Um lambe-lambe de 130 metros quadrados em homenagem a João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, irá ocupar o chão da Praça Marechal Âncora, no Centro, até o mês que vem. Produzida pelo artista visual Alberto Pereira, a obra “111: sento e onze” foi instalada no mesmo local onde o Almirante Negro (como João Cândido é conhecido) trabalhou, no século passado. A ação tem o apoio da Secretaria Municipal de Governo e Integridade Pública, por meio da Coordenadoria Executiva de Promoção da Igualdade Racial, e fecha o calendário do Novembro Negro Rio 2021.
A intervenção artística celebra os 111 anos da revolta liderada por João (ao centro na imagem), André Avelino (à esquerda) e Gregório do Nascimento (à direita). A grafia do título, propositalmente trocada, busca desconstruir o significado da grafia “cento” (cem mais dez) para “sento”, convidando os cidadãos a refletirem sobre o tempo passado desde a revolta e a prática da sociedade brasileira de sentar e passar por cima de sua própria memória histórica, sem lhe dar o devido valor.
Com dimensões aproximadas de 10,5 x 12,5 metros, a obra representa os três personagens centrais em posição de sentido, fazendo alusão imagética ao número 111. A escolha da Praça Marechal Âncora se deu por ter sido lá o local onde o Almirante Negro trabalhou como estivador após ser expulso da Marinha, carregando cestos de peixe.
“Temos pensado muito em como dar mais notoriedade às memórias e passagens históricas protagonizadas por pretos. Há uma enorme disputa colocada em curso no Brasil no que tange às figuras representadas no patrimônio público. João Candido é um herói da pátria, um homem negro revoltoso que marcou a nossa história, mas cujo feito foi invisibilizado. Na nossa cidade, a única homenagem a ele é a estátua localizada na Praça XV, e que merece também mais visibilidade. Apoiar esta intervenção artística é reiterar esta necessidade de ocuparmos o espaço público com a Cultura e a História”, afirma o coordenador executivo de Promoção da Igualdade Racial, Jorge Freire.
A Revolta da Chibata, iniciada em 22 de novembro de 1910, foi um movimento contra a aplicação de chibatadas por oficiais navais brancos como punição aos marinheiros negros. Embora os castigos físicos já houvessem sido abolidos pela Armada brasileira desde o início da República, a prática perdurou até a insurreição liderada por João Cândido.
O painel em homenagem aos marinheiros ficará na praça por um mês, até o dia 06 de janeiro. Por ser aplicada com cola branca PVA e cola em pó CMC, a obra não causará danos ao patrimônio público quando for removida. Após o fim da exposição, o lambe-lambe será redimensionado e re-estampado, para originar pequenos cartazes que serão comercializados.
“Para mim, esse é um trabalho que fala sobre tempo e passagem em muitos aspectos. 111 anos da revolta dos marinheiros por melhores condições, 52 anos da morte de um dos muitos heróis pretos continuamente silenciados em nosso país, 3 anos que aguardei para, enfim, conseguir realizar e o próprio tempo de vida do lambe e dessa ação. Todos eles passaram, passarão e ao mesmo tempo que vão embora, ficam. O corpo e o papel vão embora, mas a memória e ação ficam, todas com a finalidade de abrir passagem para novos tempos”, destaca Pereira.
Sobre o artista
Alberto Pereira é artista visual por vocação, bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com especialização em Pensamento Estratégico pela Universidade Estadual de Nova Iorque, e técnico em Design Gráfico pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Filho de um oficial da Marinha e de uma professora primária, nasceu no Rio de Janeiro em 1989 e foi criado entre Niterói, Rio, Brasília e Angra dos Reis.
Sua pesquisa artística utiliza abordagens baseadas na Colagem e na Semiótica, onde estudo, técnica e linguagem alinham-se em composições digitais, palavras e lambe-lambe, vertente da arte visual que utiliza o papel como ferramenta, plataforma e material de expressão.
Seus trabalhos foram apresentados em exposições individuais, coletivas, festivais de arte digital, urbana, chamadas públicas independentes e salões de arte contemporânea em países como Argentina, Brasil, Egito, França, Itália e Líbano. Sendo um dos principais nomes na técnica dos lambe-lambe no país, em 2016 criou a rede Lambes Brasil, focada na divulgação, valorização e produção de eventos e oportunidades aos artistas de rua produtores de cartaz urbano em território nacional. A rede coproduziu eventos e exposições na Argentina, Brasil, Egito, Líbano, além de promover iniciativas independentes em Goiânia, Manaus, Natal, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Fonte: Prefeitura do Rio