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Policiais e Exército são acusados de estupro, execuções, roubos e agressões durante a intervenção

Defensoria Pública traz diversos casos que teriam sido cometidos em moradores de favelas cariocas

Por Mario Hugo Monken em 06/10/2018 às 10:32:11

"Eles entraram numa casa que era ocupada pelo tráfico. Lá tinha dois garotos e três meninas. As meninas eram namoradas de traficantes. Era pra ser todo mundo preso, mas o que aconteceu é que os policiais ficaram horas na  casa. estupraram as três meninas e espancaram os garotos. Isso não pode estar certo”.

Essa denúncia, como muitas outras, integra o relatório "Circuito de Favelas por Direito" elaborado pela Defensoria Pública Estadual que traz diversos casos de violação de direitos humanos em favelas do Rio que teriam sido cometidos pelas Forças Armadas e polícias a partir de abril quando a intervenção federal, iniciada em fevereiro, já estava em vigor. . 

Além de estupros, há acusações de invasão a domicílios, subtração de bens (furto e roubo), dano ao patrimônio, avaria de alimentos,  extorsão, agentes sob o efeito de drogas, violação contra crianças, agressões físicas, execuções, impedimento de prestação de socorro, disparos a esmo, entre outras.

Ao todo, foram 15 favelas percorridas, aproximadamente 170 pessoas envolvidas e mais de 25 instituições diretamente atuantes nas idas aos territórios. Algumas centenas de casos relatados (mais de 300) e sistematizados no documento, considerado ainda parcial.

Dentre as comunidades visitadas, estão a Rocinha, Complexo da Maré (duas idas, a locais diferentes), Ficap, Cidade de Deus, Complexo do Salgueiro (duas idas, a locais diferentes), Complexo do Chapadão, Complexo de Acari, Complexo da Penha (duas idas, a locais diferentes), Complexo do Alemão, Jacarezinho, Vila Vintém e Babilônia.

Durante as visitas realizadas em favelas e periferias do Rio de Janeiro neste momento de intervenção federal, a Defensoria observou que os impactos das operações das dentro destes espaços empobrecidos são enormes. Nas operações passaram a ser utilizados tanques de guerra, helicópteros do Exército, além do uso já habitual dos carros blindados da polícia, os chamados ‘caveirões’ terrestres e aéreos.

O levantamento traz depoimentos mas não diz onde os fatos teriam ocorrido, nem a data.

"Os mortos são expostos pelos dados da saúde e, em casos mais expressivos, como as chacinas, destacados na mídia. As violações ficam silenciadas, transformando-se em sofrimentos patrimoniais, físicos e emocionais. São relatos que expõem o cotidiano perverso de medo e invisibilidade em que centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro se encontram submetidas e demonstram que há um modus operandi no modo com que as comunidades são tratadas pelas forças de segurança — resume o ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, que esteve à frente de todas as visitas e coletas de relatos do Circuito Favelas por Direitos.

O relatório destaca que há “um conjunto de violações cotidianas que não ganham estatísticas oficiais, mas contribuem imensamente para gerar sentimentos múltiplos de medo, desesperança e revolta em moradores de favelas e periferias

"Botou ele no meio da rua e atirou na cabeça"

Um dos relatos fala sobre uma suposta execução cometida pela polícia: "No meio da confusão com um monte de gente na rua. Os garotos rendidos e eles falando que iam matar. O policial pegou um que estava virado para parede pelo cabelo. Botou ele no meio da rua atirou na cabeça dele na frente de todo mundo, olhou pra gente e perguntou se alguém ia
falar alguma coisa. Esse policial mata mesmo e esculacha todo mundo. Sempre ele que faz as piores coisas aqui".

Em outro caso, o depoente comenta sobre a execução de um rapaz e um flagrante forjado.

"O menino era inocente, pegaram ele e bateram muito, a gente tentava explicar que ele não era envolvido, tentava acudir, mas eles jogaram granada para a gente sair. E em seguida mataram ele. A gente não viu, mas depois ficamos sabendo que plantaram arma para dizer que ele era bandido. fazem isso direto".

"Quando eles atingem a pessoa errada, eles implantam arma e droga na pessoa pra incriminar”, diz trecho de outro depoimento.

"No meio da confusão com um monte de gente na rua. Os garotos rendidos e eles falando que iam matar. O policial pegou um que tava virado pra parede pelo cabelo. Botou ele no meio da rua atirou na cabeça dele na frente de todo mundo, olhou pra gente e perguntou se alguém ia falar alguma coisa. Esse policial mata mesmo e esculacha todo mundo. Sempre ele que faz as piores coisas aqui".

Há acusações fortes contra os agentes

“Aqui se levar o cara vivo com um tiro no braço e quando chegam no hospital o cara tá morto
e com tiro na cabeça. Como pode isso?”

A Defensoria colheu uma denúncia de que houve muito mais mortes durante uma operação policial realizada em agosto do que foi divulgado: "Na última operação que teve aqui eles mataram quase 20 pessoas. Disseram que foi oito mas é mentira. Sempre morre mais gente do que divulgam. Mataram os traficantes a facada depois deles terse rendido. Por que não levam preso?".

"Eles matam e vão comer pastel"

Os relatos denunciam a frieza demonstrada por policiais em algumas situações:

"Eles matam e levam o corpo para longe. Da última vez que viram aqui mataram três e jogaram na viatura. Um deles ainda estava agonizando. Não deixam ninguém ajudar. Aí com os corpos na viatura pararam na esquina para comer pastel. Todo mundo vendo os corpos".

"Eles comeram minha comida"

Uma denúncia de uma moradora revela que um policial entrou em sua casa com a chave mestra, comeu sua comida, a ofendeu e ameaçou quando ela estava com sua filha no colo. Contou que por fim ele roubou seu celular. Tratava-se de uma casa muito pobre, com sério risco de desabamento, a moradora parecia estar em vulnerabilidade alimentar e tinha péssimas condições de vida.

Um outro relato diz que os militares causaram um prejuízo de R$ 4 mil a um comerciante: “O Exército entrou aqui, roubou o Xbox do meu filho, comeu nossa mercadoria,  levou a bebida, foi mais de 4 mil de prejuízo. A gente trabalha para ter esse pouco e eles fazem isso.”

"Eles pegaram todo o dinheiro das máquinas"

O relatório traz mais um trecho de uma denúncia de prejuízo causado pelos agentes:

"Eles agentes do Exército eram para proteger a gente, mas são um monte de moleque que não são fiscalizados. Entraram na barraca de madrugada tomaram guaravita, comeram fandangos e os salgados. O cara tinha máquina de caça-níquel, eles pegaram todo o dinheiro das máquinas; a polícia usa a chave mestra, entra e você só vê quando tá lá, o Exército arromba. No mercadinho pegaram whisky, cachaça e levaram entraram Exército na casa da vizinha e levaram várias coisas... aliança, relógio, dinheiro...”

"Agrediram ele com tapas, socos e chutes"

A Defensoria também recebeu denúncias de agressões aos moradores:

"Meu marido sai de casa por volta de 5:00, 5:20 da manhã. e hoje quando desceu pra trabalhar foi abordado, assaltado e humilhado pelo Exército. Jogaram todas as coisas dele na rua e o único dinheiro que tinha pra poder almoçar hoje os mesmos levaram. E quando falaram pra ele pegar as coisas dele que estavam no chão o agrediram com tapas, socos e chutes. Lembrando que meu marido é trabalhador e estava uniformizado e com documento que comprova tudo isso".

Em outros depoimentos, moradores relataram que tiveram suas casas invadidas e revistadas por agentes de forma violenta, que tiveram seus alimentos jogados fora por eles, que os mesmos pegaram seu dinheiro, que os xingaram e desrespeitam com frequência, que apanharam na frente de seus filhos e alguns com eles no colo.

"Pegam dinheiro para deixar o baile rolar"

Os encarregados de colher as denúncias também apuraram junto a moradores casos de supostas extorsões:

“Pra que isso? Qual o motivo deles virem na sexta e pegar o dinheiro para deixar o baile rola e no sábado chegar atirando? Só pode ser troca de plantão. Num é possível que sejam os mesmos policiais. Se for deve ser falta de comunicação entre eles”.

Incitação à facção rival

Os moradores de uma determinada comunidade relataram que foram vistas pixações de outras facções criminosas em pontos de difícil acesso do local. Eles disseram, acreditam se tratar dos policiais que estimulam rivalidades e trazem outros grupos armados para o território para disputar e negociar poder.

Algumas pessoas teriam dito, segundo o relatório, que agentes obrigavam alguns moradores a jurar lealdade à facção rival a do território enquanto filmavam.

Suspensão de serviços públicos

Alguns relatos informaram que, sob a justificativa de que se trata de uma área de risco, quando há óbito de moradores os bombeiros não retiram os corpos. A mesma justificativa impede o acesso a autorização para realização de atividades recreativas como eventos comunitários, bailes e festas.

“Estava tendo vacinação no posto e eles suspenderam. Mandaram fechar o posto.”, diz outro depoimento..

Procurado pelo Portal Eu Rio, o Gabinete de Intervenção Federal informou que todas as operações e ações realizadas visando combater a criminalidade são feitas dentro da legalidade objetivando proteger cidadãos e respeitar seus direitos. Questionado se as denúncias seriam investigadas, o órgão não deu retorno.

A reportagem também procurou a PM e o Comando Militar do Leste e nenhum deles respondeu.

Também contactado, o Ministério Público Militar informou que, até o momento, não recebeu comunicação da Defensoria Pública Estadual relatando a violação de direitos humanos, por parte  dos integrantes das Forças Armadas, em comunidades do Rio de Janeiro durante a intervenção federal. Os procedimentos instaurados pelo MPM desde o início da intervenção não tratam de crimes dessa natureza.
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