Esta segunda-feira, 27/9, o Instituto Niemeyer se pronunciou contra a iniciativa da prefeitura de erguer o o chamado “muro da vergonha” no vão sob a rampa do Teatro Raul Cortez, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A instituição afirma que não autorizou a obra, que visa afastar do local as pessoas em situação de rua e, de acordo com a Prefeitura, atender exigências do Corpo de Bombeiros. O teatro foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
O Instituto divulgou a seguinte nota oficial:
“Na última semana fomos surpreendidos com a triste notícia de que o teatro Raul Cortez, na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, estava recebendo uma obra que, além de descaracterizar sua fachada de forma inconcebível ao projeto original de Oscar Niemeyer, teria recebido à intervenção com motivação que fere o princípio de humanismo defendido pelo grande arquiteto e fundador deste Instituto. É fundamental que governos e governantes pensem em soluções para suas cidades, mas de forma à cuidar de seu povo, sua história e de seu patrimônio. Nos últimos dias, fizemos contato com autoridades municipais no sentido de entender o que estava acontecendo e também, para compreender de onde viria eventual autorização, tendo em vista que, uma intervenção neste sentido jamais contaria com a anuência do arquiteto Paulo Sérgio Niemeyer, que preside o Instituto Niemeyer.
Nosso presidente (é importante destacar), não teve sequer conhecimento de que um "muro" seria erguido para apartar à população em situação de rua, justamente num período tão delicado e de tantos desafios como o que enfrentamos em nosso país. Após minuciosa pesquisa, não encontramos qualquer documento que respalde a nota oficial da prefeitura, que alega contar com autorização para a realização da obra. Portanto, afirmamos categoricamente que não há aprovação por parte da família, do escritório e muito menos do INSTITUTO NIEMEYER ou de seu presidente para que a gestão local interfira na obra de Oscar Niemeyer.”.
Em outro trecho da nota, o instituto defende políticas públicas “que reforcem gestos de humanidade e de empatia com o conjunto da população, especialmente daqueles que mais necessitam”.
“Problemas sociais devem ser resolvidos com políticas públicas pautadas em princípios, que reforcem gestos de humanidade e de empatia com o conjunto de sua população, especialmente daqueles que mais necessitam. Decerto, não serão obras de ocasião e ações imediatistas que transformarão a realidade social de uma cidade. Ao contrário, somente aprofundarão as desigualdades que tanto combatemos em nossa jornada. Finalmente, não apenas em defesa do patrimônio histórico, da arquitetura de Oscar Niemeyer e seu legado, mas principalmente em defesa dos menos favorecidos e de toda população de Caxias, o Instituto Niemeyer de Políticas Públicas Científicas e Culturais, se posiciona contrário à construção do muro, que além de descaracterizar a importante obra, segrega à população mais pobre e vulnerável de Duque de Caxias. Por oportuno, o Instituto Niemeyer se coloca à disposição das autoridades para debater políticas habitacionais, sociais e de direitos humanos que não só atendam aos anseios do povo caxiense, bem como, garantam dignidade à sua população. "A vida não é justa. E o que justifica esse nosso curto passeio é a solidariedade”, disse Oscar Niemeyer”.
A nota foi assinada por Paulo Sérgio Niemeyer, neto do arquiteto e diretor do Instituto.
Prefeitura atribui obra a exigência dos bombeiros e apoio da Caixa
Procurada, a prefeitura respondeu que a obra visa revitalizar o patrimônio cultural do município e nega interesse em impedir que pessoas em situação de rua se abriguem sob a rampa do Teatro Raul Cortez. Eis a nota do Poder Executivo:
"A Prefeitura de Duque de Caxias, através da Secretaria Municipal de Obras informa que as obras de reforma do Teatro Municipal Raul Cortez, na Praça do Pacificador, que está completando nesta quinta-feira (23) 15 anos de inauguração, esclarece que a obra tem por objetivo revitalizar o patrimônio cultural do município, atendendo também a exigência do Corpo de Bombeiros na Notificação 3-03 de 04/09/2019. Ainda segundo a SMO, o fechamento parcial do trecho externo, que está localizado sob a rampa, tem por objetivo abrigar um gerador que se encontrava na parte interna do corpo da edificação, gerando ruídos e trazendo prejuízos estéticos para o ambiente. Com a reforma, não há intenção da Prefeitura de Duque de Caxias em impossibilitar o abrigo para moradores de rua. Inclusive, vale ressaltar que nossa cidade tem locais específicos e apropriados para o acolhimento de dependentes químicos e pessoas em situação de rua, como os Centros de Referência de Assistência Social e a Fazenda Paraíso, por exemplo.
Em relação à obra original do arquiteto Oscar Niemeyer, a mesma não ficará descaracterizada. O fechamento visto nas fotos é apenas parcial, para atender exigências do Corpo de Bombeiros, como mencionado acima. Além disso, a obra possui verba do Ministério de Cultura e aprovação da Caixa Econômica Federal para execução dos projetos executivos, além da autorização de órgãos internos da Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, como Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Obras e Defesa Civil”.
Neste trecho da nota, a prefeitura insiste em afirmar que a obra foi autorizada pelo escritório de Oscar Niemeyer.
“A PMDC esclarece ainda que as intervenções fazem parte do projeto de reforma geral do prédio e foram autorizadas pelo escritório do arquiteto Oscar Niemeyer. Inaugurado no primeiro governo do prefeito Washington Reis, o teatro ficou abandonado por muitos anos, durante as administrações anteriores. A Prefeitura ressalta, também, que, desde 2017, o prefeito vem lutando por esses recursos e a autorização para obra. Serão trocadas toda a iluminação, cortinas, ar-condicionado, assentos, camarins e outros setores. Também será feita uma proteção em torno do patrimônio cultural, evitando a aglomeração de irresponsáveis e pessoas mal intencionadas, pois a região estava sendo degradada por criminosos que destruíam esse grande bem público.”
Defensoria do Estado cobra esclarecimentos, sob pena de embargo imediato
A Defensoria Pública do Estado informou esta segunda-feira que está acompanhando o caso e já enviou ofício à prefeitura pedindo esclarecimentos sobre as razões para a obra e se há licenciamento e em caso afirmativo, que seja colocada placa em local visível com especificidades técnicas, nome dos autores do projeto, responsáveis por sua execução, cronograma e outros detalhes de interesse público, além do custo da construção. Se não tiver autorização, que o muro seja demolido.
O Fórum dos Direitos da População em Situação de Rua, que denunciou a construção do muro, divulgou a seguinte nota:
“Nós do Fórum dos Direitos da População em Situação de Rua, estamos preparando um documento a ser entregue ao Ministério Público, a Defensoria e a Câmara. Primeiro, solicitando que os órgãos fiscalizadores exijam o cumprimento da Lei Municipal n.º 2.958, de 5 de junho de 2019, que estipula critérios para a formulação e implementação de políticas públicas para a população em situação de rua. Essa lei define como princípios o respeito à dignidade da pessoa humana, a valorização e o respeito à vida e à cidadania e o atendimento humanizado e universalizado, a fim de assegurar às pessoas em situação de rua o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas e políticas públicas. Ninguém vive na rua por causa de um marmitex; Segundo, pedindo a derrubada imediata do muro da vergonha que descaracteriza a única obra de Oscar Niemeyer na Baixada Fluminense; e por fim, querendo menos PRAÇAS e que a Prefeitura enfrente a situação dos moradores de rua como um problema de saúde pública”.
Assista matéria da Web TV Eu, Rio! sobre a questão:
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