Antes da campanha eleitoral acirrar, o ator Alberto Sena tinha 5.000 amigos no seu perfil do Facebook, no entanto, só esta semana ele removeu mais de 250 pessoas que ele considerou não poderem fazer parte de seu circulo de amizades. Assim como Alberto Sena, a jornalista, Maria Macedo, deixou o grupo da família no WhatsApp por conta de divergências políticas. No auge da efervescência política e a poucos dias do primeiro turno das eleições, existe um aumento das divergências. Todos os dias, chegam relatos sobre rompimentos das relações familiares e fraternais motivadas pela "intolerância" política. Principalmente entre, os que são considerados de extremistas de direita ou de esquerda.
"Isso é tão triste, mas tão libertador! Imagine que não precisarei manter cordialidade com quem despreza a vida humana. Se eu tiver que conviver com o mínimo de pessoas no meu perfil eu o farei. Isso não é mais uma questão política, estamos falando sobre a questão ética e moral. Como tem muita gente que sabe do meu posicionamento, alguns se arriscam a falar coisas do tipo: Vou votar nele, mas a nossa amizade continua",desabafou Alberto Sena.
Ainda buscando o diálogo com amigos e parentes, com pensamentos diferentes do dela, seja nas redes sociais ou pessoalmente, a jornalista Maria Macedo se preocupa com o acirramento das relações e sofre por conta da falta de diálogo entre as pessoas.
"O brasileiro é muito passional e as pessoas ficam muito no campo da torcida, né? A gente ainda não alcançou um bom nível de debates de ideias. Mas, isso requer uma formação melhor. E isso alcança nossas relações pessoais. E como prevalece o que a maioria decide isso é visto como prejudicial pelo lado que não foi contemplado"lamenta a jornalista.
Lado A, Lado B
Várias famílias que residem na mesma moradia estão se dividindo e em casos, extremos rompendo relações. Há relatos que casamentos estão abalados por conta das escolhas políticas dos cônjuges. Isso agravado com o reflexo da falta de esperança, descrédito político e falta de sensibilidade com o outro, como muitos alegam.
"Esse ano de eleição pra mim foi para além de escolher um partido ou candidato. Foi um ano de descoberta sobre quem são as pessoas que estão a minha volta ou apenas nas redes sociais. Quando alguém muito próximo de mim diz que vai votar naquele senhor, sem se importar o que ele representa não dá pra manter uma relação de afeto. No fundo se puxarmos da memória iremos recordar que esses mesmos eleitores já se posicionavam de forma racista, machista, misógina, homofobia e/ou violenta, seja com uma piada ou uma atitude discreta",ressaltou o ator Alberto Sena.
Uma característica apontada nas redes sociais é o tom de agressividade em que as pessoas expõem suas defesas e não troca de ideias. Por muitas vezes com ataques, sejam eles, de um lado ou do outro.
"Falta civilidade, que vem de civilização. Vem de uma coisa mais civil do que militar",ressalta Maria Macedo, jornalista.
Polarização pode ser algo bom?
Quando as pessoas se posicionam e escolhem um lado, é sinal de que minimamente estão interessadas nas questões politicas. Para a sociedade é importante que o cidadão discuta política, mesmo uma sociedade fragilizada, desapontada e com pouca esperança na classe política. O fenômeno da polarização é visto como campo de disputas claras e discursos contundentes.
"Devemos lembrar que o que vivemos hoje, é resquício dos equívocos cometidos pelo PT e da pressão de setores interessados em atacar a política do partido, que nos afetou em cheio. Bolsonaro surge como uma boia para quem está no mar desesperado. Ele tem um discurso fácil, com soluções fáceis para assuntos complexos. Enquanto tem muita gente dizendo "ele não"; tem muita gente que odeia o PT. As pessoas não estão votando a favor e sim, contra",avaliou Marcio Alexandre Gualberto, jornalista e Babalawo da Tradição Afro Cubana de Ifá.
Caminho da polarização
O nível de polarização da população é um reflexo de um tecido social doentio que tomou forma nos protestos de 2013, insuflados por setores interessados em bombardear a política, principalmente, as políticas implantadas pelo Partido dos Trabalhadores.
Com as redes sociais, as pessoas puderam expressar e propagar suas escolhas políticas de forma mais abrangente. Desde o último pleito pra presidente, quando eleitores da ex-presidente Dilma Rousseff(PT) travaram batalhas acirradas contra os eleitores do senador licenciado Aécio Neves(PSDB), em 2014. Essa disputa, inclusive se prolongou durante a gestão da ex-presidente e culminou no seuImpeachment. Em 2018, o clima de disputa foi se desenhando com as possíveis candidaturas e esquentou quando os candidatos se definiram, mesmo tendo a candidatura do ex-presidente Lula assegurada. Motivada pelo desgaste político, crise e desesperança a população se posicionou de acordo com seus interesses, criando polos divergentes e abismos entre pessoas com amizades de longa data ou familiares.
"A polarização de 2014 se prolongou e agora se desenrola neste confronto entre Haddad e Bolsonaro. Os ânimos estão acirrados e isso pode deixar sequelas nos dois extremos. Mas independente do resultado que for. Espero que esses problemas sejam superados e quem vencer busque a conciliação",analisou Ricardo Ismael, Cientista Político.
Há como reconstruir relações?
"Não! Pra mim não continua e deixo isso claro pra qualquer um. Eu costumo partir do princípio que cada ser humano é único, nascemos e morremos sozinhos. Logo penso que estar acompanhado deva ser algo prazeroso. Só quero gente próxima de mim que tenha empatia com a dor do outro. Todo o resto não irá me acrescentar em nada". -Respondeu de pronto o ator Alberto Sena, quando perguntado se era possível retomar esses contatos. Ele faz parte de um grupo de pessoas que se preocupam com a valorização da vida dele e do outro. E se sentem ameaçados pelo crescimento do que consideram fascismo.
Por outro lado, Marcio Alexandre Gualberto, vê esperança na retomada de relações, pois acredita que as pessoas irão refletir sobre esse período e entenderem que suas relações são mais importantes.
"É preciso acontecer é que as pessoas se cansem de brigar. A tendência é arrefecer um pouco. Porque ninguém mais aguenta a falta de perspectiva. E as pessoas precisam ter a sensação de estabilidade. Então os ânimos vão começar se acalmar. O brasileiro é isso, é da nossa natureza não guardar rancor por muito tempo. A gente avalia que tem coisa que vale a pena e coisa que não vale".