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No lugar de leilão, cariocas e turistas poderão conhecer a biblioteca de Carlos Lessa

Publicação de filho do economista e ex-reitor da UFRJ, morto em 2020, fez Prefeitura do Rio se mobilizar para adquirir os mais de 15 mil volumes da coleção, ainda sem destino confirmado

Por Daniel Israel em 22/11/2021 às 22:02:42

O economista Carlos Lessa. Foto: Facebook/Reprodução

O legado do economista Carlos Lessa, morto em 2020, aos 83 anos, vai fazer parte do patrimônio municipal do Rio. Com a revelação de que a Prefeitura pretende adquirir o arquivo deixado por ele, reunindo mais de 15 mil obras, a expectativa agora paira na instituição que vai receber o acervo.

A notícia veio à tona após Rodrigo Lessa, filho do ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), divulgar no sábado (20), em uma rede social que congrega amigos do pai, a realização de leilão onde seria arrematado o arquivo pessoal dele. No final de 2020, Rodrigo foi procurado pelo atual secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, que "manifestou interesse", mas a expectativa diminuiu nos primeiros meses de governo.

"Começamos uma conversa, mas imagino que o inicio do governo deva tê-lo tomado de mil tarefas e a conversa parou. A rigor, acho que foi uma decisão muito acertada do prefeito, posto que meu pai, como intelectual, foi um pensador apaixonado pelo Rio e pelo Brasil. Em seu livro, 'O Rio de todos os Brasis', ele explora a ideia do Rio como o espaço onde se forjou a identidade brasileira", conta.

Acervo | Memória da Eletricidade
Capa de "O Rio de todos os Brasis" (Record). Imagem: Divulgação

Antes de assumir o BNDES, onde ficou por um ano e dez meses, o carioca Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa foi reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre julho de 2002 e março de 2003, indicado para o posto por 85% da comunidade acadêmica. No dia da posse, conforme relato no Conexão UFRJ -site de notícias da universidade-, ele "entregou ao então ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, o que denominou 'Plano Emergencial para a UFRJ', propondo ações imediatas para eliminar riscos diretos à integridade física" encontrados nos diversos campi universitários. À frente da UFRJ, defendeu a autonomia universitária e é lembrado até hoje pela sugestão de criar um bloco de carnaval, o Minerva Assanhada, inspirado na efígie da instituição. Na época, a universidade decretou lutou oficial de três dias, em reconhecimento às contribuições que ele deu à UFRJ e ao Brasil.

Professor Titular da casa, Carlos Lessa foi gestor em diversas organizações estatais e privadas, do Itamaraty ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na última década, investiu na área de cultura e entretenimento ao se tornar proprietário do Casarão Ameno Resedá, casa de espetáculos reformada antes da reabertura por volta de 2012 no Catete Concluiu a graduação em Ciências Econômicas também na UFRJ, em 1959, o mestrado em Análise Econômica pelo Conselho Nacional de Economia e o doutorado em Ciências Humanas na Unicamp, 21 anos após o bacharelado.

"Com esse ato, o prefeito homenageia ao mesmo tempo a população da cidade, que terá acesso ao acervo da biblioteca, e ao meu pai", destaca o filho orgulhoso, que trabalha como músico: compositor, arranjador, produtor musical e instrumentista. Bandolinista e violonista, ele está lançando o sétimo álbum, intitulado "No jeito". Clique aqui para conhecer o trabalho do artista.

O músico Rodrigo Lessa. Foto: Arquivo pessoal

O presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon), Lincoln de Abreu Penna, exalta o gesto da Prefeitura do Rio. "O Lessa sempre foi muito querido no Modecon e nunca deixou de participar de eventos quando por nós solicitada sua presença. Creio que a preservação desse arquivo é de grande importância para a memória dos que se batem em defesa da soberania nacional e pela memória desse grande cidadão brasileiro, intelectual e professor de qualidades admiradas por todos e todas que com ele conviveram".

Amigo de Lessa, o engenheiro, ex-senador por três mandatos e ex-prefeito do Rio, Roberto Saturnino Braga, saúda a iniciativa de municipalização do acervo pessoal do economista. "Carlos Lessa foi uma das figuras mais destacadas do Rio pela sua capacidade de observação e exposição. Acho que é um patrimônio do Rio e, por conseguinte, eu aplaudo essa assunção. Sempre privamos muito de discussões, sobre o Brasil, a América Latina e o mundo", detalha ele, que governou a cidade de 1986 a 1988 e foi o primeiro eleito por voto direto para o cargo após a ditadura. "Suas palavras devem ser reanalisadas, rediscutidas, porque tem muita coisa privilegiada que ele disse durante toda a vida".

O Centro Celso Furtado (Cicef), do qual Carlos Lessa foi sócio-fundador, também se manifesta sobre a iniciativa, fruto de desejo pessoal do prefeito Eduardo Paes (PSD), e destaca a trajetória dele bem como sua relação com Furtado. "O Centro Celso Furtado vê com enorme alegria a encampação da biblioteca do professor Carlos Lessa pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Sócio-fundador do Centro, foi um dos maiores economistas da tradição estruturalista cepalina [referência a Cepal, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe], da qual Celso Furtado é o grande fundador, patrono e inspiração. Importante ressaltar que Lessa foi um homem de cultura enciclopédica e um apaixonado pelo Rio de Janeiro, paixão esta que se revelou através da publicação de livros, palestras e intervenções pessoais na preservação do nosso patrimônio arquitetônico", afirma o também economista Carlos Pinkusfeld Bastos, diretor-presidente do Cicef. "Essa grande biblioteca reflete a alma de um grande economista e intelectual brasileiro e esperamos que o livre acesso da população inspire nos jovens a mesma paixão do mestre pelo Brasil e pelo Rio de Janeiro, especialmente pela urgência de políticas desenvolvimentistas que potencializem sua fé inquebrantável nos brasileiros e nos seus amados cariocas".

Procurada, a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano enviou uma nota à reportagem detalhando a decisão e os "trâmites burocráticos" necessários antes de definir o destino da coleção.

"A Prefeitura do Rio, através da Secretaria municipal de Planejamento Urbano, já deu início aos trâmites burocráticos para a aquisição do acervo de mais de 15 mil livros do economista e intelectual, Carlos Lessa. A secretaria também já começou a planejar o local onde a coleção será guardada. A decisão para a compra dos títulos foi tomada pelo prefeito Eduardo Paes no final de semana", diz um trecho do texto.

O titular da pasta, Washington Fajardo, também prestou deferência a Carlos Lessa, neste momento em que a memória e o legado dele voltam a ser exaltados. "Carlos Lessa foi um intelectual e economista comprometido com as coisas do Rio, com o desenvolvimento do país, com o Centro histórico da cidade, a ponto dele mesmo se converter num investidor e recuperar várias áreas do Centro do Rio, como parte da Rua do Rosário. Ele deixou obras raras e muitas publicações sobre economia, desenvolvimento e história. Esta é uma biblioteca de valor público", afirmou.

Ouça, no Podcast do Portal Eu, Rio!, a opinião do ex-prefeito do Rio, Roberto Saturnino Braga, sobre a aquisição do acervo de Carlos Lessa pela atual gestão da Prefeitura.
Por Daniel Israel
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