Ao final de 2016, Marcelo Biar ainda se recuperava de um enfarte e de uma campanha a vereador. Otimista incurável, via na luta o melhor jeito de reagir a problemas de saúde e mesmo depois seguiu mobilizando pessoas e discutindo os problemas que afligem a população carcerária e seus familiares. O professor de história morreu na madrugada deste sábado (25) por complicações de covid-19. Ele estava internado no hospital de campanha do Leblon. "Conheci o Marcelo Biar como educador dentro das prisões. Um amigo querido com quem sempre conversei muito sobre liberdade, educação e o papel do professor no cárcere. É um perda irreparável para quem luta por um Brasil mais justo", lamentou o deputado estadual Marcelo Freixo.
Durante quatro anos, Biar foi diretor da escola do complexo penitenciário de Bangu, experiência que afetou sua vida. Ativista de direitos humanos, ele passou a desenvolver ações que ajudassem familiares de presos, ex-presos e pelos direitos da população carcerária, parcela esquecida da sociedade.
"O Biar era imprescindível. Ele se metia nas lutas mais difíceis e uma delas era pelo direito dos presos, pelo desencarceramento. E um dia me pediu uma reunião com parentes de pessoas que estavam presas nas unidades prisionais e apresentou uma proposta de projeto que era uma modificação da lei de execuções penais, para que ninguém que trabalhasse na prisão recebesse menos que o salário mínimo constitucional e que os presos que trabalhassem nessas unidades tivessem esse direito", relembrou o deputado Federal Glauber Braga.
Proposta de salário mínimo constitucional
A proposta ainda tramita no Congresso. O projeto estimula que mais presidiários se capacitem e trabalhem para se reinserirem na sociedade quando deixam os presídios. "Isso era o Biar, um cara que não escolhia o lado fácil da história. Lembro de uma conversa que ele dizia "olha onde a coisa está acertada, tem facilidade, a gente não precisa entrar. Tem que entrar onde tem exclusão, a coisa está difícil". Esse projeto está tramitando e a gente vai continuar batalhando para que se torne uma discussão cada vez maior na sociedade brasileira. E quem deu esse pontapé foi a luta, a história do Marcelo Biar. A luta dele tem que continuar. Estamos todos muito sentidos mas querendo continuar essa luta que era a razão da vida dele", resumiu o deputado. "Generoso e sempre solidário, levou-me a lugares do Rio fora da minha bolha, abrindo-me horizontes. Fizemos juntos a campanha mais difícil de nossas vidas, mas sem perder a alegria jamais", relembrou o ex-deputado Jean Willis.
Lei de iniciativa popular
Em 2018, Biar buscou ser o primeiro cidadão a aprovar uma lei por iniciativa popular. Ele apresentou um projeto na Alerj que trata da gratuidade do transporte coletivo para parentes e credenciados como visitante de presos, mas não viu o texto aprovado. A iniciativa chegou a virar matéria de capa do Jornal O Dia.
Ele fundou a Organização Não Governamental (ONG) Instituto Por Direitos e Igualdade (IDI) com foco nesta e em outras causas. Em abril deste ano, uma ação do IDI foi acolhida pela justiça obrigando o Estado a garantir em três dias materiais de limpeza, higiene e proteção para o sistema penitenciário com equipamentos de EPI para os agentes penitenciários, fornecimento de luvas e álcool em gel. A negligência do governo aumentava os riscos de contaminação do covid-19 dentro e fora de presídios. A ação também chamou a atenção da imprensa, sinal da importância que a opinião pública e a sociedade davam ao problema.
Professor da Faetec
No final de junho, mais uma vitória: a nova sede do IDI, obtida em uma licitação de imóveis abandonados da prefeitura do Rio de Janeiro no meio da pandemia. Não foi nada fácil, mas Biar era alguém que escolhia o caminho mais justo e correto, nunca o mais fácil. A executiva do Psol em Manaus lamentou sua morte assim como a Associação dos Docentes do Ensino Superior da FAETEC, instituição em que ele dava aulas de história.
"Marcelo era um otimista. Se engajava em movimentações politicas com uma fé nos seus interlocutores que beirava a ingenuidade. isto não é uma critica, mas um elogio. Só os puros de alma têm esse dom. E com essa boa fé vinha uma disposição de buscar o impossível e com frequência tendo sucesso. Em mensagem que me enviou dia 1 de julho manifestava seu desespero com a progressão da Covid nos presídios face à indiferença da sociedade e do estado", revelou o economista José Luis Fevereiro, do diretório nacional do Psol.
Dez dias depois da mensagem, Biar estava internado e, mais quinze dias de intervalo, faleceu. Em sua trajetória, lutou por educação, direitos e mais igualdade. Pelo melhor do mundo. Deixa uma ausência imensa e a certeza que seu legado também será marcante.