As fotos da cantora Ivete Sangalo saindo de carro da maternidade em fevereiro passado com as suas duas recém-nascidas no banco de trás sem os cuidados necessários poderiam motivar multas pesadas ao motorista se o fato ocorresse nos EUA. De acordo com a pediatra Alessandra Menezes, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), as normas norte-americanas são mais rigorosas do que as adotadas no Brasil. A pediatra, sob orientação do professor Égas Caparelli Moniz de Aragão Dáquer, realiza uma revisão de literatura para propor atualização da norma atual de uso de dispositivos de segurança no transporte de crianças em veículos.
(FOTO: Mauro Akin Nassor / Correio)
De acordo com o Ministério da Saúde, acidentes de trânsito estão entre as principais causas de ferimentos e mortes de crianças de zero a 14 anos no Brasil, o que corresponde a um custo de R$ 518 bilhões em saúde - equivalente entre 1% e 3% do PIB. A punição é branda. Multa de R$ 293,47 e sete pontos na carteira. Para a pediatra, os dados mostram que a Resolução 277/08 do Contran está obsoleta.
Resolução obsoleta
Alessandra explica que o uso da cadeirinha, do bebê conforto e do assento elevado contribuem para a redução de 71% dos casos de lesões em crianças e 28% dos casos de mortes em acidentes de trânsito. O problema da norma brasileira está na definição do equipamento necessário para cada idade. Outro fator desconsiderado pela Resolução é o peso da criança.
"A Resolução 277 do Contran está obsoleta em relação à Sociedade Brasileira de Pediatria e da Academia Americana de Pediatria. A norma só se refere à idade da criança. O ideal é levar em consideração também o peso e a estatura", explicou.
A proposta da Abramet é que criança de até dois anos seja transportada em bebê conforto voltado de costas para o motorista até atingir peso e altura estipulada pelo fabricante do dispositivo. Outra mudança proposta e ampliar a idade para uso obrigatório da cadeirinha, de 10 para 13 anos ou até a criança atingir 1,45m.
"Hoje, a Resolução 277 prevê apenas o uso da cadeirinha até a criança completar 10 anos. Nossa proposta é que o assento elevado deva ser usado por crianças cuja altura atinja 1,45 cm. A criança só pode ser transportada de frente quando atinge dois anos. A cadeirinha poderia ser utilizada até sete anos. A partir dos oito anos ou altura superior a 1,45m é possível usar o assento elevado. Isso diminui 71% as chances de lesões em crianças em casos de freadas bruscas ou colisões".
O risco das freadas bruscas
Uma simples freada pode ocasionar lesões em crianças. Alessandra explica que os dispositivos de segurança prolongam o tempo de desaceleração da criança e diminuem a força de impacto do corpo da criança na estrutura do carro.
(FOTO: Cláudio Rangel / Eu, Rio!)
"A criança tem anatomia e fisiologia diferente do adulto. A cabeça é maior. Os ligamentos são mais frouxos, a estrutura óssea não é calcificada, a anatomia das vértebras é diferente e não tem muita gordura. Isso faz com que o impacto ofereça risco de lesão maior do que em um adulto", explica a pediatra.
Indústria automotiva se prepara
No Brasil não existem carros preparados para o transporte de crianças. A Resolução 580 do Contran determina que até 2020 todos os veículos produzidos no país saiam das montadoras equipados com isofix - um dispositivo que acopla o assento de segurança na estrutura do veículo. Isto evita que a cadeirinha seja fixada pelo cinto de segurança.
As montadoras já se adaptam à resolução. A gerente Fernanda Sequeira, da concessionária Sabenauto, informa que todos os modelos da Chevrolet já saem de fábrica com o dispositivo. O gerente Gilberto Mattos, do Grupo Itália Barra, informa que o isofix equipa toda a linha Argo, Cronos e Fiat 500.
Outro problema apontado por Alessandra: táxis, veículos de aplicativos, transporte alternativo e ônibus estão de fora da obrigatoriedade de dispositivos de segurança para crianças. Uma resolução do Contran chegou a obrigar o uso da cadeirinha nesses modais, mas foi revogada.
"Vemos problemas sérios de adesão por parte da população. A negligência do uso e a falta de campanhas educativas são obstáculos. Existem absurdos como crianças no colo da mãe no banco da frente do veículo. Falta orientação à população quanto a este problema", concluiu a pediatra Alessandra Menezes.