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Íntimos ou não de Gilberto Braga, todos têm o que agradecer ao dramaturgo

No início da carreira, o autor ou colaborador de mais de 30 produções na TV Globo foi professor e crítico teatral

Por Daniel Israel em 29/10/2021 às 16:05:30

Patricia Gandelman e o tio, na festa de lançamento de "Insensato Coração", em 2011. Foto: Acervo Pessoal/Patricia Gandelman de Andrade

A primeira telenovela que Gilberto Braga emplacou na TV Globo foi "Corrida do Ouro", em 1974. Escrita em parceria com Janete Clair e Lauro César Muniz, teve o enredo criado a partir de uma notícia de jornal. Cinco protagonistas mulheres, interpretadas por atrizes como Aracy Balabanian, Sandra Bréa e Renata Sorrah, precisavam cumprir algumas tarefas em troca de uma herança. No mesmo ano, ele ainda se dividia com a crítica teatral no jornal "O Globo", função a que se dedicaria pelo menos até 1975.

Na resenha de "Madre Joana dos Anjos", encenada pelo Grupo Aldeia no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), ele ressaltava a excelência de estilo da peça. "Quem estiver disposto a se entregar, sob um ponto de vista estritamente teatral, um trabalho sem dúvida bem mais formal do que forte em seu conteúdo, deixará o belo saguão do MAM certo de que alguma coisa ali se estava passando, o que poucas vezes aconteceu, mesmo nas montagens profissionais mais caprichadas da temporada", diz um trecho.

Um dos atores que integrou o elenco da peça resenhada pelo dramaturgo, quando ainda assinava Gilberto Tumscitz, foi Jitman Vibranovski, que fez parte do elenco de novelas na Globo e no SBT. Atualmente, Vibranovski atua e dirige a Cia. Militantes Em Cena. Explica que apesar da cobertura teatral, incluindo a citação como um dos destaques na montagem de “Biedermann e os Incendiários”, do suíço Max Frisch, ele e o autor de marcos da teledramaturgia nacional nunca tiveram proximidade. "Para nós, que estávamos começando, só o fato de sair foto e nome no jornal já era ótimo", recorda-se o ator, natural de Vitória (ES).

O início da carreira como crítico teatral, em 1974. Foto: Acervo Pessoal/Jitman Vibranovski

Diferente dele é o caso de João Brandão, que colaborou como redator em "Babilônia" (2015), última telenovela assinada por Braga e escrita em coautoria com Ricardo Linhares (de quem já tinha sido parceiro em "O Dono do Mundo", em 1991, e "Paraíso Tropical", em 2007) e João Ximenes Braga (parceiros em "Lado a Lado", em 2012).

"Falar do querido Gilberto Braga é sempre uma honra. Pra mim, o maior autor de novelas do Brasil. Fazer parte da equipe de novelas que adorei ver na TV, como 'Escrava Isaura', 'Água Viva', 'Vale Tudo' e 'Celebridade', foi uma experiência incrível", diz Brandão, que emenda. "Ele sabia que cada novela, tanto na tela quanto nos bastidores, tinha uma trajetória própria e imprevisível. Aprendi muito com o estilo dele de conduzir as tramas. Na minha trajetória profissional, o Gilberto foi um divisor de águas".

De uma geração posterior, Renata Dias Gomes destaca aspectos pessoais no "mestre de todos roteiristas". Com trabalhos em produtoras e passagens pelos núcleos de dramaturgia de grandes emissoras, Renata está na Globo desde 2012, sendo dona de um baú de memórias que vão além da relação profissional com o autor. "Ele era muito apaixonado pela minha avó. Tem uma matéria que fez quando ela faleceu em que dizia que se sentia um pouco filho da minha avó. Apesar de termos convivido pouco, sinto como se estivesse perdendo alguém da família porque ele faz parte da nossa história", conta a neta do mais famoso casal de dramaturgos da televisão brasileira: Janete Clair e Alfredo de Freitas Dias Gomes, ou apenas Dias Gomes.

Lembra-se de Braga lhe contar que "travou na hora de escrever" o primeiro folhetim na emissora e que só foi possível prosseguir "porque ela [Janete] o ajudava com dicas diárias".

"Ele não tinha experiência com novelas quando foi chamado pra fazer 'Corrida do Ouro', com o Lauro César Muniz. O Lauro precisou deixar a novela, Gilberto ficou sozinho e entrou em desespero. Daí o apresentaram à minha avó, que passou a recebê-lo em casa pra ajudar a escrever a novela. Mais à frente, em '75, ela foi pro horário das 19h escrever 'Bravo!'. Pra ela, era um rebaixamento porque se sentia desprestigiada de largar o horário das 20h. Fizeram isso pra promover a história do meu avô no horário, com 'Roque Santeiro'. Então, foi censurada na véspera da estreia e minha avó criou 'Pecado Capital' em 15 dias. Deixou 'Bravo!' com quem ela podia confiar um filho: Gilberto", emociona-se a colaboradora dos roteiros de "Chamas da Vida", exibida na Record (2008-2009), "Amor e Revolução", no SBT (2011-2012), e "Império" (2014-2015), na Globo e na última semana de reexibição.

Professor da escola de teatro O Tablado, fundada pela dramaturga e diretora teatral Maria Clara Machado, Brandão acrescenta como era inspirador o processo criativo na equipe liderada pelo colega. "Fazíamos reuniões semanais antes e durante a exibição da novela, na casa do Gilberto. Trabalho cansativo, mas sempre agradável graças ao bom humor e gentileza dele. Quando cheguei no primeiro encontro, estava muito nervoso. Já tinha feito outras novelas com o Ricardo Linhares, mas conhecer o Gilberto seria algo marcante".

Exatamente um ano antes da estreia de "Babilônia", Braga e o decorador Edgar Moura Brasil, companheiros de quatro décadas, reuniram familiares e amigos para oficializar a união perante uma juíza de paz. Quando pandemia era só mais um verbete no dicionário, cerca de 70 convidados aglomeraram no apartamento do casal no Arpoador, em Ipanema. A celebração foi possível porque o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecera em 2011 a união estável entre pessoas do mesmo sexo. A decisão completou os primeiros dez anos no último 5 de maio.

Presente à cerimônia, Patricia Gandelman de Andrade, sobrinha dos noivos, conta que eles já estavam juntos quando os pais dela ainda namoravam. E lembra algumas passagens na companhia do 'tio Gilberto'. "Era bastante reservado e o contato que eu tinha era pouco. Mas ele sempre foi muito carinhoso, ligava no aniversário e gostava de receber em casa. Como marido do meu padrinho, era como se fosse meu padrinho também".

Nascido em 1/11/1945, no bairro de Vila Isabel, e criado em Copacabana, o carioca Gilberto Tumscitz Braga era filho de um escrivão de polícia e uma dona de casa. Irmão de Rosa Maria Araújo, atual diretora-geral do Arquivo Público municipal (AGCRJ), ele estudou no Colégio Pedro II, cursou dois anos de Letras na PUC-Rio e de 1960 a 1975 frequentou a Aliança Francesa, como estudante e depois professor. Na unidade localizada em Copacabana, a escola de francês foi palco de descobertas que ele fez a partir dos 15 anos.

"Eu vivi os acontecimentos de maio de 1968, entre os gaullistas. Foi muito enriquecedor e interessante para um jovem brasileiro. Até hoje, quando penso no golpe de 1964, que a classe dominante chamou revolução, na minha cabeça vem ‘coup d’état’ [golpe de Estado, em francês]", relembra ele, em trecho de livro bilíngue lançado pela instituição quando completou 120 anos no Brasil, em 2005.

Relato em livro comemorativo da Aliança Francesa. Imagem: Reprodução/Aliança Francesa

Além dessa experiência e as críticas de teatro e cinema, na carreira em que mais se destacaria Braga inovou com "Helena" (1975), adaptação da obra de Machado de Assis: foi a primeira telenovela brasileira baseada em um clássico da literatura nacional. Preto-e-branco e com 20 capítulos, inaugurou a faixa dos folhetins exibidos às 18h na emissora. Onze anos depois, o Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro (ISERJ), situado entre Tijuca e Praça da Bandeira, onde ele estudou na infância, serviu de cenário para a minissérie "Anos Dourados", ambientada na época em que o presidente da República era Juscelino Kubitschek (1955-1961). Nesta e em "A, E, I, O... Urca!" (1990), ele também foi o responsável pela produção musical. Possivelmente, o mais importante reconhecimento profissional se deu quando "Lado a Lado" (2012) foi premiada como Melhor Novela no Emmy Internacional, em 2013, equivalente ao Oscar da televisão.

"O Gilberto unia a grandeza de um autor de sucesso com a elegância e humanidade de um parceiro muito especial. Só tenho a agradecer. Muito obrigado, Gilberto Braga. Seu sorriso nunca vai sair da minha lembrança", agradece o colega Brandão, com quem Renata faz coro. "Eu tive algumas oportunidades de agradecer a generosidade dele nesses anos, que foi com certeza um grande estímulo. Ele foi muito importante no início da minha carreira, pois quando eu ainda era estudante ele topou ler um roteiro meu e fez observações bem elogiosas".

De "Dama das Camélias" a "Babilônia", foram 32 produções roteirizadas ou que contaram com a colaboração de Gilberto Braga na TV Globo, entre telenovelas (22), minisséries (5) e episódios do "Caso Especial" (5), ao longo de 43 anos de trabalho na emissora. Na próxima segunda-feira, ele completaria 76 anos.

Gilberto Braga participou de debate na PUC-Rio, em 2009: ensaio para a criação do curso de Artes Cênicas. Imagem: Divulgação/PUC-Rio

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