Apesar de desagradáveis, as infrações de trânsito são situações que fazem parte do cotidiano de motoristas profissionais e empresas que trabalham na área de transportes. Quando o assunto são as multas NIC – aplicadas quando o condutor não é identificado e o veículo pertence a uma empresa –, órgãos de trânsito de alguns municípios e estados brasileiros estão descumprindo os protocolos exigidos no processo de autuação e aplicando as penalidades sem a realização do processo administrativo. Para os proprietários dos veículos, trata-se de uma forma de cercear os direitos estabelecidos em lei, com a aplicação automática da multa.
Em 2020, foram registradas no Brasil quase 1,3 milhão de multas NIC, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Esse tipo de notificação tem uma característica diferente das demais: seu custo é obtido por meio da multiplicação do valor da multa pelo número de infrações cometidas no período de um ano naquele veículo que não houve identificação do condutor. O advogado Cristiano Baratto, presidente do Instituto de Estudos de Transporte e Logística (IET), explica que a legislação de trânsito permite que alguns tipos de infrações não sejam pontuadas na carteira de habilitação (CNH). É o que ocorre com veículos registrados em nome de empresas – pessoa jurídica (CNPJ).
As infrações cometidas pelos condutores desses veículos implicam na indicação obrigatória do motorista, mas em diversos casos ele não é apontado e acaba gerando uma segunda multa NIC – multa por Não Identificação de Condutor (NIC). Ou seja, se houve uma infração por uso de telefone celular no trânsito, será aplicada ainda mais uma penalidade caso o condutor não seja indicado no prazo legal.
Baratto explica que o Código de Trânsito prevê o dever de a empresa proprietária do veículo informar o condutor. Caso não o faça, uma nova infração é cometida. “O correto é que a empresa apresente o condutor dentro do prazo de 15 dias após a notificação ou autuação. Se a empresa não fizer isso, um novo processo de autuação é iniciado e culminará na aplicação de nova multa em decorrência da omissão”, comenta.
Advogado Cristiano Baratto, presidente do Instituto de Estudos de Transporte e Logística (IET)
Protocolo legal
O advogado explica que a multa de trânsito é resultado de um processo administrativo, que envolve a notificação da infração, a comunicação ao proprietário e a possibilidade de recurso junto aos órgãos de trânsito, responsáveis pela análise dos argumentos apresentados. Quando o processo é indeferido, o responsável pelo veículo ainda pode recorrer em outras instâncias superiores. Somente no caso de uma segunda negativa por parte das autoridades é que é aplicada a multa. “Quando não há a identificação do condutor, o correto é iniciar um novo processo administrativo para que a empresa possa se pronunciar – o que pode ser acatado ou não. Porém, alguns Detrans e outros órgãos municipais estão infringindo essa etapa, com a aplicação da multa sem o direito de defesa”, explica o advogado.
Essa possibilidade de recurso está prevista no artigo 257 (inciso 8.º) do Código de Trânsito. “Ao não respeitar esse trâmite, os órgãos de trânsito levam à nulidade de cobranças e até mesmo ao direito de os proprietários de questionarem judicialmente as multas para receber os valores que estão sendo cobrados ou que, em alguns casos, já foram até pagos”, explica o advogado.
Estatísticas
Em 2020, o número de multas NIC diminuiu significativamente em comparação com 2019, quando foram registradas mais de 4,1 milhões de multas desse tipo. De acordo com Baratto, essa redução deve estar ligada às políticas de isolamento social e ao desaquecimento econômico provocado pela pandemia de Covid-19.
Ainda assim, o volume registrado é significativo e o advogado alerta para o impacto econômico gerado às empresas que possuem esse tipo de veículo, em decorrência do formato atual existente. “Como não há a previsão legal de que a penalidade possa ser redirecionada aos sócios, se nenhum condutor for apontado, ninguém leva pontos na CNH. O valor, no entanto, é computado compulsivamente. Além disso, fica claro que a preocupação é muito mais econômica do que educativa”, pontua.
No Brasil, São Paulo é o estado que lidera o ranking de multas NIC emitidas, com um total de 990.445 ocorrências, segundo o Denatran. Minas Gerais fica com o segundo lugar, com 114.306 multas emitidas. Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também têm números expressivos.
Cálculo
Apesar de não pontuar a CNH, a multa por NIC tem uma característica especial em relação ao valor das multas. Isso porque seu custo é obtido por meio da multiplicação do valor da multa pelo número de infrações cometidas no período de um ano pelo veículo no qual não foi realizada a identificação do condutor.
Por exemplo, uma multa de R$195,23 pela não utilização do cinto de segurança pode triplicar de valor em uma terceira ocorrência, totalizando R$585,69.
Baratto explica que essa multiplicação do valor da multa é uma penalidade pela não indicação do condutor. “Como o veículo está registrado junto ao Detran em um CPNJ, é necessário que a pessoa jurídica indique quem era o condutor do veículo no momento da infração para que a penalidade de pontuação seja aplicada. Caso a empresa não indique o condutor, a penalidade é o pagamento de uma nova multa”, finaliza.