Neste sábado (15), completa uma semana que o deslocamento de uma rocha no município de Capitólio (MG) tirou a vida de dez pessoas e deixou 32 feridas. Como se pode ver em fotos e vídeos, as lanchas atingidas, de propriedade de operadoras de viagem locais, estavam muito perto do paredão rochoso. É possível observar que presentes em outra lancha tentam avisá-los e pelo menos uma tenta dar a partida quando a estrutura está perto de tocar a embarcação.
Desde novembro de 2020, os registros que tornaram o lugar famoso nos últimos cinco anos passaram a ser amplificados. Em setembro de 2021, a inauguração da mais uma etapa do Parque Mirante dos Canyons, que contou com a presença do secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas Oliveira, e começou pela instalação de circuito de tirolesa e canionismo no Parque de Contemplação Mirante dos Canyons, tende a atrair cada vez mais a atenção de viajantes interessados em conhecer a cidade de, segundo estimativas de 2020, 8,6 mil habitantes. Em feriados e alta temporada, aponta-se que, entre residentes e visitantes, 50 mil pessoas estejam na cidade.
Foram investidos R$ 135 milhões nessa primeira parte da iniciativa dos empresários João Vitor Karam e Jorge Abukater, incluindo as atrações abertas desde fins de 2020, como ponte suspensa e trilhas que levam a piscinas de águas naturais. Proprietário de empreendimento semelhante em Santa Clara d'Oeste (SP), cidade de 2 mil habitantes na divisa com o Mato Grosso do Sul (MS), Abukater disse à reportagem do jornal mineiro "O Tempo", no segundo lançamento, que "já está com todas as licenças aprovadas por órgãos ambientais, como o ICMBio".
A ocupação humana, então, pode se tornar inviável até 2026, quando está prevista a finalização do complexo turístico, que vai incluir a construção de mais dois parques - um de aventuras e outro aquático - e um resort com 314 quartos.
Localizada no Parque Nacional da Serra da Canastra, na região sul de Minas Gerais, Capitólio presencia o que a engenheira ambiental Mayumi Kurimori classificou, em entrevista ao Grupo Bandeirantes, como "turismo predatório". Esse tipo de experiência é efeito da inexistência de preocupação por parte de quem responde pela atividade turística em relação à sustentabilidade - tanto para a população local como o ambiente natural -, prejudicando o destino em todos os aspectos.
Formada na Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP), em Lorena (SP), ainda em 2018, na monografia cujo objetivo era analisar impactos socioambientais do turismo em Capitólio, ela concluiu que "100% dos entrevistados possuem a percepção que a atividade traz impacto negativo para o meio ambiente, sendo a lotação excessiva dos atrativos naturais o mais citado".
No total, Mayumi entrevistou 52 pessoas, entre poder público, empresários e capitolinos em geral. Atualmente, ela trabalha na VaiViver Ecoturismo e Aventura, que ajudou a fundar em 2016.
"Nossa empresa surgiu antes do trabalho [acadêmico]. Capitólio era um dos nossos principais destinos, porém percebemos que estávamos compactuando com o turismo predatório e encerramos as atividades", conta à reportagem do Portal Eu, Rio!, dizendo que a desistência foi consumada no mesmo ano em que se graduou. "O trabalho nasceu como uma forma de compensação às nossas idas na cidade. Meu objetivo foi mostrar para os poderes público e privado como o turismo poderia ser melhorado".
Assista abaixo a uma apresentação institucional do Parque de Contemplação.
Hoje (14), o Ministério Público Federal (MPF) solicitou às prefeituras de três municípios no entorno do Lago de Furnas - São João Batista do Glória e São José da Barra, além de Capitólio - a interdição do acesso aos cânions, até que seja realizado mapeamento geológico e providenciado laudo técnico que comprove a segurança para navegação e turismo no local. Após 15 dias, se os Executivos municipais não responderem, o MPF poderá acionar a Justiça Federal para obrigar que as medidas sejam adotadas.
Responsável por cuidar da navegação e conservação da orla nos cursos d’água, a Marinha do Brasil, que possui unidade da Delegacia Fluvial em São José da Barra, também foi oficiada e deverá responder sobre o trabalho realizado no local, enquanto a empresa Furnas Centrais Elétricas, incumbida da geração de energia elétrica no Lago, precisará apresentar o mapa geológico do local. Ambas têm cinco dias para retornar ao órgão fiscalizador.
O presidente da seccional da Associação Brasileira de Agências de Viagens em Minas Gerais (ABAV-MG), Peter Mangabeira, lamenta que "o homem está sendo vítima dos próprios erros".
"A gente tem o poder de orientar os nossos clientes e só procura quem é credenciado. Cinco ou seis agências de Capitólio são parceiras da ABAV-MG, mas não associadas à entidade. Nunca tivemos um parceiro nosso de Capitólio que pediu apoio", revela ele, ressaltando ser a primeira vez que esse tipo de acidente ocorre na cidade.
Breve explicação
O geógrafo e professor da PUC-Rio, Marcelo Motta, explica que o deslocamento de rochas é "natural, comum".
"Porém, vai acontecer num ritmo que responde às chuvas fortes, apesar de que esses processos acontecem ainda em tempo seco. Porque é uma característica dessas rochas quartzíticas terem planos de fratura bastante profundos e com muita quantidade. Essa fratura vai se deslocando por ação do intemperismo físico [chuvas] e muitas vezes biológico (raízes de árvores), mas não há processo químico de degradação da rocha. As fraturas, quando preenchidas de água, sofrem a pressão e promovem o deslocamento desses blocos", detalha o especialista.
O Lago de Furnas se formou a partir de inundações promovidas pelos governos brasileiros, na década de 1940, visando à geração de energia elétrica a partir da construção de usinas hidroelétricas e consequente formação de represas na região. Com isso, cidades inteiras estão submersas a atrativos turísticos, por exemplo o Mirante do Canyon. Capitólio, por sua vez, foi emancipada em 1948.
O avanço tecnológico e a descoberta de novas fontes, porém, fez esse modelo energético deixar de ser invocado em todo o mundo - assim como o termoelétrico, que se dá pela queima do carvão -, com base em justificativas ambientais, climáticas e de saúde pública.
"O fato de ter um reservatório criou condição de subida do lençol freático. Isso também percola [adentra] por essas fraturas, então enchem mais rápido. Na verdade, é um somatório de fatores: as chuvas, que em Minas Gerais nesse verão estão caindo com muita intensidade, junto a uma condição de reservatório. Ali, são muitas encostas e por obrigação do licenciamento ambiental, é necessário uma vistoria geotécnica. Isso na época de construção do reservatório e do relatório de impacto ambiental, do EIA-RIMA da represa. Só que no tempo de construção do reservatório, é provável que nem tenha tido porque é antes da lei de EIA-RIMA", prossegue Motta, citando o Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental.
"Mas para que possa desenvolver uma atividade de turismo dentro do reservatório, isso é um estudo de vistoria que deveria ser conduzido - de deslizamento das rochas, fraturas - bem como, se necessário, obras de contenção. Tudo, na verdade, compõe um plano de manejo do turismo, que prevê tanto o isolamento de áreas quanto quando estiver sob chuva forte. A estação chuvosa deve ser conduzida de maneira diferente da estação seca", destaca.
Em novembro de 2021, o "Globo Repórter" exibiu um programa dedicado à exploração do turismo de aventura no município, inclusive do alto do Mirante dos Canyons, apresentado pelo poder público local como "o cartão-postal de Capitólio". Entramos em contato com a equipe que produziu o episódio, porém uma jornalista esclareceu que a TV Globo não a autorizou a falar.
O secretário de Desenvolvimento Sustentável - Turismo, Cultura, Agricultura e Meio Ambiente de Capitólio, Lucas Arantes, não respondeu se existe planejamento para o desenvolvimento do turismo na cidade nem como se deu o contato com a dupla de empresários visando à construção do projeto Parque Mirante dos Canyons. Neto do primeiro prefeito da cidade, Joaquim Arantes, Lucas é um dos proprietários do Casarão Hostel; ele divide sua rotina de empresário com a de gestor público, o que configura conflito de interesse.
Assista, no vídeo abaixo, à íntegra do "Globo Repórter" que foi ao ar em 26/11/2011.
Ouça, no Podcast do Portal Eu, Rio!, as impressões do geólogo Marcelo Motta sobre o que ocorreu no último sábado (8) em Capitólio (MG).