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Nas águas da Guanabara, uma baía exige despoluição

Ambientalistas se mobilizam em defesa da biodiversidade e dos manguezais

Por Sandra Peleias em 15/12/2021 às 15:30:53

Fotos: Divulgação

A Baía de Guanabara, que emoldura o Pão de Açúcar, na cidade do Rio de Janeiro, aguarda há 25 anos ações efetivas e projetos que possam recuperar totalmente as suas águas. Águas, na maior parte do tempo impróprias para banho, ameaçando não somente a saúde das pessoas mas a sobrevivência de espécies marinhas importantes, a biodiversidade e os manguezais. De relevância turística e esportiva mundial- foi cenário das Olimpíadas de 2016 – se depaupera a olhos vistos.

Se desenham para o futuro da Baía algumas ações como obras em andamento pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente, a criação recente do Instituto Rio Metrópole (IRM), a privatização da Cedae, e a elaboração de um projeto de Lei de autoria do Deputado Carlos Minc, com o propósito de acompanhar o trabalho de recuperação da Guanabara. Mas, a luta diária é de ambientalistas (biólogos, professores, cientistas e desportistas) que desenvolvem diversos programas para sua sobrevida.


“O carioca aceita o inaceitável”

“O pintor Paul Gauguin amou a luz da Baía de Guanabara. O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela. O antropólogo Claude Lévi-Strauss a detestou”. Trecho extraído da canção o Estrangeiro, de Caetano Veloso, revela o quanto esse cartão postal do Rio de Janeiro tem importância mundial.

“Nosso descaso, no entanto, é fruto de uma cultura de 500 anos de exploração estrangeira”, afirma o biólogo e professor Mario Moscatelli, que mantém o projeto OlhoVerde, de monitoramento aéreo do Rio de Janeiro.

De acordo com ele, a forma de pensar e interagir com o meio ambiente no país ainda é predatória, não havendo vontade política em transformar o meio ambiente em uma pauta prioritária. “Faltam investimentos em políticas habitacionais, saneamento básico e transportes. É preciso planejar. O que queremos para os próximos 50 anos?”.

Para Moscatelli, a sociedade também não exige tais políticas, daí a inapetência dos governantes e políticos. Cita o carioca, como exemplo: “carioca apresenta uma resiliência patológica, aceita o inaceitável. Vai à praia e não se importa. A degradação parece que faz parte da paisagem do Rio”.

Uma degradação apontada como extremamente preocupante por um estudo encomendado pela agência de notícia Association Press, em 2015, com vistas às competições no local pelas Olimpíadas de 2016 (realizadas no Rio de Janeiro). Pelo menos 1.400 atletas velejaram nas águas da Marina da Glória.


Naquela época, o resultado dos testes indicou altas contagens de adenovírus, rotavírus, enterovírus e coliformes fecais em algumas amostras. Esses são vírus conhecidos por causar doenças estomacais, respiratórias e outras, incluindo diarreia aguda e vômitos.

Alguns setores da sociedade se mobilizam há anos em defesa da Baía, travando uma constante luta por investimentos para sua despoluição. São cientistas, professores, ecologistas, ambientalistas, esportistas, alguns representantes da classe política, estudantes e Universidades.

“Sempre houve um grito de alerta que nunca ecoou junto aos que detém o poder de implantar as medidas necessárias à despoluição da Guanabara” -afirma Monica Carolina Cardoso da Silva, doutora em Ciências Biológicas e mestranda profissional em Ecoturismo e Conservação, responsável pelo desenvolvimento do projeto Navegando nos Saberes da Guanabara.

Educação Ambiental e Mutirão de Limpeza

O projeto que Monica vem desenvolvendo tem abordagem esportiva, turística e de educação ambiental. A ideia é transitar pela Baía de Guanabara, de canoa havaiana, criando roteiros turísticos-pedagógicos, aplicando conhecimentos de biodiversidade, de conservação e de educação. Ela atuará em parceria com a Associação Vagalume, que mantém mensalmente um mutirão de limpeza na Baía de Guanabara.


A Associação VagaLume Va’a é dirigida pelas atletas Giselle Banjar Leal e Letícia Cunha. O mutirão realizado por elas desde 2018 acontece sempre no último domingo de cada mês, das 6 às 9 horas. A ação recebe o apoio da Marina da Glória. “Todo o lixo que coletamos entra na coleta da rotina da Marina, que o envia a um depósito para seleção antes de ser encaminhado à uma empresa de reciclagem” – explica Giselle. Ela e Letícia dão aulas de canoagem e são atletas de ponta no esporte, competindo no país e no exterior.

Nesses anos de coleta, além de garrafas pet, canudos, copos de plásticos, tampinhas, o que mais chamou a atenção delas foi a grande quantidade de eppendorf (micro tubo de centrifugação) – usado para encapsular cocaína. “Já encontramos duas cápsulas cheias e intactas e diversas com vestígio da droga”, diz Gisele.

Quem sempre está de olho nas águas da Baía de Guanabara é o biólogo e professor Mario Moscatelli, à frente há 20 anos do projeto OlhoVerde: monitoramento aéreo mensal da região metropolitana do Rio de Janeiro, em parceria com a iniciativa privada.

Segundo ele, o OlhoVerde visa alertar as autoridades para a degradação contínua da Baía. Há 31 anos trabalha para a recuperação dos manguezais, atendendo a Lagoa Rodrigo de Freitas, o canal do Fundão, o Sistema Lagunar de Jacarepaguá (Rio de Janeiro) e o entorno do Aterro Sanitário de Gramacho (Duque de Caxias), desativado em junho de 2012. Um trabalho que abrange também a Ilha Grande, já no município de Angra dos Reis.

O resultado dessa dedicação é a recuperação de uma área estimada em 5.000.000 de metros quadrados de manguezais na zona costeira compreendida entre as baías de Guanabara e Ilha Grande”, esclarece.

Também desenvolve projeto de educação ambiental junto às crianças, em parceria com a Escola Carolina Patrício, na Barra da Tijuca, bairro carioca. Trata-se da produção de mudas a serem plantadas no Sistema Lagunal de Jacarepaguá. Sobre o esforço de todos esses anos em defesa do meio ambiente fluminense, ele avalia que “temos vitória no varejo e derrotas no atacado”.

Segundo Moscatelli, a enseada de Botafogo é uma latrina, suas fotos aéreas confirmam esse paralelo. Nessa área da Baía, o trabalho incansável do Movimento Enseada Limpa, em parceria com a Associação de Moradores de Botafogo, com a @viverbotafogo e o grupo de reflorestamento urbano.

O movimento Enseada Limpa, em parceria com a Associação de Moradores e Amigos de Botafogo, luta desde 2019 para desarquivar um processo junto ao Ministério Público Federal que trata da poluição das praias de Botafogo e Flamengo. Movido pela ONG Viva Cosme Velho, em 2009, o processo aponta vários problemas como a precária infraestrutura de saneamento da Zona Sul e a responsabilidade da Cedae pela poluição dos rios Banana Podre e Berquó. Rios que passam por Botafogo e se transformaram em grandes correntes de esgoto despejadas na enseada.


Expectativa de despoluição em cinco anos

Para o Deputado Estadual Carlos Minc (Partido Socialista Brasileiro-PSB), o Plano Metropolitano apontou soluções importantes para o saneamento definitivo da Baía de Guanabara. Essas soluções foram colocadas como meta no leilão da empresa estatal de saneamento (CEDAE). “De olho nessa questão, acabamos de preparar um PL para que haja transparência e controle social sobre o cumprimento dessas metas e que possamos, ao longo dos próximos cinco anos, ver a nossa Baía de Guanabara do jeito que ela merece. Recuperada, viva e preservada”.

O Deputado Estadual Carlos Minc é um dos parlamentares que mais atuam em defesa do meio ambiente. De 27 de maio de 2008 a 31 de março de 2010, foi Ministro do Meio Ambiente, no Governo Lula da Silva. De 2006 a 2008, nos Governos Rosinha Garotinho e Sergio Cabral, foi Secretário Estadual de Meio Ambiente. Sobre a Baía, diz o seguinte:

– A Baía de Guanabara é um dos nossos maiores patrimônios ambientais. Durante meus mandatos, sempre busquei fiscalizar as ações ambientais e propor leis que permitissem a preservação e a conservação da Baía.

Explica que, quando secretário, sua gestão acabou com todos os grandes lixões em torno da Baía de Guanabara: Gramacho, Babi e Itaóca. O que contribuiu para que milhares de litros de chorume deixassem de ser lançados na Baía.

– Em 2011, fizemos o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da REDUC (Refinaria de Duque de Caxias), no valor de 1,1 bi de reais e com 47 ações para mudar tecnologia, criar filtros biológicos e remover enxofre. Mais de 85% dessas medidas foram concluídas. A REDUC era a maior poluidora da Baía de Guanabara, poluía mais do que as 245 empresas reunidas no seu entorno. Essa ação reduziu muito a poluição de óleos nela e do ar na Baixada Fluminense. Muita coisa tem que ser feita, mas essas medidas são essenciais.

Segundo Minc, sua gestão também conseguiu um financiamento junto ao Banco Interamericano para o projeto PSAM (Programa de Saneamento dos Municípios no Entorno da Baía de Guanabara). “Nesse programa, tratamos de levar os esgotos às estações de tratamento que haviam sido construídas na época do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG). Infelizmente, com a falência do Estado do Rio, o programa não prosperou- lamenta.


Universidade do Mar e Instituto Metropolitano poderão integrar as ações voltadas para a despoluição da Baía

Instituições pública e privadas de ensino e pesquisa, com apoio da sociedade civil, estudam a criação da Universidade do Mar. Esta instituição poderá buscar soluções para as questões socioambientais do entorno da Baía. À frente do grupo está a Universidade do estado do Rio de Janeiro (UERJ), em parceria com o Movimento Baía Viva e a Associação de Moradores de Paquetá (Morena). Os grupos se mobilizam há dois anos e meio.

O ambientalista Sergio Ricardo de Lima, cofundador do Movimento Baía Viva, afirma que a Baía “se insere em um contexto urbano onde se concentra um número expressivo de universidades públicas e privadas do país, mas que não integram ações nesse sentido”. Segundo ele, a proposta da Universidade do Mar é promover parcerias e ampliar a compreensão da sociedade sobre dilemas existentes, potencializando soluções conjuntas.

O Mestrado Profissional em Ecoturismo e Conservação entrou como apoiador e parceiro do Projeto Universidade do Mar, em seu componente “Conexão ciência e juventude da Baía de Guanabara, através do processo seletivo do Programa Petrobras Socioambiental (2021), informa o professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro- UNIRIO- Carlos Augusto Figueiredo.

Caberá ao Instituto Rio Metrópole (IRM), criado este ano pelo Governo do Estado, alinhar as ações socioambientais promovidas por 15 cidades. Entre os projetos do Instituto há o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PEDUI/RMEJ). Com a privatização da Cedae, espera-se a despoluição da Baía de Guanabara em cinco anos, compromisso firmado em contrato com os vencedores do leilão, ocorrido em 30 de abril deste ano. Terão também que realizar investimentos em saneamento nas comunidades e não poderão aumentar a tarifa de água e esgoto acima da inflação.


Governo estadual: frentes de trabalho

De acordo com o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) o esgotamento sanitário é atribuição dos municípios e das concessionárias de água e esgoto e gestão de resíduos. Segundo nota da Assessoria de Comunicação (Ascom) do órgão, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade trabalha para contribuir e aumentar a cobertura de coleta e tratamento de esgoto em cidades do entorno da Baía de Guanabara, por meio do PSAM.

Em São Gonçalo, a pasta ambiental trabalha na implementação do Sistema de Esgotamento Sanitário de Alcântara. O escopo do trabalho contempla a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE); de um tronco coletor; implantação de rede coletora e elevatórias, além das ligações domiciliares das residências no entorno da obra. A estimativa é de que 1.200 litros de esgoto por segundo in natura deixarão de seguir para a Baía de Guanabara, o que representa cerca de 41 piscinas olímpicas de esgoto por dia que receberão tratamento. Data de término da obra não foi informada pela assessoria.

Outra frente de serviço em execução é a instalação do tronco coletor Faria Timbó, a fim de reduzir o lançamento de 1.049 litros de esgoto por segundo sem tratamento na Baía de Guanabara. Iniciado em 22 de março de 2020, a intervenção está prevista para ser concluída em dezembro de 2021.

Segundo a nota da Ascom, esta obra atenderá áreas dos bairros de Ramos, Bonsucesso, Olaria, Del Castilho, Inhaúma, Tomás Coelho, Engenho da Rocha, Higienópolis, Engenho Leal, Cavalcanti, Engenho de Dentro, Pilates, Maria da Graça, Encantado, Todos os Santos, Piedade, Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz, Marechal Hermes e Complexo Habitacional do Alemão.

Outra intervenção é a complementação do Sistema Alegria, com a construção do tronco coletor de esgoto Manguinhos, cujo projeto executivo está em fase de elaboração. As obras abrangerão a implantação de 4,6 km de coletor tronco para a captação de 1.293 Litros por segundo de esgoto, o equivalente a 44 piscinas olímpicas diárias. Após coletado, esse esgoto será destinado à Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) Alegria.

Essa iniciativa beneficiará cerca de 600 mil moradores dos bairros de Bonsucesso, Benfica, Jacaré, Jacarezinho, Engenho Novo, Lins de Vasconcelos, Méier, Riachuelo, Rocha, Mangueira, Sampaio, além dos Complexos de Manguinhos e Complexo do Jacaré. Não foi informada pela Ascom a data de término da obra.

Em abril de 2020, a pasta ambiental concluiu a construção do tronco coletor Cidade Nova. A obra contempla, aproximadamente, 163 mil habitantes dos bairros de Cidade Nova, Centro, Catumbi, Rio Comprido, Estácio e Santa Teresa.

Além disso, o Inea instalou 15 ecobarreiras na foz dos principais rios que deságuam na Baía de Guanabara. O objetivo é reter os resíduos sólidos flutuantes para que não cheguem à baía. Nos últimos cinco anos, as ecobarreiras retiveram cerca de 19 mil toneladas de resíduos para destinação ambiental adequada, diz a nota da Ascom.

SOS Baía

São dezenas de espécies botânicas, zoológicas e ictiológicas abrigadas na baía. São golfinhos, tartarugas-marinhas, bagres, paratis, sardinhas e tainhas, entre outros. As águas da baía se renovam em contato com as do mar, no entanto é a receptora final de todos os efluentes líquidos gerados nas suas margens e nas bacias dos 55 rios e riachos que a alimentam.

Sabe-se que existem em seu entorno pelo menos 14 mil estabelecimentos industriais, quatorze terminais marítimos de carga e descarga de produtos oleosos, dois portos comerciais, estaleiros, duas refinarias de petróleo, mais de mil postos de combustíveis e uma intrincada rede de transporte de matérias-primas, combustíveis e produtos industrializados permeando zonas urbanas altamente congestionadas.

É circundada pelos municípios de Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, São Gonçalo, Magé, Guapimirim, Itaboraí, Tanguá e partes dos municípios do Rio de Janeiro, Niterói, Nova Iguaçu, Cachoeiras de Macacu, Rio Bonito e Petrópolis, a maioria localizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Dos 260 km², originalmente cobertos por manguezais, restam hoje apenas 82 km². Alguns trechos foram aterrados, o que reduziu a capacidade de reprodução das espécies e causou assoreamento, reduzindo a profundidade da Baía, explicam ambientalistas.

A Baía também sofre com acidentes ambientais como vazamentos, a exemplo do que ocorreu em janeiro de 2000 (vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo). Em março de 2006, diante de uma mortandade de peixes e óleo invadindo a praia de Ramos, os moradores da região acusaram o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim por lavar os aviões e deixar óleo escoar para as águas da baía. O maior vazamento registrado foi em março de 1975, em função do acidente de navegação protagonizado pelo N/T Tarik Ibn Zyiad, quando seis milhões de litros de óleo contaminaram as suas águas.

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