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Cartunista conta que desistiu de publicar charges nas redes sociais após desfile de 7/9

Em depoimento a revista, além de dificuldades enfrentadas na pandemia, Ique detalhou alegrias e projetos encampados nos últimos dois anos

Por Daniel Israel em 15/12/2021 às 22:02:52

"Collor desembrulha o Palácio": charge que deu o primeiro Esso a Ique. Imagem tirada da internet

Nos primeiros dias de dezembro, o multiartista sul-matogrossense Victor Henrique Woitschach, conhecido pelo apelido de Ique, publicou um texto no site da revista “piauí”, em depoimento ao repórter Luigi Mazza.

Ao longo das linhas sob o título de “Cansei de lutar contra o moinho de venho”, Ique lamentou que as redes sociais mantivessem seus trabalhos restritos à “bolha” que o acompanha. “Sem o respaldo da imprensa, fiquei dando tiro sozinho. Só atingia a bolha, criada por um algoritmo. Me deparei com uma invisibilidade impressionante: eu desenhava uma charge de política, mas só as mesmas pessoas viam. O que vou fazer para aumentar meu público? Vou pagar a rede social para impulsionar a postagem. Aí eles acendem uma lâmpada na sua trincheira, e você fica mais visível por alguns momentos. Depois disso, mais tiros no vazio. É um jogo comercial em que você entra perdendo, sem chances”.

Aliada à pandemia, a incredulidade dos amigos que se revelaram saídos “dos bueiros, ralos, mostrando quem são de verdade”. “A verdade é que, como artista, estou exausto de lutar contra o moinho de vento – e sozinho. Na pandemia, tudo ficou mais sensível para mim. Pessoas que eu tinha como amigos me surpreenderam de maneira assustadora. Deixaram de ser minhas amigas porque passaram a ter um comportamento tão fascista quanto o do presidente”, afirmou, não sem mencionar o estopim que o levou a parar de divulgar este trabalho nas redes. “A gota d’água foi o Sete de Setembro”.

Última postagem do cartunista contendo charge política, há quase dois meses. Reprodução/Facebook

Histórico recente

Em 25 de outubro, Ique anunciava a última charge política de sua autoria que publicava nas redes sociais, acompanhada de texto onde resumia os motivos que ocasionaram sua decisão. “Mesmo não sendo uma atividade profissional regular, permaneci produzindo meu conteúdo. O fato é que as charges não têm mais impacto, nem espaço profissional nos meios de comunicação”. Naquela semana, o Portal Eu, Rio! noticiou a respeito da postagem do cartunista, que você pode ler clicando aqui.

A reportagem tinha entrado em contato com o artista, dias após aquela publicação, e ele comentou o desgosto que sente em relação ao funcionamento das redes. “Esse ritmo alucinado sem saber pra onde está indo, focado nos cliques e volume de seguidores, nos automatiza e impede de enxergar o quanto nos desumanizamos, e deixamos o mais importante de lado”, respondeu, a um mês do texto que publicaria na “piauí”.

A interação de Ique com seus seguidores em plataformas como Facebook e Instagram nos levou a procurar a opinião de Renato Aroeira, outro craque da charge política, que há três décadas acumula produção extensa sobre o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). “Eu compreendo a decisão do Ique porque nós estamos vivendo o ocaso da imprensa. Outra coisa é que a charge está perdendo um pouco o sentido de ser, qualquer órgão noticioso está menos disposto hoje a se arriscar com chargista do que há dez anos”, justificou. “Num mundo tão sensível, é muito difícil, tem que estar preocupado o tempo inteiro, a crítica tende a ser mal-interpretada. Ele nem tocou no assunto, mas o meme cumpre o papel da charge”.

Homem de imagens e letras, Ique Woitschach compartilha a alegria de ser avô pela segunda vez enquanto se aproxima de completar 60 anos, em fevereiro de 2022. Ao site da revista, ele declarou que está terminando um livro de charges e textos de humor produzido durante a pandemia, fora duas publicações infantis e a ideia de continuar se dedicando às esculturas. Botafoguense como João Saldanha, em 2009 o artista entregou ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a miniatura que esculpiu do “comentarista que o povo consagrou”, quando da inauguração da estátua – igualmente de sua autoria – à memória do radialista, ex-técnico da Seleção e do Botafogo, na Calçada da Fama do Maracanã. Estava junto com o vascaíno André Iki Siqueira, autor de biografia e, ao lado de Beto Macedo, diretor de documentário sobre Saldanha.

Radicado no Rio desde os 21 anos, quando chegou de Campo Grande (MS), Ique trabalhou como desenhista na empresa criada pelo trio Dedé Santana, Mussum e Zacarias, depois que romperam com Renato Aragão, o Didi. Em seguida, foi abraçado pelo ítalo-brasileiro Lan, seu mestre no cartum. Afastado da redação por um ano, Lan, falecido em novembro de 2020, confiou seu posto no “Jornal do Brasil” ao discípulo, que trabalhou no veículo de 1984 a 2010, até a extinção da versão impressa do diário. No meio do caminho, o sul-matogrossense levantou dois Prêmios Esso de Charge, em 1990 e 1991. O segundo ele ergueu na mesma cerimônia em que o “JB”, à época com um século de circulação ininterrupta, foi eleito a “Melhor Contribuição à Imprensa” daquela temporada.

Infelizmente, há uma década, um dos mais antigos do país, “o primeiro jornal brasileiro na internet” passou a ostentar apenas a página virtual. Voltou a ser lido em papel em 2018 e encerrou a impressão de exemplares pela segunda vez no ano seguinte.

"Brizola come na mão de Collor": o segundo Esso de Ique. Imagem tirada da internet

Ouça, no Podcast do Eu, Rio!, a opinião de Renato Aroeira sobre a decisão que levou Ique a desistir de publicar charges políticas nas próprias redes sociais.

Por Daniel Israel
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