Dois dias depois do Ministério da Justiça e Segurança Pública ter mudado a classificação indicativa da comédia brasileira “Como se tornar o pior aluno da escola”, de 2017, para classificação etária de 18 anos (antes era 14), o Ministério Público Federal (MPF) ingressou nesta sexta-feira (18) com ação civil pública com pedido de liminar visando suspender a censura ao filme, dirigido por Fabrício Bittar e com roteiro dele, de Danilo Gentili e André Catarinacho.
Para a decisão, o Ministério da Justiça citou em despacho assinado pelo secretário José Vicente Santini, que dizia que o filme tem “tendências de indicação como coação sexual; estupro, ato de pedofilia e situação sexual complexa". O despacho foi publicado no Diário Oficial da União na última quarta-feira (16). A ação do MPF pede a suspensão da medida, que foi de iniciativa do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A Secretaria Nacional do Consumidor é comandada desde o último dia 9 pelo advogado Rodrigo Rocca, que defendeu o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”. Recentemente, políticos bolsonaristas começaram a atacar o filme, alegando que ele faz uma apologia à pedofilia, citando uma cena em que dois meninos sofrem assédio sexual do personagem interpretado pelo humorista Fábio Porchat, que fez o vilão da história. Isso seria uma represália a Gentili, que, desde o começo da pandemia passou a ser um crítico do Governo Jair Bolsonaro.
O texto do despacho também recomenda que o filme seja exibido após as 23h em televisão aberta. A nova classificação etária deve ser utilizada em qualquer plataforma ou canal de exibição de conteúdo classificável em até cinco dias corridos.
Para o MPF, o ato do Ministério da Justiça configura censura ao impedir a coletividade de consumidores de exercer sua autonomia de escolha, para consumo próprio, de obra artística cinematográfica sem interferência do poder público. “O objetivo dessa ação é corrigir uma violação à liberdade de expressão artística”, declara o procurador da República Claudio Gheventer.
Entenda o caso
Em outubro de 2017, foi lançado o filme “Como se tornar o pior aluno da escola", que, segundo a Netflix, é classificado como uma comédia brasileira. O filme conta a história de Pedro, que encontra um diário que ensina como provocar caos na escola sem ser pego e resolve seguir as dicas com seu amigo Bernardo. Com duração de 1h45m, a obra de ficção tem claramente a intenção de se afigurar como uma comédia, produzida precipuamente para adolescentes e jovens adultos.
Quando de seu laçamento, em 2017, a obra foi classificada, pelo próprio Ministério da Justiça, como apropriada para adultos e adolescentes a partir de 14 anos. Entretanto, recentemente, o filme passou a ser objeto de questionamentos nas redes sociais, em razão de uma cena específica, em que os dois protagonistas adolescentes são constrangidos por um adulto a praticarem-lhe atos de masturbação.
“Ainda que possa ser considerada repulsiva e de extremo mau gosto, a referida cena não faz apologia ou incitação à pedofilia”, argumenta o procurador. “A liberdade de criação artística é garantida pela Constituição Federal e a censura a uma obra só pode ser admitida em hipóteses excepcionalíssimas, em que configurado ilícito penal, e somente pelas autoridades competentes, e não diretamente pelo DPDC ou pelo Ministério da Justiça”, arremata.
De acordo com a ação do MPF, "a competência do Ministério da Justiça para proceder à Classificação Indicativa não lhe dá poderes para autorizar ou censurar uma obra". Na hipótese em exame, considerando a Classificação Indicativa de 14 anos, poderia este, caso entendesse que a cena é contraindicada para crianças e adolescentes, alterar a classificação, como acabou efetivamente ocorrendo com a mudança para 18 anos.