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Denúncia: na pandemia, professor é obrigado a sair de casa para dar aulas online

Dirigentes sindicais, do Rio e de Caxias, detalham desde o desrespeito das escolas às medidas sanitárias até às ações das entidades para mobilizar a categoria

Por Daniel Israel em 27/06/2021 às 19:46:36

Estudantes chegam para aula em escola pública, no período da pandemia de covid-19. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.

A poucas semanas das férias de inverno na educação, o fim do primeiro semestre prenuncia uma situação que poderá continuar no restante do ano. O Portal Eu, Rio! recebeu a denúncia, feita por um professor que trabalha em curso de inglês na Barra da Tijuca, sobre a obrigação de sair de casa em meio à pandemia para dar aulas online. O caso dele não é isolado, que relata que outros profissionais que atuam na escola de idioma têm enfrentado o mesmo, assim como o desse centro de ensino, que conta com diversas unidades no Rio e em Niterói. São quase cem em todo o Brasil.

“Depois de um tempo, a escola começou a exigir que nós fôssemos pra lá inclusive pra dar aula online, o que a gente poderia facilmente fazer da nossa casa. Fizemos cursos em 2020 pra melhorar o ensino remoto. Os professores se reuniram e falaram que isso não estava correto. Fomos até a direção, que, segundo eles [diretores da escola], concedeu a nós o privilégio de dar aulas online em casa”, denuncia ele, sob a condição de anonimato.

Ele prossegue o relato contando sobre o vaivém das aulas presenciais e em ambiente remoto, neste quase um ano e meio desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a emergência sanitária da pandemia de covid-19. O resultado é a falta de um calendário unificado que deriva da não priorização da saúde coletiva.

“Em 2021, nós voltamos online, só que com a premissa de que em breve ia começar o semipresencial, dando aula ao mesmo tempo para quem está lá [na escola] e online. Eu tive que ficar afastado porque uma das minhas alunas foi confirmada com covid-19, aí foi suspensa a aula semipresencial. Isso aconteceu com pelo menos outros dois professores da filial, desde o começo de março”, explica, para em seguida recordar como era o cenário em 2020.

“Tivemos ensino remoto quase o ano inteiro, e no final houve algumas modificações em termos de quarentena. Algumas famílias decidiram retornar com as crianças pra escola, então nós fizemos um período semipresencial. Isso durou pouco tempo, logo a gente voltou pro ensino 100% remoto”. Ele também conta que, na ocasião, havia “muito receio” das famílias em deixar os filhos frequentarem as aulas.

Trabalhando com crianças e jovens, de oito a 12 anos, ele, que mora na zona sul, continua se deslocando até a Barra da Tijuca. Diz que a dedicação, incluindo despesas de alta monta para o ensino virtual, deve-se ao amor pela profissão.

“Muitos professores investiram no home office. Comprei computador, monitor, headset. Mas a escola não teve envolvimento, não se ofereceu para pagar 50% nem ressarcir, foi um custo que veio do nosso bolso”, resigna-se. “A gente se importa e quer entregar um produto de forma coerente, rápida e boa. Eu gastei mais de R$ 4 mil, desde março do ano passado. Teve professores que gastaram mais”.

Apesar da desvalorização e insensibilidade da empresa, o profissional, noivo de uma médica que vive a sufocante rotina que aturde o País há 15 meses, não vê na denúncia ao sindicato uma opção.

“Nós não procuramos, até porque eu não vejo isso como uma coisa obscura. Eu acho que está sendo feito mesmo vista-grossa, as escolas estão abertas desde fevereiro. Não é mistério que os professores estão tendo que se deslocar pra dar aula”, lamenta ele.

O vice-presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (SinproRio), Afonso Celso Teixeira, detalha como a entidade tem se mobilizado no sentido de impor uma outra lógica à relação entre a categoria e as empresas do ramo educacional.

“A gente tentou várias vezes barrar essa volta às aulas, e infelizmente não consegue. Quando é alguma escola específica, a gente tenta fazer algum tipo de movimentação com os professores, mas é difícil porque muita gente fica com medo de denunciar por conta da demissão”, relata, trazendo à luz uma medida adotada com frequência pelas escolas particulares, cujos professores estão na alçada do SinproRio. “Efetivamente, os profissionais que tinham comorbidades, e no ano passado a Justiça impediu que retornassem e que pudessem trabalhar em casa, acabaram sendo demitidos no final do ano. E com as escolas evitando demitir todos para não caracterizar uma demissão discriminatória”.

No caso de despesas pessoais com o ensino remoto, caso da fonte que ouvimos, o sindicalista orienta uma atitude que os professores devem adotar. Para quem quiser acionar o empregador na Justiça, é claro.

"O professor deve guardar todos os comprovantes do que gastou (internet, luz), pra que quando quiser entrar na Justiça, ele o faça. O grande problema, hoje, é que muitos professores não querem fazer porque ficam com medo de perder o emprego. Quando vão fazer, como alguns? Quando são demitidos".

Além de professor, Teixeira é ator e escritor, autor de “O Mantra”. Na obra, ele aborda a saúde mental no ambiente docente com foco na sobrecarga de trabalho. A menção ao livro permite uma reflexão sobre o aparecimento de comorbidades, posteriores ao início da pandemia. Deixaram sequelas nos adoecidos e em quem permanece vivo para chorar seus entes queridos que não se recuperaram. Representante do sindicato no Conselho Municipal de Educação, cita o caso caótico em torno dos educadores mortos na pandemia.

“Em relação a essa questão do número de óbitos, a gente tem debatido com a Alerj, Fiocruz. Há uma ideia de se fazer uma lei pra obrigar as escolas a comunicarem algum órgão que algum professor da sua escola tenha falecido de covid[-19]. Porque nesse momento não tem como saber isso. Alguns casos chegam até nós pra conferir a homologação do falecido, já que não é mais obrigatória no sindicato, ou quando alguém nos comunica. Mas a gente não tem estatística oficial sobre isso”.

Mesma situação na vizinha Duque de Caxias

Na cidade de Duque de Caxias, que acumula alguns dos dados mais preocupantes no estado do Rio, o início da vacinação coincidiu com filas quilométricas para aplicação dos imunizantes e o não cumprimento do bandeiramento das fases da pandemia, conforme acordo da Secretaria de Saúde com resolução estadual a respeito. Os órgãos do Executivo municipal mantiveram a cidade nas fases vermelha e roxa durante meses, a partir de 12/3, quando o estado de pandemia completava o primeiro ano. No dia 18/6, no entanto, Caxias progrediu para a fase laranja.

Ainda assim, parecem intermináveis os descalabros, que transcendem imagens como as registradas pela imprensa, em que o prefeito Washington Reis aparece distribuindo abraços e até vacinando um homem em posto local.

Professora na cidade da Região Metropolitana, Renata Roseo também é dirigente do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do RJ – Núcleo Duque de Caxias (Sepe-Caxias). Ela revela os fortes indícios de que pelo menos oito pessoas que trabalhavam em escolas do município morreram de covid-19, desde a retomada das aulas presenciais, em fevereiro.

Denúncias de violações sanitárias na rede municipal de ensino. Imagem: Sepe-Caxias.

“A gente não tem como provar que foi por conta do retorno. Mas foi retomar as aulas presenciais, essas pessoas se contaminaram e faleceram”, afirma ela, que integra a Coordenação Geral do sindicato. “Desde 8/2, mais de 60 escolas registraram casos de pessoas contaminadas. Aí, a gente fez esses cartazes”.

De 26 de abril a 02 de maio, os profissionais da educação que trabalham na cidade receberam a primeira dose da AstraZeneca, a ser complementada ao longo de julho. Mas, e como está a situação dos estudantes?

“As escolas não têm condições de receber as crianças, por conta dos prédios que são muito antigos. Alguns precisam de obras, não têm janelas para circulação de ar, a maior parte da rede tem basculantes”, responde Renata. “Nós temos uma ação para o fechamento das escolas e continuar o trabalho remoto ou através de apostilas. Até o momento, nenhum juiz deu ganho pra gente. As escolas seguem abertas”, afirmou ela, em meados de maio. Atualmente, após assembleia realizada anteontem (25), o Sepe-Caxias aprovou a manutenção de greve da categoria. Nova reunião da entidade está marcada para 9/7.

O presidente do SinproRio avalia que "a situação é muito desfavorável ao trabalhador". "A gente tem feito denúncia pública, pressionado o poder público. Todas as reuniões —secretário de Saúde, Educação, Prefeito— foram no sentido de exigir fiscalização nas escolas. No Conselho Municipal de Educação, a gente faz esse tipo de denúncia constantemente", enumera ele. "Tem participado da Comissão de Educação, principalmente na Alerj, denunciando essa mentira que as escolas particulares dizem que cumprem o protocolo. O problema é que nós não temos o poder de fiscalização".

Teixeira enumera as seguidas violações às recomendações sanitárias, a partir de denúncias recebidas pelo próprio SinproRio, dentre outras organizações.

"Descumprimentos de protocolo dos mais variados: uso de máscara, número máximo de alunos em sala de aula, não tem distanciamento, muitas escolas não têm janela. Escolas que não comunicam à turma toda quando um determinado aluno fica com covid, ou seja, continua a dar aula. Casos de covid dentro de uma turma, é afastada, mas o professor que teve contato continua tendo que ir à escola. A gente tem sondado a categoria da possibilidade de fazer uma greve, mas no setor privado há um temor muito grande", elenca ele. "Existe uma outra questão: escola que o professor tem medo de ser sindicalizado, com desconto em folha, ele prefere pagar o boleto pra que não descubram. Tem medo de aparecer numa assembléia, pra ter uma ideia de como está o assédio moral dentro das escolas. Tempos sombrios que a gente vive".

O professor que pediu para não ser identificado cita as divergências de opinião entre as modalidades de ensino que estão sendo adotadas durante a pandemia.

“O semipresencial eu vejo que tem muita rejeição, porque você tem que interagir com as crianças pelo computador e na sala, sendo que muitas vezes essa comunicação entre os alunos não acontece. Nem sempre os equipamentos disponibilizados pela escola são ideais. Os professores, todos nós, queremos o ensino presencial, mas não é possível”, lamenta. “É difícil, porque as crianças não vão estar vacinadas”.

O profissional cita ainda a “suposta” valorização dada à categoria da qual é parte, ao longo de 2020, lembrando de responsáveis e familiares das crianças que fizeram postagens nas redes sociais também porque conseguiam se dedicar às suas atividades profissionais. “Mas agora, quando seria o momento de preservar a vida dos professores, todo esse apreço ficou só nas palavras”.

Ele finaliza com uma reflexão: como o impacto da pandemia nas vidas de todos nós, ainda assim, aprofunda as principais mazelas sociais em nosso País. A começar pelas desigualdades entre estudantes das redes pública e particular.

“Isso vai mais além. Essas crianças têm acesso à educação, seja online, seja semipresencial, enquanto as crianças da escola pública, que precisam ir muitas vezes pra comer, não podem porque tem essas escolas fechadas. Às vezes, não conseguem se isolar nem dentro de casa. Quem é privilegiado, pode continuar estudando; quem não é, não tem esse direito. E é um direito constitucional”.

Nota da equipe da Escola Municipal Rotary, fechada em maio. Imagem: Divulgação.

Ouça, no Podcast do Portal Eu, Rio!, as declarações dadas por Afonso Celso Teixeira (SinproRio) e Renata Roseo (Sepe-Caxias).

Por Daniel Israel
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