A série sobre os efeitos da linha chilena e do cerol - práticas proibidas por lei - no âmbito do Estado do Rio de Janeiro revelou o drama vivido pelas famílias que perderam seus parentes e das vítimas que ainda sofrem com a ação criminosa. Desta vez, a reportagem vai mostrar as facilidades de compra do produto e das responsabilidades dos órgãos, que devem garantir o cumprimento da lei. E o que é pior: as denúncias estão espalhadas pelas regiões.
Dados do Linha Verde, programa ligado ao Disque Denuncia, o Estado do Rio de Janeiro registrou em 2019 mais de 500 denúncias sobre o uso, venda, comercialização ou fabricação dos cortantes que são utilizados ao soltar pipa. Somente o município do Rio de Janeiro concentrou 392 queixas, o que representa 77,78% do total de chamados. Os bairros Irajá, Ilha do Governador e Campinho registraram juntos 107 queixas.
Na Baixada Fluminense são 85 casos. Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São João de Meriti concentram juntos 59 denúncias. Já em Mesquita, Belford Roxo, Nilópolis, Magé, Japeri, Queimados e Paracambi contabilizam 26 queixas.
Desde janeiro deste ano, o programa Linha Verde recebeu 72 denúncias. A maior parte foi no Rio de Janeiro (49), Nova Iguaçu (4) e Duque de Caxias (4).
É FÁCIL COMPRAR
Para comprar a linha chilena ou cerol, conhecidos como cortantes, não é preciso sair de casa e ir até lojas ou armarinhos. A clandestinidade destes produtos ultrapassam barreiras, pois pela internet é possível encontrar diversos sites que ofereceram modelos, tamanhos e cores diferenciados. Além disso, é possível dividir a compra da mercadoria em até 12 vezes no cartão de crédito.
O Portal realizou uma tentativa de compra através do site
douglaspipas.com. Por meio de um aplicativo de mensagens foi possível realizar a compra com facilidade em menos de meia hora.
Para entender melhor essa questão, o Portal Eu, Rio! fez contato com os órgãos, que segundo a lei, são responsáveis pela fiscalização e apreensão dos produtos. Como mostrado existe a facilidade de encontrar a mercadoria pela internet e posteriormente realizar a compra.
A empresa que vende os produtos através do site está situada na Rua Monte Caburaí n° 7a, no bairro Jardim Real, em São Paulo. Em novembro, o Governo Estadual aprovou uma medida que proíbe a venda, uso, fabricação e comercialização da mercadoria. Fizemos contato com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, mas não obtivemos resposta.
Sobre a venda feita na internet e que chega através dos Correios, a Polícia Civil não retornou ao nosso contato. Já o Procon informou através de nota que o órgão “é responsável em apurar as denúncias recebidas e solicitar uma ação para coibir a prática”. O documento ainda afirma que o órgão “nunca recebeu denúncias sobre os produtos comercializados pela internet."
Ainda de acordo com o órgão "os Correios podem verificar se o objeto da encomenda é de uso ou comercialização proibida, porém a violação da correspondência somente é feita se houver indícios de irregularidades previstas em lei”, afirma a nota.
Os Correios afirmou que “possuem métodos de monitoramento que são aprimorados com base em informações apresentadas pelos órgãos de segurança e fiscalização”. Questionada sobre a facilidade na compra, que em São Paulo é proibido por lei, o órgão disse que “toda encomenda identificada com conteúdo ilícito é retirada do fluxo postal e o órgão regulador é acionado”, finaliza a nota.
Em entrevista ao Portal Eu, Rio! o doutor em Direito, Thiago Jordace, explicou que é necessário uma comunicação precisa entre os órgãos de fiscalização. "Existe uma falta de diálogo entre as instituições de segurança pública e fiscalização. Isso vem sendo melhorado, pois os sistemas de inteligência estão começando a ficar interligados, mas ainda é uma iniciativa ainda tímida", destaca o advogado.
De acordo com Jordace é necessário que a lei determine um órgão responsável pela fiscalização. "Sendo um produto perigoso há que se adequar a uma fiscalização ao um sistema de dados. A polícia já tem muitas atribuições. Precisaria colocar um órgão municipal ou estadual poderia assumir a fiscalização, que a lei poderia deixar claro essa questão", opina.
NA CONTRAMÃO DO CRIME
Para coibir essa prática, a Polícia Civil tem realizado ações de combate aos produtos. Só neste ano a Delegacia do Consumidor prendeu duas pessoas e uma foi indiciada por crime contra o consumidor. Além disso, o órgão também apreendeu cerca de 173 quilos de material usado na fabricação da linha chilena, mais de 50 carretéis e vidros de cerol. Nas ações também foram apreendidas máquinas de fabricação do produto.
No início deste ano, a Polícia Civil estourou uma fábrica de linha chilena e cerol na Chatuba, em Mesquita, na Baixada Fluminense. Uma pessoa foi presa e foram apreendidos 46 carretéis de linha chilena, vidros de cerol, além de máquinas e galões com produtos químicos que eram utilizados para a fabricação do produto.
A Guarda Municipal do Rio realizou, em 2019, duas motociatas com atos simbólicos pelas vítimas na Praia de Copacabana, que reuniram cerca de 300 motociclistas em cada ação. Além disso, os guardas municipais coíbem o uso de linha chilena e do cerol durante o patrulhamento de rotina, quando flagram pessoas utilizando indevidamente nas ruas e nas praias da cidade, de acordo com a lei municipal nº 5414/12. O órgão também realiza encontros com os alunos das escolas municipais que visam a conscientização do produto.
Em São Gonçalo a Subsecretaria de Fiscalização de Posturas realiza ações de combate ao comércio irregular sobre esse tipo de mercadoria. A Guarda Municipal também age de acordo com o recebimento de denúncias.
Já em Duque de Caxias, que registrou 20 casos durante 2019, realiza campanhas educativas que buscam conscientizar a população e os alunos das escolas municipais sobre os perigos dos cortantes. As cidades de Nova Iguaçu, com 20 queixas, e São João de Meriti, 19 denúncias, não responderam nossos questionamentos para inibir esses atos.
Amanhã o Portal Eu, Rio! vai mostrar o poder de corte da linha chilena e os riscos que ela oferece, principalmente os motociclistas.