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Articulações populares lideradas por mulheres camponesas destacam relevância da agricultura familiar no Cerrado

Reportagem especial de site conta como mulheres de grupos tradicionais que vivem no bioma preservam costumes ao mesmo tempo que garantem autonomia financeira para suas famílias e comunidades

Por Portal Eu, Rio! em 22/02/2022 às 12:08:31

"Nossa bandeira é manter o Cerrado em pé e ajudar as comunidades usando as plantas medicinais nativas”, afirma a raizeira Lucely Pio. Foto: De Olho nos Ruralistas/Divulgação

Dois movimentos bem diferentes mostram como as mulheres têm se mobilizado no Cerrado pela manutenção do território e preservação do ambiente a partir dos conhecimentos tradicionais.

De um lado, a Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado, conhecida como as Raizeiras do Cerrado, um movimento fundado em 1999 que reúne mulheres de seis estados em torno da manutenção do conhecimento tradicional das plantas medicinais. Do outro, as Retireiras do Araguaia, movimento das comunidades tradicionais no município de Luciara (MT) fundado em 2018, e que está conseguindo ampliar a renda das famílias com o resgate do artesanato.

De Olho nos Ruralistas divulgou na semana passada um levantamento inédito dos movimentos com protagonismo de camponesas representado nos próprios nomes: “Brasil tem pelo menos 27 movimentos de camponesas“. Além dessas articulações, os núcleos femininos e a liderança de mulheres em grandes organizações também têm crescido.

Site relaciona organizações lideradas por mulheres ou inspiradas nelas. Imagem: De Olho nos Ruralistas/Divulgação


Retireiras escolhem símbolo

Os retireiros e retireiras do Araguaia são de uma comunidade tradicional cuja essência é a criação de gado familiar em pastagens naturais, contrária à pecuária extensiva. Desde a década de 1940, esse modo de vida em Luciara é passado de pai para filho, com a figura masculina como protagonista. Mas, em 2018, as mulheres da comunidade resolveram se unir para se autoafirmar e fortalecer a luta junto aos homens.

Detalhe do trabalho das Retireiras do Araguaia. Foto: Instagram/Reprodução

“O bordado sempre foi passado de mãe para filha como instrumento de trabalho e sustento econômico”, explica Lidiane Taverny Sales, uma das integrantes das Retireiras do Araguaia. “Mas o bordado também fortalece a luta pelo território, por isso usamos o ipê amarelo como símbolo e marca, além de estampas que retratam plantas e animais da região”. Os bordados são únicos, nunca padronizados, sempre autorais.

Desde 2013 a comunidade vem sendo pressionada para desocupar suas terras, situação que se agravou sob o governo de Jair Bolsonaro. A reunião das filhas, irmãs, mães, netas e esposas de retireiros, a partir do compartilhamento do corte, costura e bordado permitiu repassar esses conhecimentos para gerações futuras, além de incrementar a renda e alinhar a política de resistência. “Estamos desde 2003 pedindo reconhecimento de território, todos os relatórios são favoráveis à nossa causa, mas as forças políticas e econômicas são mais fortes”, relata Lidiane.

Como o trabalho dos homens depende do fluxo das águas e da lida com o gado, com muitos períodos ausentes, sem salário fixo, as mulheres fornecem a administração da casa e a base do sustento, muitas com salário como funcionárias públicas ou aposentadas. “Refletimos que só existem retireiros porque existem as retireiras”. A atividade ainda é restritiva às mulheres pela divisão do trabalho.

“Encontrar mulheres no trato com o gado não é comum”, diz Lidiane, ainda que elas participem de tarefas como a vacinação dos bovinos, cuidados com a roça e pesquem para o consumo da família. Nas reuniões com os homens elas percebem que são receptivos, escutam o que as mulheres falam e não desanimam em relação à luta.

Os bordados são fonte de renda e instrumento de resistência das retireiras. Foto: De Olho nos Ruralistas/Reprodução


Conhecimento une mulheres

A Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado (Raizeiras do Cerrado) surgiu em 1999 para divulgar o conhecimento do uso e coleta de ervas medicinais para preparos fitoterápicos. “Nossa bandeira é manter o Cerrado em pé e ajudar as comunidades na sua condição de saúde e vida usando as plantas medicinais nativas”, afirma Lucely Moraes Pio.

Conhecimento das raizeiras foi compilado na Farmacopeia Popular do Cerrado. Foto: Divulgação/Articulação Pacari

Hoje, a articulação reúne mulheres de seis estados: Goiás, Tocantins, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia. Com apoio técnico de agrônomos e farmacêuticos, a Farmacopeia Popular do Cerrado, um documento referência para a discussão sobre esse conhecimento tradicional e que aponta a necessidade de políticas públicas específicas.

Uma das lutas dessas mulheres é tornar as práticas dos raizeiros e raizeiras do Cerrado Bem Cultural de Natureza Imaterial. O processo no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Natural (Iphan) está em lento andamento desde 2009. Além das plantas medicinais, as raizeiras têm trabalhado para garantir renda com outros produtos extrativistas, como a comercialização de doces e frutas in natura e a criação de uma linha de cosméticos a partir do óleo de gueroba.

Toda essa articulação garante o manejo de mais de 300 espécies de plantas e ervas. Para a comunidade, as plantas são vendidas a baixo custo ou apenas distribuídas.

Protagonismo feminino no campo

O De Olho na Resistência, programa semanal sobre os povos do campo do De Olho nos Ruralistas, abriu a temporada de 2022 falando sobre esses movimentos que surgiram ao longo das últimas quatro décadas pelas mãos das mulheres camponesas.

Desde seu início, o observatório vem acompanhando a trajetória dessas mulheres, tendo seu ápice na cobertura in loco da última Marcha das Margaridas, em 2019. O movimento reúne milhares de camponesas, indígenas e quilombolas em Brasília a cada quatro anos.

Além da cobertura jornalística, foi lançado em 2021 o programa De Olho na História, que conta a trajetória de várias dessas e outras mulheres. Desde dezembro, já foram homenageadas Dona Dijé, fundadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, e a líder sindical Maria Margarida Alves, cujo nome inspira a marcha.

Assista à reportagem especial também no vídeo abaixo.

Fonte: De Olho nos Ruralistas

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