nas redes quando o assunto é engajamento político. Com mais de 170 mil seguidores no Facebook, ela é integrante do grupo de pesquisa de Estudos Sociais e Conceituais de Ciência, Sociedade e Tecnologia. No último dia 25 de janeiro, Elika disponibilizou em sua fanpage um vídeo onde questiona o que pode estar acontecendo com a CEDAE. A publicação também passou a circular pelo Whatsapp e contém denúncias que envolvem até o governador Wilson Witzel.

"Depois de assumir o governo do estado, Witzel, entregou o controle da CEDAE para o presidente do seu partido, o pastor Everaldo. O pastor indicou Hélio Cabral, um ex-diretor financeiro da empresa, para a presidência da CEDAE. Em 2019, Hélio optou por demitir 54 engenheiros de carreira que eram diretamente responsáveis pelo controle das estações e engavetou um projeto que poderia melhorar a qualidade da água, com a justificativa que a CEDAE não tinha verba", afirmou Elika.

Elika Takimoto / Imagem: Reprodução do Facebook

Segundo a professora, apenas no ano passado, a empresa lucrou R$ 800 bilhões, mas nada foi feito. Para ela, o sucateamento e o desinteresse da companhia interessam muito ao governo, pois eles querem efetivar a privatização.

"O governador diz que as obras necessárias na bacia do Rio Guandu só podem ser realizadas com um leilão da privatização da CEDAE. Ele deve ter se esquecido que a responsabilidade pela manutenção e melhoria da empresa é do estado... Vasculhando um pouquinho mais, descobrimos que Hélio Cabral foi diretor da Samarco, a empresa responsável pela tragédia em Mariana. Na época, ele chegou a ser indiciado pelo MPF, com a suspeita de que sabia dos riscos de rompimento da barragem e ignorou as medidas para conter o desastre", relembrou.

Elika ainda citou a participação de Hélio Cabral no governo de Pezão. Já na gestão Witzel, ele teria conseguido um empréstimo com um banco francês, cujo vencimento seria em dezembro de 2020.

"Sabe o que foi colocado como garantia para esse empréstimo? Advinha? Sim! Isso mesmo: a CEDAE. Quando a gente sabe de tudo isso, fica evidente que Hélio Cabral assumiu a presidência da CEDAE com a missão de desmontar e privatizar a empresa. É isso que quer o governo Witzel. É por isso que, agora, você está bebendo água suja aqui no Rio", alertou Elika.

Vale relembrar que a ideia de privatização da companhia é uma realidade. Há algum tempo, o governo do Rio sinaliza que o modelo deve dividir a abrangência da empresa em quatro blocos de municípios. Desse modo, cada área deverá ter a sua concessionária regional, que pode ser diferente em cada parte.

Essa concessão também entrou como uma das condições para que o governo pudesse ingressar no Regime Fiscal proposto em 2017 pela União. Possivelmente, o modelo deve ser viabilizado ainda em 2020. Caso isso aconteça, a produção e o tratamento continuariam com a CEDAE, mas o esgoto e a distribuição da água seriam responsabilidade das empresas privadas.

De acordo com Sérgio Ricardo, do Movimento Baía Viva, tal opção vai na contramão de outras medidas adotadas pelo mundo afora. Ele ressaltou que, da década de 90 até hoje, mais de 800 cidades do mundo reverteram às privatizações.

"Isso ocorreu porque as tarifas aumentaram muito e os investimentos prometidos não aconteceram. No caso da CEDAE, 76% da arrecadação da empresa vem do Rio de Janeiro. Por meio de uma solidariedade, a tarifa social, outros 63 municípios são atendidos pelo serviço. De 2003 pra cá, houve uma excessiva falta de investimento em saneamento básico, algo em torno de R$ 11 bilhões", disse o ativista.

Sérgio Ricardo / Imagem: Movimento Baía Viva

Sérgio ainda comentou que, em dezembro do ano passado, a maioria da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), aprovou uma proposta do governador Witzel que reduzirá R$ 370 milhões por ano em políticas de saneamento básico e proteção dos mananciais.

"Nós não estamos surpresos com mais uma crise hídrica. Na verdade, em 20 anos, ela é a quarta crise de água no estado. Vivemos a mesma situação em 1997, 2001 e 2016. Logo, a principal causa desse novo episódio é a falta de saneamento básico. Não é um problema pontual marcado pela presença de geosmina. Não é isso e nem vai se resolver usando apenas o carvão ativado. Aliás, já era pra ter sido feito desde 2004 , quando técnicos identificaram a presença da substância na água de abastecimento. A resolução do problema está na recuperação dos mananciais, no reflorestamento do rio Paraíba do Sul e do Guandu e, principalmente, com um investimento maciço em saneamento", explicou.

Já sobre as possíveis medidas que podem colaborar no trabalho de aperfeiçoamento do abastecimento e da qualidade da água, Sérgio relembrou a sua participação na primeira gestão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, nos anos 90. Na época, foi aprovado um plano com medidas de curto, médio e longo prazo. Segundo ele, o orçamento chegou a aproximadamente R$1,5 bilhões, mas os projetos não evoluíram.

"Em 20 anos, o investimento a ser feito era baixíssimos, em torno de R$ 65 milhões. No entanto, nenhuma das propostas saiu do papel. De lá pra cá, a gente tem visto a saúde ambiental dos corpos hídricos do rio Paraíba do Sul e do Guandu piorar muito. Existe uma obra, considerada emergencial na ocasião, que seria o desvio dos poços de Queimados e Cabuçu-Ipiranga. Eles cortam municípios da Baixada e deságuam dentro da lagoa de captação da estação de tratamento de água da CEDAE. Inicialmente, custaria R$33 milhões, aumentou para R$ 50 milhões e, em 2019, chegou R$ 100 milhões. Devido a esse superfaturamento, o MPF foi à justiça proibindo a execução do projeto dessa maneira", informou Sérgio.

O ambientalista não deixou de citar a importância de uma participação das universidades públicas no auxílio e na criação de soluções. Ele acredita que isso poderia ter evitado mais um crise e ajudaria na redução dos custos.

"Estamos diante de um problema de saúde pública. Uma grande parte da população das periferias e região metropolitana estão bebendo água com mau cheiro, sedimentos e gosto ruim. Mesmo assim, a única medida do governo estadual é usar carvão ativado ou privatizar a CEDAE, por um preço de bananas. Para isso, põe em prática um plano de demissão voluntária dos técnicos e a redução de investimentos em saneamento básico. Uma política antiga, mas que vem se aprofundando na gestão atual", lamentou.

Na mira do MPF

Imagem: Mário Moscatelli

Na última segunda-feira (27), a Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae). Dessa vez, ex-diretores e o gerente foram acusados de crime de poluição por causa do lançamento de esgoto não tratado em cinco estações diferentes. Os dejetos teriam sido despejados na Baía de Guanabara e no Oceano Atlântico. No pedido, o MPF alegou que as ações criminosas colocaram em risco à saúde humana.

A ação penal é decorrente de um inquérito policial instaurado no ano de 2015 pela Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Em abril do ano seguinte, os responsáveis pelas investigações colheram amostras de água afluente e efluente nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) da Cedae localizadas na Barra da Tijuca, Alegria, Sarapuí, São Gonçalo, Penha e Pavuna.

Segundo o MPF, na Barra, em Sarapuí, São Gonçalo, Penha e Pavuna foram observados índices de poluição. As taxas de revelaram uma contaminação por esgoto superior aos limites estabelecidos pela Lei Estadual 2.661/1996, pela Resolução Conama 430/2011 e por resoluções estaduais da Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca).

A decisão do Juízo da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro determinou que os réus citados devem se manifestar contra as acusações em um prazo de dez dias. Se eles forem condenados, a sentença vai fixar um valor mínimo para que sejam reparados todos os danos causados pela poluição.

Outras irregularidades

Funcionário da Companhia / Imagem: Reprodução do Facebook

Logo após a companhia anunciar a aplicação do carvão ativado na água, um vídeo passou a circular nas redes sociais. Nas imagens, enquanto um trabalhador estava caído no chão, outros reclamavam das péssimas condições de trabalho na estação do rio Guandu. O apelo chamou a atenção da população, mas a CEDAE negou que o motivo fosse à exposição ao carvão.

Humberto Lemos, presidente do Sintsama-RJ (Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro), se manifestou sobre a situação. Ele criticou a empresa e denunciou algumas irregularidades.

Humberto Lemos / Imagem: Sintsama-RJ

"Trabalhadores da CEDAE e conveniados da Santa Cabrini estão trabalhando em condições desumanas na ETA Guandu. Eles estão realizando o despejo manual do tal carvão ativado na máquina que faz a mistura do carvão na água. Um trabalhador conveniado desmaiou por problemas respiratórios, devido ao pó de carvão que sobe no momento do despejo e os trabalhadores involuntariamente inalam. O Guandu virou uma Fortaleza e o carvão vem sendo colocado de forma totalmente insalubre. Isso é um crime. Os trabalhadores não estão aptos para esse tipo de serviço e sem nenhuma proteção (EPI). Essa Diretoria da CEDAE é totalmente incompetente", alertou Humberto.

Descaso?

Diante da crise inegável, o portal Eu,Rio! entrou em contato com a CEDAE e o Governo do Estado do Rio de Janeiro com o intuito de esclarecer alguns fatos. Ao governo, a reportagem fez questionamentos sobre o discurso de algumas figuras públicas e ambientalistas que reforçam o interesse de privatização da CEDAE.

Por e-mail, perguntamos se privatizar a companhia seria a melhor alternativa, bem como se o presidente da empresa, Hélio Cabral, vai ser demitido do cargo. O portal ainda indagou se está havendo um dialogo com a CEDAE no intuito de investir em alternativas que vão além da adição de carvão ativado na água.

Também enviamos indagações a CEDAE. Para a companhia foram feitas perguntas sobre o empréstimo realizado na gestão de Hélio Cabral, com vencimento para o final de 2020. Essa reportagem perguntou sobre a possibilidade de privatização, planejamentos de melhorias estruturais e se existia algum tipo de diálogo para amenizar os transtornos da crise atual. No entanto, até o fechamento desta matéria, nenhum dos dois órgãos se manifestou.



POSIÇÃO 3 - ALERJ 1190X148POSIÇÃO 3 - ALERJ 1190X148
Saiba como criar um Portal de Notícias Administrável com Hotfix Press.