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Das cinco notícias mais populares sobre corrupção, quatro são inverídicas

Das vinte mais partilhadas, nove abordam investigações sobre senador tucano Aécio Neves

Por Cezar Faccioli em 29/09/2018 às 10:13:49

Das cinco notícias sobre corrupção que mais atraíram interações no Facebook e no Twitter entre fevereiro e agosto deste ano, três eram inverídicas. Uma dessas foi publicada por uma rede de desinformação ligada ao Movimento Brasil Livres e outra por um site de humor, o Sensacionalista: 'Brasil acaba de vez com corrupção depois de 518 anos'.

No país das verdes matas,cachoeiras e cascatas dos sambas-exaltação, a veracidade não atrai muitos likes nem retuítes. A primeira notícia verdadeira vem em quinto lugar entre as mais comentadas ou repassadas, e trata da Coreia do Sul, de acordo com o estudo do Atlantic Council em parceria com o Departamento de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV).

O levantamento parte das 20 notícias que geraram mais engajamento nas redes sociais para um diagnóstico preocupante sobre o terreno minado em que se transformou o debate público via web. Veículos tradicionais ficaram bem atrás em interações do que fontes de baixa credibilidade.

O documento da FGV destaca que o estudo desses artigos, populares apesar de inverídicos ou de fontes não confiáveis, fornece insights sobre a desinformação. É possível desvendar o tipo de conteúdo que está sendo criado, a motivação por trás da criação deste conteúdo e as formas como informação incorreta e desinformação se espalham.

Um provérbio árabe alerta que as pessoas mais facilmente acreditam naquilo que lhes favorece. É uma boa pista para esclarecer a rápida difusão, com 793 mil interações, da notícia mais popular da lista das tops. Originalmente divulgada pelo site Olho Aberto Paraná, de foco ultrarregionalizado e pouca repercussão fora das divisas do estado sulista, "Brasil poderá ter Intervenção Militar para pôr fim à corrupção política" assumiu a liderança geral.

A data da publicação, 24 de maio, no auge do impasse com a greve dos caminhoneiros e a consequente desorganização do abastecimento, contribuiu para o apelo. Pedidos da volta da ditadura ou ao menos da presença dos militares nas ruas marcaram o movimento paredista dos responsáveis por 64% da carga do País. Grande parte das páginas e grupos que se envolveram com o artigo e o disseminaram nas redes sociais também eram defensores de intervenção militar, além de compartilharem o forte sentimento anticorrupção.

Ironia sobre fim da corrupção com a prisão de Lula movimenta internet

O segundo lugar nas mais divulgadas indica a força do humor como mecanismo de alívio da indignação de muitos brasileiros com os problemas nacionais. "Após 518 anos, Brasil se livra da corrupção para sempre" foi publicado pelo Sensacionalista, site de humor inspirado pelo americano The Onion. Nascido em 2009, o Sensacionalista ganhou sua popularidade com a crise política e econômica acentuada em 2014. Criado pelo casal Nelito Fernandes e Martha Mendonça, o jornal 'isento de verdade' tem mais de 3 milhões de curtidas no Facebook, e 1,66 milhão de seguidores no Twitter.

A notícia do Sensacionalista registrou 570.421 engajamentos, na maior parte curtidas, comentários e compartilhamentos no Facebook. O artigo foi publicado por ocasião da negativa do STF (Supremo Tribunal Federal) ao pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão acabou resultando na prisão do petista e o título ironiza a ideia do PT ser o único partido corrupto no Brasil.

A maioria das interações com o artigo foi feita por perfis de tendência de esquerda, que replicavam a publicação por estarem cientes do tom irônico. Parte dos usuários do Facebook, contudo, tomaram a menção ao fim da corrupção como literal:disseram que os autores estavam enganados e que outros partidos também eram corruptos. Um deles chegou a dizer que denunciaria ao Facebook o conteúdo como falso.

Bola fora sobre massacre do Mineirão empolga nas redes

Na terra em que uma derrota na final da Copa para o anfitrião liderado por um jogador duas vezes eleito o melhor do mundo pela Fifa resultou em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), chega a soar natural que uma fake news sobre o revés mais dolorido da História recente do País do Futebol lidere compartilhamentos e curtidas. "FBI informa que o Brasil vendeu o jogo contra a Alemanha em esquema de corrupção" rendeu a "The Folha", definido pelo estudo Atlantic Council como um site hiperpartidário, bem mais do que os quinze minutos de fama profetizados para todos pelo artista pop Andy Warhol.

Com um cardápio especializado em notícias sobre política e corrupção, muitas a respeito de Lula e do juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato, e um título que remete ao clássico 'Laica nóis laica, mas money que é good nóis num have', The Folha emplacou nada menos de 450.100 interações com a denúncia dos supostos bastidores do sete a um. O artigo recicla fake news antigas, como a corrente de que dizia que o Brasil havia vendido o jogo para a França na final da Copa de 1998, com notícias sobre a investigação do FBI sobre a Fifa e o futebol internacional. O FBI, porém, não fez acusações sobre esta partida. A maioria das 450.100 interações partiu de grupos pró-Moro e anti-PT no Facebook.

Como ironia pouca é bobagem e o Procon não prima pelas horas extras em temas como o direito á informação, conteúdo semelhante foi publicado pelo site "Sempre Questione", que com isso também entrou na lista dos artigos com mais interações nas redes. O site de nome contraditório com sua prática, ao menos neste caso, publica temas variados, como notícias internacionais e de saúde. O artigo sobre o jogo da Alemanha foi publicado em 3 de março - depois do The Folha, o que sugere um esforço de 'recortagem' - e gerou 80 mil interações.

Campeão de menções no noticiário de corrupção no período, o senador Aécio Neves, candidato derrotado à Presidência da República em 2014, inspirou nove de vinte das publicações sobre o tema que geraram mais interações nas redes sociais. O detalhe que chama atenção é que todas são verdadeiras, mesmo que por vezes figurem em sites de credibilidade questionável. Como um São Jorge no bordel, essas notícias verdadeiras convivem e a seu modo abençoam as vizinhas no ambiente de má reputação.

"Dodge denuncia Aécio por corrupção e obstrução de justiça" foi publicada em "O Diário Nacional", uma das 196 removidas pelo Facebook em julho sob acusação de participar de uma rede de desinformação coordenada pelo MBL (Movimento Brasil Livre). Em um comunicado, a empresa descreveu as ações do MBL como "uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão".

O artigo na lista dos mais populares não apresentava conteúdo factualmente incorreto. Era a reprodução de matéria publicada do site Midia Max, do Mato Grosso do Sul, sobre acusações formais da Procuradoria Geral de Justiça contra o então presidente do PSDB. Misturar conteúdos corretos com notícias falsas é um comportamento recorrente em sites como "O Diário Nacional".

A notícia sobre Aécio do Diário Nacional motivou 146 mil interações, impulsionada pelas páginas do Movimento Brasil Livre e do vereador Fernando Holiday, ligado ao MBL, no Facebook. Também gerou engajamento em páginas regionais do movimento, além de grupos pró-Bolsonaro e grupos de apoio a Moro.

Intensa polarização política facilita disseminação de boatos

A primeira vítima de uma guerra é a verdade, ensina uma frase de frequente comprovação prática mas autoria controversa, entre o fabulista e filósofo grego Ésquilo e o senador americano Hiram Johnson. De todo modo, sua constatação sobrevive na era digital, a julgar pelas conclusões do estudo do Data Facts Review/Atlantic Council e do DAPP/FGV. 

A análise aponta para dois tipos distintos de distribuição. A maioria dos artigos foi disseminada por usuários que compartilharam o conteúdo sem verificar sua veracidade, variante moderna dos 'inocentes úteis' que o almirante português Pena Boto atribuía à propaganda comunista nos belicosos anos 30 do século passado, mas podem agora ser encontrados com facilidade do outro lado do espectro político. O Diário Nacional e outras 195 publicações desclassificadas pelo Facebook integrava uma rede mais organizada, com páginas dispostas a disseminar um tipo específico de conteúdo. 

Autora do estudo, a assistente de pesquisa forense Luiz Bandeira chama atenção, com documentação detalhada e farta, para o papel da polarização extrema do Brasil na disseminação de conteúdo controversos. São dois grupos principais, não por acaso antípodas: à direita, grupos anti-corrupção e às vezes pró-militar, e a à esquerda grupos póo-Lula e ligados a defesa de causas sociais.

Para a autora, as conclusões demonstram o tamanho do desafio que informação inverídica representa para o Brasil e o risco que ela representa nas eleições. A multiplicidade de fontes de informação inverídica e a variedade por trás da criação deste conteúdo mostram as múltiplas estratégias necessárias para combater o problema.

A forma como notícias incorretas se espalham exige não apenas aumentar a vigilância sobre grupos que espalham boatos e mentiras, na visão da autora. Exige, ainda, aumentar a "alfabetização digital" para que cada pessoa possa checar - ou ao menos suspeitar - de conteúdos inverídicos que recebem online de forma independente.
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