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Equipe médica é acusada de esquecer placenta no ventre de puérpera, em maternidade na Baixada

Mãe e tia de jovem denunciam negligência e erro médico após o parto, incluindo jejum de 12 horas que teria sido dobrado sem justificativa

Por Daniel Israel em 23/12/2021 às 22:12:32

Hospital da Mãe é referência no atendimento a gestantes, na Baixada Fluminense. Foto: Secretaria de Estado de Saúde (SES/RJ)

Passados quase dez dias desde o parto, Taís Azevedo, 25, está internada no Hospital Estadual da Mãe de Mesquita. Mas não é porque se recupera após dar à luz ao primeiro filho. Logo que recebeu alta da maternidade, ela começou a sentir mau cheiro dentro do próprio organismo. No retorno à unidade de saúde, a parturiente descobriu que a equipe médica que realizou o parto normal esqueceu gaze e restos da placenta do bebê no ventre dela.

De acordo com relatos enviados pela avó, Ana Paula Albino, e a tia-avó do recém-nascido, Alessandra Albino, houve uma sequência marcada por negligência e erro médico contra Taís. Do momento da alta, na quinta-feira (16), ao retorno da jovem ao hospital, no dia seguinte.

“No dia 17, deu febre, de 38 graus. Corri com ela para o hospital, começou a botar sangue para fora, pedaços e mais pedaços. Chegamos, eles mesmos falaram – alguns, não todos – que tinham esquecido gaze dentro dela, então iria para a sala de cirurgia. Foi às pressas, tiraram a gaze, ela ficou na sala. Só que me ligou desesperada, dizendo que ainda tinha coisa dentro dela, uma enfermeira arrancou uma gaze – que diz que era um tampão – e que não conseguiu arrancar direito. Mandou ela ir para o banheiro, se abaixar e começar a puxar. Ela puxou todo o restante, foi para a cama”, detalhou Ana Paula, em áudio ao qual a reportagem do Portal Eu, Rio! teve acesso, e prosseguiu. “Ontem [Anteontem], dia 21, ela começou a se sentir mal, deitou na cama: era cheiro de podre puro. Água! A gente perguntou pra doutora, ‘isso é normal?’ Parecendo pus o sangue dela no absorvente, e eles dizendo que era normal”.

Na gravação, Ana Paula explicava que a equipe responsável abdicou do parto cesariano e se decidiu pelo normal. “Minha filha entrou no Hospital da Mãe dia 13, às sete da manhã. Deram remédio para induzir o parto dela. Quando foi oito horas da manhã do dia 14, trocou o plantão, chegou outra doutora, olhou pra ela e falou, ‘vou te ajudar, mãezinha, porque o seu bebê está em sofrimento’. Colocaram ela quase no chão, ali mandaram ela fazer força. O bebê dela veio ao mundo, mas roxo, sem chorar, nada”.

Uma em cada quatro mulheres brasileiras disse ter sofrido violência obstétrica: foi o que revelou pesquisa de 2010. Imagem: FPA e Sesc/Reprodução

Violência obstétrica

O caso de Taís não é isolado, fazendo parte do que se convencionou chamar violência obstétrica. Segundo a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero e espaços público e privado” (2010), realizada pela Fundação Perseu Abramo (FPA) e o Serviço Social do Comércio (Sesc), uma em cada quatro brasileiras já foi submetida a maus-tratos físicos, psicológicos ou ambos. Já no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Saúde (MS), sob a gestão do ortopedista Luiz Henrique Mandetta (2019-2020), sugeriu a extinção do termo em maio de 2019, por considerá-lo “inadequado”. Imediatamente, veio o posicionamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), durante a 317ª Reunião Ordinária do órgão. A manifestação se deu por meio da Recomendação N. 024, oficializada em 17/5 daquele ano.

De acordo com o posicionamento do órgão federal independente, “o alto índice de cesarianas configura violência obstétrica, as cesarianas desnecessárias expõem a mulher a três vezes mais o risco de morte por parto”. “O documento aponta ainda que muitas mulheres são submetidas ao uso do soro de ocitocina (36,5%) para acelerar o trabalho de parto, em desacordo com as Boas Práticas de Atenção ao Parto e ao Nascimento”, dizia o texto, disponível no site do CNS, numa referência ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estipula desde 1996.

No momento de extrema sensibilidade, que diz respeito à realização de um sonho pessoal, o descaso envolvendo Taís Azevedo demonstra a vulnerabilidade das mulheres no Brasil – sobretudo pobres e pardas ou pretas –, embora a maioria de cada grupo étnico, a partir da pesquisa conjunta, tenha declarado que não sofrera violência de qualquer tipo: no total de 100 mulheres por etnia, 29 pardas responderam afirmativamente, enquanto pretas foram 14.

“Eu fui ver o acompanhamento do bebê, e ela [Taís] ficou na sala. Nisso, diz a doutora, ela tinha colocado todas as placentas para fora e colocou ela deitada na cama. Começou a costurar, daqui a pouco ficou assustada, porque pensou que tinha pegado o períneo dela, lá dentro. Aí, chamou outro doutor, vieram dois médicos, ‘não aconteceu nada’, o outro, ‘não, está esquisito’. Eu perguntei, ‘doutora, tem quantos pontos?’, [ela respondeu] ‘aqui tem 40 pontos’. ‘Epa! Praticamente uma cesariana’.

A reportagem entrou em contato com Ana Paula, às 20h09 de quarta-feira, e ela nos informou que a filha estava desde o dia anterior sem ingerir qualquer alimento, aguardando para ser submetida a nova cirurgia. “Ninguém dá uma resposta de nada”, lamentou ela.

“Uma doutora chegou e falou que ela não é prioridade, que tem pessoas mais graves na frente dela. Já fui na parte da assistente social, falar com a Administração, Taís está cheia de dor de cabeça, toda branca, anêmica”, denuncia a mãe da jovem.

Hoje, devido à quantidade de sangue que perdeu no parto - fato que acarretou a anemia -, Taís ficou sabendo que precisará fazer transfusão de sangue. Por pelo menos sete dias, até a próxima quinta-feira (30), ela vai tomar doses mais fortes de antibiótico.

Assista, no vídeo a seguir, ao testemunho de Alessandra corroborando as informações dadas pela irmã.


Entramos em contato com o Hospital Estadual da Mãe de Mesquita, que nos respondeu quase 24 horas após a publicação desta reportagem, por meio da Secretaria de Estado de Saúde (SES/RJ). A nota contraria o que afirma a família de Taís, dizendo que “não houve esquecimento de gaze, e sim a colocação de um tampão vaginal (procedimento usado em obstetrícia)”. “A paciente foi submetida, em 22/12, a uma curetagem uterina, que não foi realizada antes devido à necessidade de jejum. Tais está internada na enfermaria, evoluindo sem complicações. A chefia da clínica de obstetrícia permanece à disposição da família para qualquer esclarecimento de que necessitem”, encerra.

Também solicitamos resposta à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e à seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ). Ambas estão em recesso, porém a Defensoria esclareceu que, por meio do Plantão, está atendendo “apenas a casos de vida ou morte”. O funcionário com quem falamos pelo telefone da Defensoria (129) explicou que para o caso de indenização, “é necessário aguardar até o retorno do recesso, em 7 de janeiro de 2022”.

No caso da OAB/RJ, conseguimos falar diretamente com uma advogada que atua na gestão do presidente da entidade, Luciano Bandeira, reeleito em novembro de 2021. A profissional orientou a família de Taís Azevedo a providenciar boletim médico, de preferência com carimbo do hospital, atestando que ela está internada, e em seguida registrar ocorrência na delegacia mais próxima.

Conselho Nacional de Saúde (CNS) se opôs à extinção de termo. Imagem: CNS/Reprodução

Histórico negativo

Desde 2015, pelo menos duas denúncias contra o Hospital Estadual da Mãe de Mesquita, especialmente uma tão grave quanto a de Taís, foram veiculadas na imprensa. A primeira relatava o caso de cesariana feita às pressas, que ocasionou a morte do segundo filho de Andréia Justino. Grávida de nove meses, ela perdeu o bebê André, que veio a óbito 36 minutos após o parto. Segundo a mãe, a médica disse para ela não se preocupar com o sangramento que tinha, além de fortes dores no corpo, e recomendou que voltasse para casa. O recém-nascido morreu no dia seguinte.

Já a segunda, noticiada em 2020 por mais de um veículo, trazia a informação de que familiares de grávidas que chegavam para parto cesariano eram avisadas da falta de material bem como sobre instrumentos reutilizados, quando deveriam ser trocados. Fonte anônima ouvida na época citou que havia atraso no pagamento dos funcionários, tanto efetivos como terceirizados.

Programa "Não Se Cale", do Governo do Mato Grosso do Sul (MS): estado é reduto eleitoral do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Imagem: Reprodução/Governo do MS

Ouça, no Podcast do Portal Eu, Rio!, as graves acusações feitas por Ana Paula Albino contra a equipe médica do Hospital Estadual da Mãe de Mesquita (RJ) que realizou o parto normal de sua filha, Taís Azevedo, na quinta-feira passada (16).

Por Daniel Israel
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