As escadarias do Palácio Tiradentes, antiga sede da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e futuro Museu da Democracia, serão palco da peça “Luiz Gama – Uma voz pela liberdade”, que terá apresentação gratuita hoje, terça-feira (24), às 18 horas. O espetáculo marca os 139 anos do falecimento do advogado Luiz Gama, ex-escravo e patrono da Abolição e Herói da Pátria Brasileira. No elenco estão o ator Deo Garcez e a atriz Soraia Arnoni, sob direção de Ricardo Torres.
O evento está sendo promovido pela produtora Olhos D’Água Produções, com apoio do Departamento Cultural da Alerj e do mandato da deputada estadual Renata Souza (PSOL). A data de hoje também entrou para o calendário oficial da cidade do Rio de Janeiro como o Dia de Luiz Gama. A apresentação respeitará o distanciamento social e as medidas sanitárias contra a Covid-19. O uso de máscara é obrigatório. A peça está há seis anos em cartaz e já passou por vários teatros no Rio de Janeiro e no Brasil.
O Palácio Tiradentes fica na Rua Primeiro de Março, s/nº, na Praça XV, no Centro do Rio. As pessoas interessadas em ver a peça podem se inscrever pelo link: https://mailchi.mp/4190db589777/espetaculoluizgama
Doutor Honoris Causa
A Escola de Comunicações e Artes da USP indicou o nome de Luiz Gama para receber o título de Doutor Honoris Causa – título atribuído pela academia para pessoas consideradas importantes para determinada área, ainda que não tenha formação superior – pela universidade, reconhecendo suas contribuições para as áreas de Direito, Literatura e Jornalismo.
A proposta partiu do professor Dennis de Oliveira, do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), que criou uma petição com o fim de trazer destaque à causa. No último dia 29 de junho, a proposta foi aprovada pelo Conselho Universitário por unanimidade, tornando o advogado o primeiro brasileiro negro a receber o título. Cerca de 500 pessoas já assinaram a petição.
“Mais uma conquista importantíssima no sentido de recuperar a história e a contribuição fundamental de Luiz Gama pela abolição da escravatura no Brasil e pelos direitos humanos”, comemorou Deo Garcez, que vive o advogado na peça.
Em 2015, a OAB, na gestão de Marcos Vinícius Furtado Coelho, nomeou Gama oficialmente como advogado. A OAB do Maranhão, na gestão de Thiago Diaz, concedeu a Gama o título de advogado maranhense, quando a peça foi apresentada no Teatro Arthur Azevedo, em 2019. Em 2018, por leis federais, Gama foi nomeado patrono da Abolição e Herói da Pátria.
História de Gama
Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 1830, em Salvador, Bahia. Sua mãe era africana, livre, quitandeira e participou intensamente de revoltas de escravos. Nas palavras de Gama, Luiza Mahin recusou a doutrina cristã por toda a sua vida.
Seu pai, branco e fidalgo, de importante família portuguesa. Na carta a Lúcio de Mendonça, Gama opta por ocultar seu nome. Ele foi responsável pelos cuidados do filho após a mãe do menino ter deixado a Bahia. De acordo com Luiz, “amava as súcias e os divertimentos” e gastou a fortuna da família em jogos.
Em 1840, o pai vende seu próprio filho como escravo para um comerciante e contrabandista do Rio de Janeiro. Luiz Gama passou então a morar na casa de Antônio Rodrigues do Prado – o tal negociante. Um jovem estudante e hóspede de Prado ajudou um Luiz de 17 anos no aprendizado da leitura e da escrita. Com as ferramentas necessárias, Gama passou a buscar sua liberdade definitiva.
Aos 18 anos, Luiz Gama se alistou na Força Pública da Província de São Paulo – órgão que pode ser comparado à atual polícia –, onde serviu até 1854, quando foi dispensado devido a uma acusação de insubordinação que lhe rendeu 39 dias aprisionado. Um capítulo importante da história de Luiz Gama se passa, justamente, em sua relação com a Universidade de São Paulo. Em 1850, ele tentou ingressar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (que ainda não integrava a USP, mas passaria a ser parte dela em 1934) e foi negado. Não há registro oficial da razão da recusa, mas o racismo estrutural é explícito na decisão.
Gama não desistiu do Direito – não era raro vê-lo pelas arcadas do Largo São Francisco, acompanhando como ouvinte as aulas da faculdade. Ele também foi um autodidata, que se tornou especialista na libertação de escravos, apesar das fronteiras estabelecidas pelo preconceito da academia.
Com o status de “rábula” – espécie de título que vigorava no século 19 no Brasil que permitia que pessoas sem diploma, mas com experiência, pudessem exercer o Direito – Luiz Gama libertou mais de 500 negros escravizados, em contribuição numericamente muito superior à abolição da escravatura.
Além de seu ofício no Direito, Luiz Gama foi jornalista. De escrita ágil e coragem ácida, ele não poupou esforços para defender os ideais abolicionistas e republicanos aos quais se dedicou durante toda a sua vida. Em 1864, ele fundou, juntamente com Angelo Agostini, o primeiro jornal humorístico ilustrado de São Paulo: o Diabo Coxo. Gama também colaborou no Cabrião, primeiro jornal a usar a caricatura como forma de sátira política no Brasil, no Radical Paulistano, no Polichinelo e até mesmo no Correio Paulistano, primeiro jornal diário da capital e amplamente popular.
Luiz Gama foi um dos primeiros jornalistas negros a defender o fim da escravidão sem a utilização de pseudônimos. Outros defensores e opositores da causa faziam constante uso desse dispositivo para não se expor diante da arena pública – José de Alencar, por exemplo, romancista abertamente racista, usava o pseudônimo “Erasmus” para defender a permanência da escravidão no Brasil em cartas ao imperador D. Pedro II e publicadas na imprensa.
Era ainda republicano. Em 1873, participou da convenção que criou o Partido Republicano Paulista. Faleceu em 24 de agosto de 1882 em decorrência da diabetes.