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USP acusa Governo Bolsonaro de trabalhar para disseminar o novo coronavírus

Estudo de 3,6 mil normas aponta ampliação de serviços essenciais e pressão constante contra distanciamento social

Por Anderson Madeira em 09/06/2021 às 20:59:49

Estratégia da 'imunidade de rebanho', baseada na rápida disseminação do vírus, foi mantida mesmo após aceleração das mortes por Covid-19, e envolveu até vetos a leis fora do prazo legal. Foto: Divulga

O Governo Jair Bolsonaro não apenas foi omisso no combate ao Covid-19, como trabalhou desde o início da pandemia para disseminar o novo coronavírus, visando atingir uma imunidade de rebanho via contaminação de toda a população. É o que afirma estudo produzido pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa), vinculado à Universidade do Estado de São Paulo (USP). O estudo detalha como isso ocorreu até então, passo a passo.

O trabalho foi feito com base em levantamento de normas publicadas no Diário Oficial da União e nos veículos estaduais de imprensa oficial desde 1º de janeiro de 2020, além de declarações de autoridades, inclusive do presidente, na mídia tradicional e redes sociais. A coleta identificou a existência de 3.049 atos normativos (leis, medidas provisórias, decretos, portarias, resoluções e outras) relacionados à pandemia durante o ano passado e 580 entre 1º de janeiro e 30 de abril de 2021.

O presente estudo resulta de pesquisa documental com dados de caráter público, realizada por equipe interdisciplinar com competências nas áreas de Saúde Pública, Direito, Ciência Política e Epidemiologia. A coleta de dados para fins específicos deste estudo compreende o período de 03 de fevereiro de 2020 a 28 de maio passado.

No estudo, chamou a atenção a sucessão de decretos que ampliaram o rol de atividades consideradas essenciais durante uma pandemia e a sucessão de vetos aos projetos de lei que instituíam obrigações elementares em matéria de contenção da disseminação do Covid-19, chegando o presidente, no caso do projeto de lei relativo ao uso de máscaras, a opor uma segunda rodada de vetos fora do prazo constitucional correspondente. De lá para cá houve vários atos de confronto do Poder Executivo com os demais poderes, além de governadores e prefeitos que adotaram medidas restritivas.

“A hipótese de que está em curso uma estratégia de disseminação da Covid-19 no Brasil também foi suscitada pelas próprias autoridades federais em numerosos pronunciamentos públicos nos quais buscaram disseminar a ideia de que a “imunidade coletiva”, também dita “de rebanho”, obtida por contágio ou transmissão, seria uma forma eficaz de resposta à Covid-19”, disse um trecho do estudo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera imunidade coletiva ou de grupo apenas a que é obtida através de uma vacinação, não permitindo que uma doença se propague em um grupo demográfico, pois resultaria em casos e falecimentos desnecessários.

O estudo identificou três tipos de evidências:

atos normativos adotados na esfera da União, incluindo a edição de normas por autoridades e órgãos federais, e vetos presidenciais;

atos de governo, que correspondem a ações de obstrução de medidas de contenção da doença, adotadas principalmente por governos estaduais e municipais, a omissões relativas à gestão da pandemia no âmbito federal, além de outros elementos que permitam compreender e contextualizar atos e omissões governamentais;

propaganda contra a saúde pública contida em discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da Covid-19.

“Com efeito, mesmo quando se referem a “salvar vidas”, autoridades federais com papel central na resposta à pandemia, e particularmente o presidente da República, tratam essencialmente da assistência a pessoas infectadas pelo vírus, e não à prevenção do contágio. Tal assistência em geral tem por foco a preconização do “tratamento precoce” por medicamentos comprovadamente ineficazes, e no cumprimento de obrigações legais, como a realização de repasses financeiros da União aos demais entes federativos.”, disse também o estudo.

Os pesquisadores verificaram ainda a existência de uma estratégia federal de disseminação da Covid-19 através de um conjunto de atos e omissões:

Defesa da tese da imunidade de rebanho como forma de resposta à Covid-19, disseminando a crença de que a “imunidade natural” decorrente da infecção pelo vírus protegeria os indivíduos e levaria ao controle da pandemia, além da apresentação de estimativas infundadas de óbitos decorrentes desta estratégia e de previsões sobre o término iminente da pandemia;

Incitação constante à exposição ao vírus e ao descobrimento de medidas sanitárias preventivas, baseada na negação da gravidade da doença, na apologia à coragem e em um suposto “tratamento precoce”, que foi transformado em política pública de saúde;

Banalização das mortes e das sequelas causadas pela doença, omitindo-se em relação à proteção de familiares de vítimas e de sobreviventes, e propalando a ideia de que faleceriam apenas pessoas idosas ou com comorbidades, ou pessoas que não tivessem acesso ao “tratamento precoce”, inclusive com recurso, pelo Presidente da República, a expressões chulas como “bundão” ou “maricas”;

- Obstrução sistemática às medidas de contenção promovidas por governadores e prefeitos, justificada pela suposta oposição entre a proteção da saúde e a proteção da economia, que inclui a difusão da ideia de que medidas quarentenárias causam mais danos do que o vírus, inclusive o aumento do número de suicídios, e que elas é que causariam a fome e o desemprego, e não a pandemia; entre outros.

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