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Manifestantes protestaram hoje (16) na Câmara de Resende contra vereador que exaltou torturador

Reportagem também conversou com militante que conheceu Carlos Marighella, um dos alvos do pronunciamento, e jornalista que é especialista na ditadura

Por Daniel Israel em 16/11/2021 às 20:02:21

Manifestantes levaram cartazes com dizeres que se opõem à fala do vereador. Fotos: Odete Amaral Rocha

No final da tarde de hoje (16), manifestantes se reuniram na Câmara dos Vereadores de Resende (RJ), no Sul fluminense, em protesto contra pronunciamento feito pelo vereador Zé Antônio (Patriota), há exata uma semana.

Ex-militante de oposição à ditadura, a sanitarista Ana Miranda participou da luta armada e integrou a Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, alvo principal da declaração do parlamentar.

"Ele fala isso e não deve saber quem foi o Fleury, iguala guerrilheiro e terrorista. Terrorista foi o Estado brasileiro, que matou, torturou à vontade, continua torturando e matando. Naquela época, eram mais os opositores, os índios, os negros das favelas como sempre. A vida do Marighella foi dedicada à diminuição da desigualdade social", relata, antes de mandar um recado ao vereador. "Pelo menos, ele foi eleito em último lugar. Espero que não seja reeleito. É isso o que a gente está vendo no país em geral".

Ana se recorda de quando esteve presa em São Paulo e presenciou o momento em que o ex-delegado, chefe da seção paulista do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e da Operação Bandeirante (Oban), morto misteriosamente em 1979, pegou outro opositor do regime que militava com ela na ALN, para submetê-lo a nova sessão de torturas. Cofundador do grupo paramilitar, Joaquim Câmara Ferreira, o "Toledo" ou "Velho", dividia o comando com Marighella e foi um dos responsáveis pelo sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick. Levado a um sítio clandestino próximo à capital paulista, foi torturado por Fleury até a morte, em 1970.

Morador de Resende, o psicólogo Thiago Grangeiro lamenta que esse tipo de conduta permaneça à solta na sociedade brasileira.

"Infelizmente, nossa sociedade não acertou suas contas com seu passado recente. De alguma forma varremos a ditadura para debaixo do tapete e isso contribui para que ao invés de um massivo repúdio e vergonha desse passado, ainda tenhamos exaltação à tortura e a um regime antidemocrático", destaca o servidor público municipal, militante do PT e vice-presidente do Diretório local. "Quando um então deputado federal e depois presidente da nação exalta um torturador no plenário da Câmara, autoriza e encoraja que o mesmo ocorra nas outras casas legislativas. No entanto, é preciso haver resistência e nenhum ato desse pode passar impune, invisível, precisa ser denunciado e repudiado".

Conterrânea e colega de partido, a professora aposentada Odete Amaral Rocha cita as ações já realizadas.

"Além dos protestos nas redes sociais e mobilização, entramos com ação no Ministério Público [MPF] e pedimos direito de resposta na Câmara", detalha ela, que preside a sigla partidária no município. Odete afirma ainda que pessoas e grupos com o mesmo perfil ideológico do vereador se sentem "à vontade" para promover "discurso de ódio".

Para a jornalista e escritora Denise Assis, que integrou as equipes de pesquisa da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão Estadual da Verdade (CEV-Rio), existe um ponto de partida que leva a manifestações dessa natureza atualmente no Brasil.

"Isso faz parte desse conjunto de coisas que nós estamos chamando de pós-verdade. Quanto mais eles enxovalharem, chacoalharem essas informações com relação a esse período, mais eles conseguem avançar com a construção ou seja lá que nome a gente possa dar aos novos conceitos que eles querem trazer”, explica ela, que trabalhou na revista "Veja" e nos jornais "O Globo" e "Jornal do Brasil". Hoje, contribui com sites como "Brasil 247" e "Projeto Colabora".

Como pesquisadora das duas Comissões, Denise ajudou a elucidar o atentado a bomba na sede da OAB-RJ, em 1980, fato que vitimou fatalmente a secretária da Presidência da entidade, Lyda Monteiro. Ela não carrega menos no tom de lamento e resignação por posicionamentos como o que ocorreu semana passada, no Sul fluminense.

"Como a gente caminhou pra frente e deixou os esqueletos trancados no armário, perdeu o tempo em que as pessoas ainda estavam com essa surpresa da abertura e de saber dos acontecimentos. A gente deixou isso esvair, esfriar, e depois pra mobilizar a sociedade fica mais difícil. Então, eu acho que o que eles [pessoas como o vereador de Resende] tentam é se aproveitar desse estado de desmobilização da sociedade brasileira quanto ao tema pra trazer a público a história que eles querem contar", detalha a autora de "Cláudio Guerra: Matar e Queimar" (Kotter), sobre o ex-delegado, também do DOPS, lançado ano passado. Em 2014, ele publicou a autobiografia "Memórias de uma guerra suja" (Topbooks), e cinco anos depois a cineasta Beth Formaggini dirigiu o documentário "Pastor Cláudio".


No pronunciamento que motivou o protesto de hoje, o parlamentar fez uma série de ataques contra quem se opôs à ditadura (1964-1985) por meio da luta armada, na terça-feira (9).

"Eu gostaria muito de lembrar de um delegado chamado Sérgio Paranhos Fleury, o homem que no dia 4 de novembro de 1969 conseguiu matar o maior guerrilheiro, terrorista que esse país já teve. Feito histórico de executar um bandido desse, deveriam ter levado os outros, como a terrorista Dilma, que deveria estar presa. Assassina! Pessoa de maldade única, mas, graças a deus, nosso país, cada dia que passa, vai melhorando mais. Nós estamos nos livrando dessas coisas ruins", afirmou ele, da tribuna.

De acordo com o registro no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Zé Antônio PHV obteve 412 votos nas eleições municipais de 2020 e foi o menos votado entre os 17 vereadores eleitos. Este foi o primeiro pleito do qual ele participou. Até o fechamento desta reportagem, os manifestantes não tiveram retorno sobre a ação protocolada no MPF nem se será concedido o direito de resposta na Câmara dos Vereadores.

No último dia 4, estreou nos cinemas o filme "Marighella", dirigido por Wagner Moura. A obra foi rodada em 2017 e estava para ser lançada desde 2019. Foi inspirada na biografia "Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo" (Companhia das Letras), do jornalista Mário Magalhães.

Ouça, no Podcast do Portal Eu, Rio!, as ponderações da sanitarista Ana Miranda e da jornalista Denise Assis.

Por Daniel Israel
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