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Ganho inferior ao mínimo e exposição ao contágio levam entregadores à greve

Aplicativos de comida revelam aumento de até 30% na procura, mas tarifas seguem as mesmas, para 60% da categoria

Por João Santos em 01/07/2020 às 14:00:06

Nesta quarta-feira (1), entregadores que prestam serviço para os aplicativos de entrega como iFood, Uber EATS, Loggi e Rappi entraram em greve em todo país. Os entregadores pedem o fim de bloqueios nos apps, aumento nas tarifas, auxílio para acidentes e infectados pela Covid-19 e auxílio alimentação. Além da greve nacional, foram registrados protestos favoráveis à greve em algumas cidades do país como São Paulo (SP), Campinas (SP), Belo Horizonte (MG), Aracaju (SE), Recife (PE) e Salvador (BA). No município do Rio de Janeiro, o ato ocorreu no centro da cidade. Os entregadores se concentraram na Candelária e depois partiram em direção ao Ministério do Trabalho.

A mobilização também foi feita pelas redes sociais, internautas levantaram as hashtags #BrequeDosApps e #GreveDosApps em apoio o movimento. As duas hashtags ficaram nas primeiras posições dos trending topics do Twitter por grande parte do dia.

Um levantamento obtido pela BBC Brasil, no início de maio, apontou que os entregadores foi uma das categorias que mais trabalhou e menos recebeu durante a pandemia. A pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) demonstrou que de 252 entrevistados em 26 cidades, 60,3% tiveram queda em suas remunerações, ao mesmo passo que apenas 27,6% alegaram estar recebendo o mesmo de antes da pandemia, o restante não se pronunciou.

De acordo com reportagem no site da Central Única dos Trabalhadores (CUT), não se sabe o número exato de entregadores de alimentação por aplicativo no país. A última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no ano passado, apontou que 10,1 milhões de pessoas, em 2018, trabalhavam em local designado pelo empregador, patrão ou freguês, grupo que inclui os entregadores em geral.

A Rappi, empresa de um grupo colombiano, afirmou ter registrado uma subida de 30% nas entregas em toda a América Latina nos dois primeiros meses deste ano. Já a instalação de aplicativos de entrega cresceu no Brasil 24% entre 20 de fevereiro e 16 de março, na comparação com o mesmo período em 2019, segundo a empresa de análise RankMyApp. A Ifood disse à Agência Reuters que recebeu pedido de inscrição de mais 120 mil novos entregadores, em março deste ano

O Círculo Laranja, grupo de trabalhadores da Comlurb e seus parentes e apoiadores, divulgou um manifesto de apoio à paralisação, inédita no País:

"A histórica greve dos entregadores. Uni-vos!

A superexploração do trabalho, uma constante na história humana ao menos desde a revolução industrial, parece ter atingido uma espécie de auge macabro, ao menos no quesito dissimulação, com o discurso de "empreendedorismo" aplicado à situação dos entregadores.

Trabalhadores que transportam comida e outros itens encomendados por meio de aplicativos como iFood, Rappi e Uber Eats recebem, em média, 963 reais mensais por 12 horas diárias de trabalho, segundo levantamento dos entregadores antifascistas. Não há direitos trabalhistas assegurados em lei, não há qualquer amparo das grandes corporações que lucram horrores às custas e costas dos ciclistas e motociclistas.

Acidente durante o trabalho? Contaminação por Covid-19? Foda-se. Os donos dos aplicativos não estão nem aí, desde que os números em suas contas bancárias continuem crescendo. A vida precária desses trabalhadores só pode ser chamada de empreendedorismo por quem ganha com isso (os que os exploram) ou por quem leva a vida regurgitando, miseravelmente, preconceito de classe.

Sendo assim, merece nada menos do que uma efusiva comemoração a greve dos entregadores agendada para esta quarta-feira, dia 1º de julho (data que dá nome a uma baita música da Legião Urbana, aliás, também interpretada, magistralmente, pela Cássia Eller).

A nascente organização dos trabalhadores esmagados, de um lado, pelos governantes e, de outro, pelos aplicativos demonstra que a história está longe, muito longe de chegar a algum final, como preconizou, furadamente, o economista Francis Fukuyama há mais de 30 anos. A lição que brota do levante dos entregadores é inspiradora: não adianta precarizar, perseguir, dividir, impor, humilhar; enquanto os seres humanos puderem se comunicar e compartilhar uns com os outros seus sonhos de liberdade e de vida digna, haverá luta contra a tirania, seja ela econômica, política ou de qualquer outra natureza.

As novas tecnologias e as novas relações de trabalho formatadas a partir daquelas permitem que todos, entregadores ou não, participem desse momento histórico. Para ser efetiva, para fazer tremer as empresas que obtêm seu lucro arrancando o suor e o sangue de tantos brasileiros batalhadores, é preciso que os que costumam fazer pedidos por meio de aplicativos como iFood, Rappi e Uber Eats se abstenham de fazê-lo nesta quarta, dia 1º de julho.

Sem os entregadores, os pedidos não saem dos restaurantes nem chegam aos clientes. Como a obsessão por lucro característica do sistema capitalista às vezes impede que as pessoas percebam o óbvio, especialmente aqueles privilegiados com dinheiro e poder, a greve pode cumprir o papel fundamental de fazê-los sentir no bolso a importância dos trabalhadores para o seu negócio. No atual estado de coisas de nossa civilização, a pressão econômica é, quase sempre, a única maneira de fazer com que os explorados sejam tratados com o mínimo de dignidade.


Empregadores descartam punições e afirmam garantir álcool em gel, máscara e auxílio para infectados pela Covid-19

Em nota à imprensa, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa os aplicativos, afirmou que as empresas trabalham para dar suporte para os entregadores durante a pandemia, como o fornecimento de álcool em gel e máscara e pagamento de auxílio para colaboradores infectados com Covid-19 ou em grupo de risco. A associação também reiterou que a partipação nos atos não acarretará em punições para os entregadores.

"O contexto da pandemia da Covid-19 teve efeitos severos sobre a economia, afetando a renda de milhões de brasileiros. Mesmo diante de um cenário crítico, as empresas associadas à Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia("AMOBITEC") que atuam no setor de delivery implementaram, desde o início da pandemia, diversas ações de apoio aos entregadores parceiro, tais como a distribuição gratuita ou reembolso pela compra de materiais de higiene e limpeza, como máscara, álcool em gel e desinfetante, e a criação de fundos para o pagamento de auxílio financeiro para parceiros diagnosticados com Covid-19 ou em grupos de risco. Além disso, os entregadores parceiros cadastrados nas plataformas estão cobertos por seguro contra acidentes pessoais durante as entregas.

As plataformas de delivery operam sistemas dinâmicos e flexíveis, que buscam equilibrar as necessidades de entregadores, de restaurantes e de usuários. As ações de combate à crise foram desenvolvidas mesmo em um cenário de acirramento da competição entre empresas e aumento expressivo no número de entregadores. Diante de um cenário econômico crítico como o da pandemia da Covid-19, a flexibilidade dos aplicativos foi essencial para que centenas de milhares de pessoas, entre entregadores, restaurantes, comerciantes e micro empresas, tivessem uma alternativa para gerar renda e apoiar o sustento de suas famílias.

É importante esclarecer que as empresas associadas à AMOBITEC não trabalham com esquema de pontuação para a distribuição de pedidos e deixam claro que a participação em atos como a manifestação desta quarta-feira (1/7) não acarretará em punições ou bloqueios de qualquer natureza.

A AMOBITEC e suas empresas associadas que atuam no setor de delivery reafirmam a abertura ao diálogo, sempre atentas às reivindicações dos entregadores parceiros para aprimorar a experiência de todos nas plataformas".

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