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O casamento profano entre liberalismo econômico e o positivismo

Liberalismo econômico é modelo de governo do presidente eleito Bolsonaro

Por Kaio Serra em 29/10/2018 às 13:16:45

Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

"Ordem e Progresso" é o slogan que estampa a Bandeira do Brasil. O slogan foi idealizado quando o Brasil se tornou uma república em 1889 sob a influência do positivismo, um conjunto de ideias associadas ao filósofo francês, Auguste Comte.

Os positivistas acreditavam que o governo deveria ser integrado por uma elite "científica" de alto nível, traria sociedades industriais modernas, sem violência ou luta de classes.

Na Europa, o positivismo não passou de uma nota de rodapé. Mas foi extremamente influente na América Latina, principalmente no Brasil e no México. Combinou o desejo de um governo central forte com uma concepção de sociedade como um coletivo hierárquico, em vez de, simplesmente, indivíduos livres.

O fato é que o positivismo apresenta o liberalismo como um "mito funcional" nas repúblicas latino-americanas. Na prática, o liberalismo econômico se tornou verbal nas constituições, mas foi ignorado pela prática política, e é neste sentido que Bolsonaro pretende agir.

No entanto, o divórcio entre as ideias de liberdade política e econômica na América Latina foi em parte uma consequência da dificuldade da região em criar economias de mercado prósperas e democracias estáveis ??baseadas na igualdade de oportunidades. Mas também a não aplicação deste mesmo liberalismo é a causa de tal fracasso.

Os liberais aboliram a escravidão e a servidão a que os indígenas foram submetidos nos Andes e no México, mas o campo permaneceu polarizado entre latifundiários e trabalhadores contratados. André Rebouças, líder do movimento abolicionista brasileiro (vale lembrar que a escravidão no Brasil só foi extinta em 1888), previa uma "democracia rural" resultante da "emancipação do escravo e sua regeneração através da propriedade da terra", aos moldes do positivismo. Isso nunca aconteceu.

Os positivistas rejeitaram a crença liberal no igual valor de todos os cidadãos e absorveram o "racismo científico" e o darwinismo social em voga na Europa do final do século XIX. Eles viram a solução para o atraso latino-americano na imigração de trabalhadores contratados europeus brancos, o que inicialmente impediu um aumento nos salários rurais para ex-escravos e servos.

Canudos: Uma lição ignorada

A elite positivista, que governava a jovem república brasileira, foi humilhada por uma rebelião em 1896. Um pregador messiânico monarquista em Canudos, interior do Estado da Bahia, obrigou que o Governo Federal enviasse quatro expedições militares para a pequena cidade. A última envolvendo 10 mil soldados e artilharia pesada esmagou Canudos a um custo de mais de 45 mil mortos. Os defensores sobreviventes tiveram as suas gargantas cortadas após a rendição.

Euclides da Cunha, um oficial do exército que se tornou jornalista, descreveu os eventos de Canudos no livro "Os Sertões". De acordo com os relatos de Euclides, a campanha militar seria um "crime" se não fosse seguida por "uma constante, persistente, teimosa campanha de educação" para atrair esses "rudes e atrasados compatriotas para... nossa vida nacional".

Essa foi uma resposta liberal de um escritor positivista, no entanto, mais uma vez, o dito não ocorreu. Tanto os civis sobreviventes de Canudos quanto os soldados federais foram abandonados à própria sorte. Os Veteranos chegaram na então Capital, Rio de Janeiro, com as mãos vazias e, então, montaram as primeiras favelas da cidade, que logo foram preenchidas com migrantes do norte e nordeste. Essa favela ficou conhecida como Morro da Providência.

A ideia de liberalismo nunca morreu na América Latina, mas durante o século 20 muitas vezes se perdeu. Com a industrialização e a influência do fascismo europeu, o positivismo transformou-se em corporativismo, no qual a liberdade econômica rendeu-se à organização estatal da economia, bem como a sociedade, em unidades funcionais não concorrentes (sindicatos e organizações patronais, por exemplo). O corporativismo, com o poder concedido à funcionários de todos os tipos, atraía muitos militares da região.

Isso ficou claro quando muitos países sofreram ditaduras nas décadas de 1960 e 1970. O regime militar brasileiro tentou adotar o liberalismo econômico, especialmente sob a égide de Mario Henrique Simonsen, um brilhante economista (e um dos tutores de Paulo Guedes, ministro da economia no Governo Bolsonaro).

Simonsen tentou, por duas vezes, impor reduções fiscais e monetárias para conter a inflação, mas foi embarreirado por Antônio Delfim Netto, que favoreceu a expansão por meio de dívidas, o que custaria ao Brasil "uma década perdida" nos anos de 1980. A ditadura ignorou os pedidos de Euclides da Cunha: deixou um quarto das crianças entre 07 e 14 anos fora da escola.

A exceção ao corporativismo militar foi a ditadura pessoal do general Augusto Pinochet no Chile, de 1973 a 1990. Pinochet sentiu, com razão, que o corporativismo exigiria que ele compartilhasse poder com seus colegas militares. Em vez disso, ele convocou um grupo de economistas civis, apelidados de "garotos de Chicago", já que vários estudaram na Universidade de Chicago, onde a economia libertária de Friedrich Hayek e Milton Friedman dominava.

Os garotos de Chicago aplicaram os princípios do liberalismo no Chile, cuja economia havia sido destruída pela irresponsabilidade de Salvador Allende, um socialista democrata derrubado por Pinochet. Seu programa acabaria por estabelecer as bases para o Chile se tornar a economia mais dinâmica da América Latina na virada do século.

Eles reduziram as tarifas de importação e o déficit fiscal, que caiu de 25% em 1973 para 1% em 1975. Eles privatizaram centenas de empresas, sem levar em conta a concorrência ou regulamentação. Preocupados com a demora da queda da inflação, estabeleceram uma taxa de câmbio fixa e supervalorizada.

Algo semelhante aconteceu no Peru sob a presidência de Alberto Fujimori, que governou de 1990 a 2000. Ele enviou tanques para fechar o Congresso e promover um programa econômico radical de livre mercado. Mais uma vez, isso lançou as bases para uma economia dinâmica.

Separar a liberdade econômica e política pode parecer um atalho para o desenvolvimento. Mas na América Latina raramente ocorreu. No entanto, hoje há uma demanda por um governo forte que aplique de fato os ideais da liberdade econômica.

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