TOPO - PRINCIPAL 1190X148

PAC da Rocinha: consórcio abandona canteiros com obras inacabadas

Saneamento básico ficou no papel e comunidade pede ajuda à OAB para reinício das intervenções

Por Cláudia Freitas em 07/11/2018 às 11:10:54

Foto: Cláudia Freitas

O líder do grupo comunitário Rocinha Saneamento, José Martins de Oliveira, se reuniu na última quinta-feira (31/10) com o presidente do Conselho de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), Marcelo Chalreo, para fazer novas denúncias envolvendo as obras do PAC 1 na Rocinha, em São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Oliveira afirma que o consórcio contratado pelo governo estadual para executar o projeto de urbanização e saneamento, o Engetécnica Alpha, abandou os canteiros sem sequer iniciar as principais obras. As empresas que integram o consórcio pertencem à família do deputado estadual André Lazaroni (MDB).

As obras do PAC 1 na Rocinha tiveram início em 2008, com financiamento da União. Dois consórcios que passaram pelo local, assinaram contratos milionários com o Estado. No entanto, nenhum deles finalizou o projeto de revitalização do bairro.

O caso foi parar no Ministério Público Estadual (MPE), que impetrou Ação Civil Pública (ACP), em 2016. O MPE pede o pagamento de indenização à população do local, pelos impactos urbanos provocados por conta das obras inacabadas, além de condenação do governo estadual e do consórcio Engetécnica Alpha. O promotor responsável pela ACP, Bruno de Faria Bezerra, da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção da Ordem Urbanística, chama a atenção para o aumento dos custos das intervenções com o período de prolongamento dos contratos assinados pelo Ministério das Cidades e o poder público estadual.

Em outubro, a juíza Mônica Ribeiro Teixeira, da 1ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), determinou a substituição do perito responsável pelo processo. O engenheiro civil Giovani Souza, deve assumir no lugar do perito Maurício Passos Ferreira.

Na opinião de Chalreo, as obras do PAC causaram verdadeiras tragédias na maioria dos bairros em que foram implantadas, inclusive na Rocinha, que não teve o seu mais grave problema de infraestrutura urbana equacionado, e continua convivendo com todas as mazelas ocasionadas pela vala negra que atravessa a região. O advogado cita ainda as desapropriações dentre os impactos negativos acarretados pelo programa.

"O autoritarismo foi a marca que o PAC deixou nas comunidades, porque os moradores não foram ouvidos nas suas reivindicações. Isso é um fato muito grave, praticado por um governo que se dizia de democratas. Os contratos foram decididos nos gabinetes, sem qualquer participação destas comunidades mais pobres, o que favoreceu somente aos interesses das grandes empreiteiras. Além disso, esta conjuntura abre espaço para as irregularidades, caixa dois, corrupção, porque não é um processo transparente", avalia o advogado.

Segundo Chalreo, a sua comissão já se colocou à disposição dos moradores da Rocinha para "fazer pressão no poder público", esperando com isso a retomada as obras na região, especialmente o saneamento que a população vem solicitando há muitos anos.

O líder comunitário reforça que desde o inicio das intervenções, os moradores vêm sofrendo com desapropriações, poluição de todas as ordens, além da expectativa frustrada de ver resolvido o maior problema do lugar.

"O mais importante ele não fez [se referindo ao PAC]. O valão principal está para ser canalizado. Em 2014 um novo consórcio entrou, em função das eleições, colocou canteiro de obras, mas nada foi executado. A gente procurou o Ministério Público [Estadual], que entrou com ação na Justiça, mas nada aconteceu até agora, somente esta mudança de perito. Esperamos que agora esta perícia aconteça, porque ninguém apareceu até agora para cumprir a determinação. Sem saneamento, não temos saúde. Temos aqui muitos casos de tuberculose, verminose e doenças de pele, ocasionados pela falta de saneamento", diz Oliveira.

A 15 quilômetros de distância do Centro, a Rocinha é habitada, atualmente, por cerca de 69 mil pessoas, com uma média de 38 mil imóveis, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010. Desde quando recebeu o título de bairro, em 1986, o local passou por uma forte expansão populacional, ganhou escolas, postos de saúde, bancos e pontos comerciais. Mas, a precária infraestrutura urbana e a ausência de saneamento básico fazem do lugar um dos maiores focos de tuberculose do Brasil.

As obras do PAC na cidade tinham o seu escopo nos grandes eventos mundiais, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O prazo previsto de entrega era para o primeiro semestre de 2011. O primeiro consórcio contratado na Rocinha, a Novo Tempos (Queiroz Galvão, Carioca Engenharia e Caenge), deixou os canteiros de obras antes de finalizar o prazo do contrato, com o projeto inacabado. No entanto, os custos ultrapassaram o valor contratual.

Em seguida, o consórcio Engetécnica Alpha foi licitado pelo governo de Luiz Fernando Pezão (MDB). O acordo custou aos cofres públicos uma cifra superior a R$ 22 milhões, com prazo de finalização para abril de 2014. Novamente, as obras ficaram paralisadas. Em 2018, o consórcio deixou a comunidade sem qualquer justificativa aos moradores.

Consórcio Engetécnica: clã Lazaroni à frente das empreiteiras

O consórcio Engetécnica Alpha foi criado em junho de 2013, com sede informada na Junta Comercial na Rua Senador Dantas, 75, no Centro do Rio. No mesmo endereço funciona o grupo Riwa, gerido por Walter Guimarães Morais Junior, que também é sócio da empreiteira Zadar Construções.

O grupo Riwa, integrado pela Zadar e pelo consórcio Engetécnica Alpha, tem contratos assinados com o governo do Estado para execução de inúmeras obras em torno da Copa e das Olimpíadas. Guimarães tem como sócio Paulo Roberto Moraes, no pull empresarial. Os empreiteiros são, respectivamente, tio e pai do deputado estadual André Lazaroni (MDB).

O Riwa tem ainda outro consórcio, o Onda Azul, criado em 2014, com contrato assinado neste mesmo ano com a Empresa Municipal de Urbanização (Rio-Urbe), para a construção do Centro Olímpico de Esportes Aquáticos dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016, no Parque Olímpico da Barra da Tijuca, na Zona Oeste. O valor do empreendimento é superior a R$ 225 milhões.

No Norte Fluminense, a Zadar vem prestando serviços de saneamento e macro drenagem ao município de Macaé, desde 2010, em contratos individuais ou em parceria com a Odebrecht. A empresa Limpatech Tecnologia de Limpeza é uma das contratadas pelo governo e também tem Guimarães como proprietário.

Em 2011, a Zadar foi contratada por R$ 52,5 milhões para executar as obras de contenção em Nova Friburgo, na Região Serrana. O acordo envolveu mais três empreiteiras, a Geomecânica, a Contemat e a Tecnosolo. A Zadar ficou com 35,5% do montante do valor contratado. O Grupo Riwa teve participação ainda no empreendimento Fábrica de Escolas do Amanhã, da prefeitura do Rio, que teve como construtora responsável a Odebrecht, na implementação de 28 escolas em bairros da Zona Oeste.

As empresas do Riwa figuram no site do Tribunal Regional Eleitoral como doadoras nas últimas eleições. Uma das doações ajudou a ex-governadora do Rio, Benedita da Silva (PT), a se eleger deputada federal em 2014. O partido mais beneficiado foi o antigo PMDB, atual MDB, que recebeu 600 mil, a maior parte direcionada a campanha do deputado estadual André Lazaroni.

Governo e empreiteiras na mira do MPF

Em 2014, o Ministério Público Federal (MPF/RJ) interrogou o governo do Estado e as empreiteiras Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Noberto Odebrecht e a francesa Pomalgalski no âmbito de uma Ação Cautelar de Justificação (ACJ) aberta para investigar suspeitas de irregularidades em contratos assinados em 2008, para execução de obras financiadas com recurso do PAC 1 na Rocinha e no Conjunto de Favelas do Alemão e de Manguinhos, ambas na Zona Norte.

O conteúdo da peça aponta indícios de "conluio por parte dos réus" e a legitimidade do processo, além da suspeita de superfaturamento dos valores referentes às obras e serviços. A denúncia foi feita pelas empreiteiras Construcap Engenharia e Comércio, Convap Engenharia e Construções, Arvek Técnica e Construção e Sanerio, que perderam no pregão.

De acordo com as investigações, a Pomagalski tentou fraudar uma documentação enviada para participação no consórcio, que dizia respeito a sua experiência na área para cumprir exigências regulamentares. O período conjugado de realização do processo licitatório também chamou a atenção dos procuradores. O pregão para as obras do PAC nas três comunidades aconteceu na mesma data. No entanto, a legislação não autoriza empresas acumular no mesmo período duas obras.

A Construcap alertou a Secretaria de Obras do Estado, na época, do fato do edital fazer exigências que só beneficiava ao grupo vencedor do certame, limitando, desta forma, o número de participantes.

O outro lado

A Secretaria Estadual de Obras afirma que não foi notificada pelo Ministério Público Estadual. Ressalta, ainda, que o PAC I na Rocinha está encerrado, não havendo obras pendentes. Segundo a secretaria, a canalização do valão e a pavimentação do Largo do Boiadeiro estão previstos para o PAC II.

A secretaria destacou também: "O plano inclinado não teve o novo projeto aprovado - que precisou ser alterado em função das obras da GeoRio-, além de haver necessidade de remanejamento de redes de abastecimento de água e energia elétrica, instaladas irregularmente pelos moradores". Sobre a complementação da urbanização do Mercado Popular da Rocinha, o órgão destaca que o espaço está em processo de cessão para a Prefeitura do Rio.

Leia abaixo a nota enviada pelo consórcio Engetécnica Alpha:

O CONS?"RCIO ENGETÉCNICA-ALPHA LTDA, detentor do contrato n.º 028/2013, cujo objeto é a execução de projeto executivo e a execução de obras e complementação da urbanização do complexo da Rocinha no município do Rio de Janeiro, vem manifestar-se da seguinte forma:

Conforme ampla ciência, os serviços encontram-se há meses paralisados em função da falta de atendimento das repetitivas requisições encaminhadas pelo Consórcio ao Governo de Estado através da Secretaria de Obras (SEOBRAS), para liberação das áreas sujeitas aos procedimentos de desapropriação, da execução de serviços sob a dependência dos serviços da CEDAE e LIGHT, e em especial, a falta de pagamento temporâneo dos serviços prestados e que em muito superou e ainda supera os prazos estabelecidos pelo art. 78- XIV, XV e XVI da Lei 8.666/93.

A falta de pontualidade nos pagamentos e ausência de previsão para quitação das parcelas relacionadas aos reajustamentos legais, reforçada pela decisão publicada através da Resolução SEOBRAS n.º 1461 de 03 de maio de 2016 que determinou a suspensão dos contratos tem por consequência ocasionado severos prejuízos a Requerente.

"Art. 78- ...

XIV-a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte)dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

XV-o atraso superior a 90 (noventa)dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

XVI-a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;"

Como consequência dos fatos acima expostos temos ainda a distribuição da ação n.º 0140795-92.2016.8.19.0001 movida pelo Ministério Público Estadual na qual se pretende a obrigação de conclusão da obra e na qual foi proferida decisão liminar na qual o MM Juiz de primeira instância reconheceu a responsabilidade do Estado pela não continuidade dos serviços ao não cumprir com as suas obrigações contratuais, senão vejamos:

Processo nº:

0140795-92.2016.8.19.0001

Decisão

"Cuida-se de pedido de tutela de evidência para que os réus sejam condenados a finalizarem as obras de complementação da urbanização do Complexo da Rocinha/PAC I, objeto do contrato 028/2013, celebrado entre o Estado do Rio de Janeiro e Consórcio Engetécnica/Alpha, em especial, o mercado popular, plano inclinado, caminho e largo dos Boiadeiros e canalização do valão principal, com revitalização do entorno, no prazo de 180 dias, sob pena de multa a ser fixada pelo Juízo. O pedido há que ser indeferido, eis que a execução das citadas obras depende do cumprimento de outras questões à cargo do Estado, em especial a CEDAE, que como dito na inicial à fl. 07 executaria o remanejamento da rede de água em até 6 meses. fato não comprovado ao Juízo e previamente necessário à finalização das obras. Igualmente há que se considerar a alegação, também feita na inicial às fls. 05/06, sobre a inexistência de repasses de recursos após a assinatura dos termos aditivos de prorrogação dos termos de compromissos informado pelo Ministério das Cidades e pela Caixa Econômica, e, ainda, a ausência de recursos por parte do Estado do Rio de Janeiro, fato público e notório, que imperdoavelmente enseja a não prestação dos devidos serviços públicos, entre eles a consecução de contratos firmados."

Em relação ao questionamento sobre previsão de indenização aos moradores, cabe dizer que não temos ciência quanto ao assunto haja vista, que tal possibilidade por inexecução ou necessidade para execução dos serviços é de plena responsabilidade do detentor da obra que neste caso é o ente público estadual.

Sobre o questionamento quanto a existência de algum acordo para retomada das obras, informamos que não é de nosso conhecimento posto que até o presente momento não houve manifestação do ente público sobre o interesse de cumprir com as suas obrigações e retomada dos serviços.

Cabe informar que do valor previsto inicialmente de R$ 22.573.980,78 (vinte e dois milhões e quinhentos e setenta e três mil e novecentos e oitenta reais e setenta e oito centavos) para o contrato em questão, foi pago o montante de R$ 5.355.434,06 (cinco milhões e trezentos e cinquenta e cinco mil e quatrocentos e trinta e quatro reais e seis centavos) pelos serviços executados, havendo em aberto o valor de R$ 710.738,29 e o saldo contratual de R$ 17.218.546,72.

Em relação a pergunta sobre qual o destino do material que estava na comunidade e seria utilizado nas obras, cabe informar que todo material adquirido pelo Consórcio para execução de cada etapa

POSIÇÃO 3 - ALERJ 1190X148POSIÇÃO 3 - ALERJ 1190X148
Saiba como criar um Portal de Notícias Administrável com Hotfix Press.