Recentemente, surgiu no Brasil a nutrição comportamental, um novo movimento que tem como preceito o prazer de comer e o respeito às emoções. Essa ideia é a salvação daqueles que vivem uma briga constante com a balança, deixando de aproveitar as coisas boas da vida.
Embora exista uma vasta variedade de dietas e informações sobre nutrição e emagrecimento disponíveis, a obesidade continua a crescer de forma assustadora. De acordo com dados da revista científica Lancet, existem 2,1 bilhões de pessoas acima do peso no mundo, quase o triplo do que havia em 1980. O número 1 no ranking da obesidade são os Estados Unidos, mas o Brasil ocupa um nada honroso quinto lugar. “É fácil notar que algo não funciona: as pessoas perdem peso, recuperam, buscam milagres. A solução é fazer uma avaliação da relação que se tem com os alimentos e resgatar o prazer de comer”, explica Fernanda Albuquerque de Andrade, pós-graduada em Obesidade, Emagrecimento e Nutrição Clínica.
Para muitos, a comida se tornou sinônimo de problema, pois é vista como uma caixinha de nutrientes e calorias. Em alguns casos, só enxergam as calorias. Algumas pessoas até conseguem emagrecer facilmente, mas a comida vira um adversário na hora de manter o peso alcançado. Fernanda Albuquerque explica que dietas restritivas podem causar transtornos na vida das pessoas, deixando-as descontroladas na hora de comer. “Elas devoram tudo o que aparece pela frente e então vão para a academia, onde ficam por horas correndo em uma esteira. É preciso entender que nosso corpo não é um depósito, e que não é necessário purgar dessa forma o que ingerimos. Considerando que teremos que repor as energias pelo resto da nossa vida, é preciso criar um vínculo melhor com a comida”.
A nutrição comportamental é amparada em evidências e artigos científicos, como o Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, que revelou o alto grau de sucesso de 20 programas nutricionais baseados não na perda de peso, e sim na capacidade de identificar os sinais internos de fome e saciedade, lidando equilibradamente com eles. De uma forma geral, o estudo constata que houve melhora nos hábitos alimentares e na autoestima. A perda de peso acaba sendo um bônus que acontece de forma mais consistente, à medida que a pessoa começa a respeitar os sinais dados por seu corpo e a ter uma melhor alimentação.
A especialista lembra que o peso não é um comportamento, mas sim o resultado de comportamentos baseado nas escolhas feitas pela pessoa ao longo da vida. Várias técnicas ajudam a alcançar equilíbrio e fortalecer o vínculo de amizade com a comida. Um dos pilares da nutrição comportamental é o comer intuitivo. “Tal abordagem prega uma relação saudável entre alimento, corpo e mente através da percepção dos sentimentos”, esclarece Fernanda que continua “o paciente pode comer o que tiver vontade desde que respeite os sinais de fome e de saciedade. Se uma pessoa está acostumada a ingerir três colheres de arroz em uma refeição e sentir necessidade de comer uma colher a mais, ela pode desde que tenha certeza de que essa decisão é feita com base em um gasto de energia maior e não por gula ou ansiedade”, esclarece.
No comer intuitivo também é importante dar plena atenção ao momento da refeição, pois só assim é possível saber quando a fome foi, de fato, saciada. É preciso cortar hábitos ruins como o de comer em pé, em movimento, praticamente engolindo a comida. “O ideal é se alimentar em um ambiente adequado, mastigando com calma e degustando o alimento”, diz Fernanda.
Será que é fome mesmo?
Compreender a diferença entre saciedade e ansiedade é um ponto crucial da nutrição comportamental. Isso envolve autoconhecimento e uma imersão interior para buscar as razões pelas quais comemos – que pode ser doloroso, pois muitas vezes elas não estão relacionadas à fome.
É comum que as pessoas busquem conforto nos alimentos para lidar com a ansiedade, com algum estresse causado no trabalho ou até mesmo naqueles dias que simplesmente se acorda de mau humor. “Uma boa estratégia para identificar cada situação, é criar um diário alimentar que disponha as emoções no momento de cada refeição. É um pouco trabalhoso, mas é um ótimo exercício. Com tempo e prática, é possível se perguntar se o problema é cansaço e o que pode ser oferecido, no lugar da comida, para aliviar”, descreve a especialista.
Mudanças na atitude
As propostas da nutrição comportamental nos fazem ter uma reflexão interna e a admitir que lidamos de forma errada com nossas emoções, e isso pode precisar de uma investigação mais profunda, fora do âmbito da nutrição, mas que também pode ser de grande ajuda.
Essa nova forma de olhar os alimentos e como nos alimentamos pode ser a chave de um emagrecimento duradouro. Uma consulta com um profissional que pratica as diretrizes da nutrição comportamental é uma experiência diferente. “A entrevista inicial serve para criar vínculos fortes, pois não queremos que o paciente esconda nada de nós. Também ouvimos mais do que falamos. Formulamos perguntas com potencial para desencadear uma mudança de atitude”, conta Fernanda. “Montamos juntos um cardápio, dando as devidas orientações. Nem sempre conseguimos o ideal no primeiro momento, mas, com o tempo vamos adaptando ao que melhor se encaixa ao paciente”, completa.
O conceito de saudável vai sendo inserido aos poucos, ancorado na rotina de cada um, com isso o prazer se torna intrínseco. “O ato de comer não se trata apenas ingerir o alimento. Ele possui aspectos simbólicos, sociais, culturais e afetivos que não podem ser ignorados pela nutrição. Então, o equilíbrio perfeito é apreciar a comida e permitir que todos os bons sentimentos associados àquele momento venham à tona”, finaliza.