O vendedor Leonardo Nunes, que sofreu constrangimento no supermercado Prezunic de Realengo, no último dia 29, quando foi abordado por seguranças do estabelecimento que achavam que ele tinha roubado algo, deve acionar a Justiça e entrar com ação por reparação moral por ter sido vítima de racismo. É o que aconselham o advogado Humberto Adami Júnior, presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra, do Conselho Federal da OAB e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo Leonardo, a suspeita dos seguranças teria começado quando ele estava com a namorada na seção de leite condensado e abriu a mochila para pegar o telefone celular. A ideia era usar o aplicativo do próprio mercado, que dá desconto aos clientes. Em seguida, eles foram ao caixa e pagaram as compras no valor total de R$ 156,43 e saíram normalmente. Até Leonardo ser abordado ao passar pela porta. "Eles não fizeram a abordagem correta. Me pararam do lado de fora, colocaram a mão no meu peito e pediram para eu entrar novamente, sem qualquer alegação, isso foi o mais constrangedor. Os outros clientes ficaram me olhando como se eu realmente tivesse roubado", contou o vendedor. Para ele, foi preconceito racial.
“Neste episódio de Realengo que aconteceu com o Leonardo e a namorada dele no Prezunic há comprovação de sobra. Ele declara que já fez boletim de ocorrência e fatalmente deverá procurar um advogado que possa levar à reparação de dano moral e buscar uma indenização. É preciso fazer com que isso aconteça todas as vezes para que essa conta pese na mão dos empresários. É preciso colocar o Judiciário com bastante foco. Ainda que as sentenças não sejam as mais justas, deverão sofrer recursos”, defende Adami, que preside a Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da OAB-RJ, onde é conselheiro da Seccional e preside também a Comissão da Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros.
“O que a gente vê nas abordagens dos seguranças dos supermercados e lojas em geral é uma especial predileção por apontar clientes negros e pardos como suspeitos de estarem furtando lojas e estabelecimentos comerciais. É uma prática seletiva que, nos Estados Unidos, chamam de “racial profile’, ou seja, o suspeito escolhido por preencher a característica de 'suspeito padrão'. Muitas das polícias brasileiras, me refiro às polícias Civil e Militar, além dos demais órgãos das forças de segurança, iniciaram seus trabalhos nas guardas da época da escravidão e do Império. A polícia foi criada e destinada para conter a população escravizada. Após a escravidão, os negros em geral”, explica o conselheiro da Seccional da OAB-RJ.
De acordo com Adami, episódios como esse muitas vezes terminam de forma trágica. "Por isso, esse ranço, essa forma de funcionar das polícias hoje existentes, copiados por seguranças privados. Nós já tivemos episódios diários onde esse tipo de acontecimento se repete, muitas das vezes com desfechos trágicos e mortais, que compõem o quadro de 83 jovens negros assassinados por dia no Brasil. As estatísticas de morte são corriqueiras. Tivemos, algum tempo atrás, o caso do João Alberto, assassinado diante das câmeras de segurança do Carrefour por dois seguranças privados”, afirmou o advogado, referindo-se à morte de um homem negro por seguranças do supermercado em novembro do ano passado, em Porto Alegre (RS).
“Todas as vítimas desses episódios devem fazer como fez a namorada do Leonardo, por ter tido a perspicácia, a presença de espírito, de registrar com o celular para fazer prova da ação de dano moral que deve ser exercitada logo a seguir. É preciso buscar reparação destes direitos e fazer com que os negros sejam respeitados. E que não só as empresas e estabelecimentos comerciais passem a ter outro tipo de visão para isso. Se persistir, que isso passe a ficar cada vez mais caro. Essas abordagens ocorrem baseadas no perfil racial da vítima. Esses cidadãos que fazem esse trabalho têm que ser orientados em portaria da Polícia Federal”, recomenda Adami, lembrando que, quando foi ouvidor nacional da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, tentou fazer revisão da portaria que regulamenta a segurança privada nas empresas de segurança para oferecerem cursos de educação antirracista.
Procurada, a Defensoria Pública do Estado afirmou que, no caso de Leonardo, é possível buscar a responsabilização cível e criminal, mas é importante que ele entre em contato com o Nucora (Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial) para requerer as imagens do supermercado e verificar as provas. A sede do Nucora fica na Avenida Rio Branco, 147, 12º andar, no Centro do Rio de Janeiro. O telefone é (21) 2332-6186 e o WhatsApp funcional (atendimento remoto) é (21) 96537-3335. O e-mail é [email protected]