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Planejamento urbano teria evitado a tragédia em Petrópolis, dizem especialistas

Ocupação desordenada das encostas e a ausência de investimentos para prevenção de desastres agravaram a tragédia vivida pelo povo petropolitano

Por Anderson Madeira em 18/02/2022 às 20:15:00

Fotos: Jorge Hely/Agência Eu, Rio!

Para os geólogos especialistas em solo entrevistados pelo Portal Eu, Rio!, embora o temporal que atingiu Petrópolis, na Região Serrana, tenha sido atípico e provocado pelas mudanças climáticas no mundo, a falta de planejamento urbano, a ocupação desordenada das encostas e a ausência de investimentos para prevenção de desastres agravaram a tragédia vivida pelo povo petropolitano. Medidas que foram prometidas há 11 anos, se tivessem sido cumpridas, teriam amenizado os efeitos da chuva.


É o que pensa o geólogo Fernando Amaro Pessoa, doutor em Geografia pela UFRJ e professor do Cefet/RJ, campus Petrópolis. “Trata-se de um evento climático extremo, com a maior chuva já registrada em Petrópolis. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), choveu 260mm em apenas seis horas. Porém, esse fato sozinho não explica a tragédia, tendo em vista as questões de ocupação da terra envolvidas, atreladas a uma falta de planejamento e investimentos por parte dos órgãos competentes”, afirma.

“Essa quantidade de chuva, associada à vulnerabilidade por conta do relevo e ocupação desordenada das encostas, além da falta de planejamento na dinâmica das bacias hidrográficas e nas intervenções/ocupações nas margens dos rios, contribui no entendimento da tragédia ocorrida. Cabe destacar a omissão das autoridades, com investimentos não realizados apesar dos inúmeros estudos já existentes. Prevenção e gerenciamento de riscos frente a eventos como esse, que tendem a ser mais frequentes e de maior intensidade, são cada vez mais urgentes”, explica.

“As elevadas taxas de precipitação saturam rapidamente os solos rasos das encostas, resultando em escoamento superficial. Na base dessas encostas, ocupadas com habitações e com substrato impermeabilizado, o escoamento passa a ficar concentrado e canalizado nas vias públicas. Isso faz com que rapidamente a água da chuva alcance os rios principais, no caso Quitandinha e Palatinato, que, canalizados e assoreados, não dão conta da vazão e extravasam rapidamente, ocupando sua planície de inundação na área mais urbanizada da cidade. Resultado: movimentos de massa como deslizamentos e enxurradas nas encostas e suas bases; e inundação nos canais dos rios e suas margens”, acrescenta o geólogo.

Fernando Pessoa lembra que em 2017, a Prefeitura de Petrópolis apresentou o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), que fez um levantamento completo das áreas de risco do município e das ações para mitigação de desastres. Ou seja, os riscos já eram conhecidos do poder público.

“O plano listou 234 locais considerados de risco alto ou muito alto para deslizamentos, enchentes e inundações, área crítica que equivale a 18% do território de Petrópolis. É fundamental que o município realize os investimentos necessários para uma ocupação mais adequada em relação às suas características de relevo, dinâmica climática e cobertura vegetal, com destaque para uma política habitacional justa e projetos de promoção de percepção de risco por parte da população. De acordo com os investimentos que já existiam em política habitacional e as áreas de risco que já tinham sido apresentadas ao município, a tragédia poderia - de não evitada totalmente - poderia ter consequências menores. Não dá pra dimensionar, mas a quantidade de mortos e desaparecidos, todo o prejuízo financeiro, com todos os dados e possibilidades de investimentos existentes para prevenção de desastres, não é aceitável em hipótese alguma”, conclui.


De acordo com a professora de Geografia Sarah Lawall, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o temporal foi causado pelas mudanças climáticas e há riscos de novos deslizamentos. “A influência no tempo de recorrência das chuvas intensas e eventos externos, que serão mais comuns, segundo estudos recentes, afetam diferentes localidades, como aconteceu em Petrópolis”, conta.

“Os riscos que a cidade corre para ter um novo deslizamento são grandes. Dependendo da quantidade de chuva que chegar até a cidade, porque o solo já está encharcado, existe uma condição de instabilidade do terreno e do entorno, onde há as cicatrizes de escorregamento. Então, a probabilidade de ter novos eventos são grandes. O solo encharcado é um condicionante geológico para que aconteça esse tipo de desastre natural. O movimento de massa é processo natural de evolução do relevo. É normal acontecer. A gente tem uma combinação: o lugar instável por condições da geologia, relevo acidentado e rochas com falhas de alívio de pressão que desplacam, porque a maior parte delas foram formadas no interior da terra. Com a separação da África e da América, se soergueram e vieram até a superfície”, explica a professora.

“Então, existem solos espessos, rasos e rochosos que desplacam da sua origem. Eles passam por um processo de trincamento, formando blocos soltos, onde o solo vai se formando em torno deles e cria um ambiente de muita instabilidade. Aí você tem um terreno instável, com volume de chuva acima do normal, extrema, que está cada vez mais curto em relação ao tempo. Em Petrópolis tivemos um evento de alta magnitude e de baixa frequência, só que esta está sendo cada vez mais encorpada, desde 2011 até 2022. O solo não aguenta nestas condições seis horas de chuva perfazendo 260 milímetros. Para além disso, tem a ocupação. É preciso deixar claro que os escorregamentos são processos naturais. Mas a ocupação dos lugares onde há maior probabilidade ou vulnerabilidade para ocorrência deste tipo de desastre, deste tipo de evolução do relevo, não é normal”, afirma Sarah.

A especialista defende melhor planejamento urbano. “Falta um pouco de planejamento urbano para que se evite a ocupação de áreas de risco. Você primeiro precisa saber onde tem as áreas de risco. A população mais carente é a que mais ocupa as encostas, pois sobem cada vez mais e não fazem as suas estruturas, as casas cravadas nas rochas e aí torna-se mais instável. Com isso, acontece a ocupação dessas áreas de forma irregular e espontânea. Falta gerenciamento de riscos”, cita. “Por exemplo, ontem foram tocadas as sirenes. Para onde estas pessoas se deslocam? A população precisa entender a paisagem onde ela mora e ser orientada no que fazer quando acontece determinado evento. Para onde vai e onde procura ajuda? A gente precisa de centros de acolhimento especializados neste tipo de ocorrência”, sugere.


Para o engenheiro civil Maurício Ehrlich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o que aconteceu este ano é diferente do que ocorreu em 2011, que atingiu toda a Região Serrana. “Em 2011, foi atingido o interior da Serra dos Órgãos e acabou afetando também Nova Friburgo, Silva Jardim e Teresópolis. Agora, atingiu a Serra do Mar, que é voltada para o Oceano Atlântico. Ou seja, não tem muitas semelhanças. O que acontece neste momento é que houve a queda de barreira, que fez a água chegar até os rios, fazendo-os transbordar. É preciso que sejam feitas obras de microdrenagem no solo e drenagem dos rios. Isso ajudaria a firmar o solo. O reflorestamento é uma medida interessante, pois as raízes mais profundas também ajudam a firmar o solo e impedir deslizamentos”, explica.


Por Anderson Madeira
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