O jornalista, cartunista, chargista, escultor e roteirista Ique anunciou nesta terça-feira (26) que vai deixar a charge política, depois de quarenta e quatro anos fazendo charges de políticos brasileiros. O que motivou a aposentadoria do artista, de 59 anos, foram o ódio e as “fakenews” nas redes sociais. Segundo ele, as “charges acabam validando um embate insólito, onde, inacreditavelmente, a vida deixou de ser prioridade, o humanismo desapareceu, o bom senso passou longe e o negacionismo, que, alimentado por fakenews, virou verdade absoluta e ideologia política”, disse o jornalista em uma carta divulgada em sua conta numa rede social. Ele também divulgou uma charge do ministro da Economia, Paulo Guedes, que diz ter sido seu último trabalho.
Eis a carta de despedida de Ique:
“Esta charge, marca hoje minha despedida como chargista político. Mesmo não sendo uma atividade profissional regular, permaneci produzindo meu conteúdo. É que o vício de transformar minha indignação em charge, sempre foi mais forte.
O fato é que as charges, ferramentas imprescindíveis no jornalismo na década de 80, que me deram dois Prêmios Esso de Jornalismo, não têm mais o mesmo impacto, nem mais espaço profissional nos meios de comunicação. Nas redes sociais, manipuladas pelo algoritmo que as restringem a uma bolha, amordaçando sua função jornalística primordial, as charges acabam validando um embate insólito, onde, inacreditavelmente, a vida deixou de ser prioridade, o humanismo desapareceu, o bom senso passou longe, e o negacionismo, que, alimentado por fakenews, virou verdade absoluta e ideologia política.
Tal e qual na Alemanha n@zist4, muita gente supostamente esclarecida, culta e inteligente, embarcou numa realidade paralela de uma terra plana, infestada de comunistas maconheiros que comem criancinhas, e que tem que ser exterminados em nome de Deus acima de tudo. É muito absurdo junto, parece filme de ficção. E nessa insanidade, mais de 600 mil vidas foram ceifadas. Perdi muitos amigos para a Covid, mas perdi muito mais amigos ainda para o negacionismo e para a ignorância.
A julgar pela inércia e omissão das instituições democráticas, o mais provável é que tudo acabe em pizza, como sempre, e que os lados polarizados componham politicamente entre si pra que ambos ganhem, a impunidade prevaleça, e o povo faminto e sem oportunidades, continue perdendo.
Então, exausto, decidi focar na minha sobrevivência mental e emocional priorizando a qualidade de vida, me dedicando integralmente à minha arte na pintura, no desenho, na escultura, nos roteiros, onde tenho ainda muito a realizar. Com amor acima de tudo, quero curtir meus netos, que vieram pra dar novo sentido a vida, junto com a família que me fortalece, e com os verdadeiros amigos.
Gratidão aos que me acompanharam nos 44 anos de minha carreira como chargista político, da qual tanto me orgulho, e cujo ciclo, encerro aqui.
#foragenocida #foracorrupto #forabolsonaro #politicalcartoon #iquecartoonist”
O nome de batismo de Ique é Victor Henrique Woitschach, mais conhecido como Ique Woitschach, ficou famoso por esculturas como a do poeta Manoel de Barros no centro de Campo Grande (MS), onde nasceu, além de seus trabalhos como chargista do Jornal do Brasil. Publicou também no jornal O Dia e no diário esportivo Lance. Colaborou para várias revistas como a Veja, Playboy, Veja-Rio, Mad, Fatos, Courrier International e Revista da Semana.
Conquistou dois prêmios Esso de Jornalismo. Fez seis esculturas em bronze no Rio de Janeiro: O Corneteiro de Pirajá, no bairro de Ipanema, na Zona Sul; João Saldanha, no Maracanã; o Coimbra, na Bolsa de Artes do Rio de Janeiro; Michael Jackson, na laje da comunidade do Santa Marta; Chacrinha, no Jardim Botânico; e a do cantor e compositor Martinho da Vila, no Vale Encantado, na cidade de Duas Barras, onde o sambista nasceu.
Até 2014 trabalhou como roteirista da TV Globo, no humorístico Zorra Total. Hoje é diretor executivo de sua empresa, a iQ Criação Ltda. Em 2017, esculpiu a estátua de Manoel de Barros em Campo Grande.