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Unidos da Tijuca canta o guaraná da Amazônia no olhar indígena dos Sateré Mawé

Multicolorida, escola do Borel traz 'Waranã - a reexistência vermelha' e se destaca em evolução e harmonia

Por Portal Eu, Rio! em 24/04/2022 às 03:46:54

Fauna e flora da Amazônia se refletiram nas cores e efeitos variados das fantasias e alegorias criadas por Jack Vasconcelos. Foto: Edison Corrêa

A Unidos da Tijuca desfilou apresentando o enredo Waranã – a reexistência vermelha. A Unidos da Tijuca conta a historia da lenda do guarana a? formac?a?o do povo Satere Mawe,por meio de uma mensagem de renovação para todas as gerações, dada pela sabedoria ancestral indígena. No desfile, chamaram muita atenção a escolha de um leque amplo de cores, lembrando a cauda do pavão, símbolo da escola e a comissão de frente, com um menino da Providência, David, encarnando Cahuê, o curumin de cujos olhos, pela lenda, nasceu o fruto do guaraná.



De forte identificação com o bairro que lhe serviu de berço, unindo o Borel e o asfalto, a Unidos da Tijuca trouxe pai e filha puxando o samba. A Pura Cadência, que se orgulha de focar o andamento da escola e evitar mudanças frequentes que posam interferir na evolução, inovou com uma batida indígena no refrão. A rainha de bateria, Lexa, acompanhou a entrada dos instrumentos mais leves no recuo e, depois, voltou para a frente da bateria, com pandeiros, agogôs e tamborins, para a frente.

O enredo “Waranã, a reexistência vermelha” traz a lenda do surgimento do guaraná baseado nos contos contidos no “Sehaypóri, o livro sagrado do povo Saterê-Mawé”, do escritor da etnia Yaguarê Yamã.

Resistência e reinvenção, motes do enredo deste ano, casam muito bem com a história da agremiação. O G. R. E. S. Unidos da Tijuca é a terceira escola de samba mais antiga do Brasil. Seus fundadores tinham o objetivo de defender as raízes tradicionais do folclore brasileiro e também de lutar pelas causas populares. Lutas que sempre se fizeram presentes no sangue e na alma de seus antepassados, sofridos e expurgados da expressão cultural que mais amavam e cultivavam: o samba. A escola passou por dificuldades, sendo rebaixada com um enredo sobre Vasco da Gama, mas voltando ao primeiro plano. Desde 2004, a partir da vitoriosa parceria com o carnavalesco Paulo Barros, a escola passou a outro patamar, voltando com frequência para o desfile das Campeãs.

Tijuca tem o pavão como símbolo, mas a fênix como resumo de sua história

A Unidos da Tijuca sempre foi uma escola de samba pautada na ousadia e inovação. Pesquisas registram que ela foi a primeira escola a apresentar no desfile carros alegóricos e alas fantasiadas. Na década de 40 e 50 ocorreram dissidências e foram fundadas outras agremiações, como as extintas Estrela da Tijuca e Recreio da Mocidade, e a ainda existente Império da Tijuca, todas formadas por ex-integrantes da Unidos da Tijuca. A Escola passou então por crises internas e por muitas dificuldades e, em 1959, desceu para o segundo grupo, sofrendo um grande esvaziamento.

Nos anos 70, os dirigentes começaram a virar essa situação buscando gente nova para recuperar o prestígio da escola. Com o assessoramento dos antigos e a comunicação com a comunidade, a agremiação melhorou significativamente seus resultados nos concursos. Nessa época, outros artistas contribuíram com a ascensão da escola: Laíla (atualmente na Beija-Flor) filiou-se à Unidos da Tijuca; Paulo César Cardoso apresentou enredos mais modernos e nacionalistas e Renato Lage criou cenografias fantásticas aliando o tradicional ao moderno, fazendo com que, em 1980, a agremiação retornasse ao primeiro grupo, depois de 22 anos no grupo de acesso.

Porém, nessa década, a Unidos da Tijuca passou outra vez por dificuldades e frequentou alternadamente por mais dois anos o Grupo de Acesso, em 85 e em 87. A última vez em que foi rebaixada foi em 1998, quando apresentou enredo em homenagem ao navegador e time Vasco da Gama. Mas em 1999 deu a volta por cima no acesso A, fazendo um brilhante carnaval com um samba-enredo considerado um dos mais bonitos de todos os tempos: O dono da Terra, exaltando o índio brasileiro, sua cultura e suas lendas. Voltou ao Grupo Especial em 2000 com um grande desfile que a classificou entre as cinco melhores, permitindo seu retorno no Desfile das Campeãs.

A partir de 2004, com a contratação do carnavalesco Paulo Barros, a Unidos da Tijuca surpreendeu e conquistou o público e a imprensa, garantindo o seu lugar entre as primeiras colocadas, apresentando a cada ano magníficos e admiráveis carnavais. Ocorre, então, o resgate da autoestima do tijucano que participa mais de sua escola, ao mesmo tempo em que a agremiação ganha outros e novos adeptos, passando a ser vista por todos com o merecido reconhecimento e respeito no mundo do samba.

A Unidos da Tijuca se reestruturou e se solidificou, sendo hoje uma das agremiações mais aguardadas da Sapucaí. Aplaudida pelo público e pela imprensa, passou a integrar, consecutivamente, o elenco das escolas do desfile das campeãs, disputando ano a ano o título do Carnaval carioca e sendo campeã em 2010, 2012 e 2014.


CANTE COM A UNIDOS DA TIJUCA

WARANÃ - A REEXISTÊNCIA VERMELHA


COMPOSITORES: ANDERSON BENSON, EDUARDO MEDRADO E KLEBER

RODRIGUES


ALTO CÉU

DE TUPANA E YURUPARI

DUAS FORÇAS QUE VÃO FLUIR

A ENERGIA DE MONÃ

QUE EQUILIBRA O BEM E O MAL

UM LUGAR ONDE AS PEDRAS PODIAM FALAR

ONDE IRMÃOS DESFRUTAVAM

A BELEZA SINGULAR

ANHYÃ, BELA E HABILIDOSA

MAS A COBRA ARDILOSA USA A FLOR PRA LHE TOCAR


E NASCE KAHU’Ê O CURUMIM

DE OLHOS ALEGRES… SEMPRE ASSIM

PRESENÇA TÃO BREVE

A INGENUIDADE SUCUMBE À MALDADE

RENASCE KAHU’Ê O CURUMIM

SEUS OLHOS ALEGRES NÃO TÊM FIM

POIS O BEM É MAIOR, VAI REEXISTIR


VIDA LIGEIRA, PASSAGEIRA

PLANTADA NO SOLO DA PURA EMOÇÃO

DE PELE VERMELHA, OS FRUTOS DE UMA NAÇÃO

VIDA INOCENTE, VIRA SEMENTE

E AO SOM DE UMA AVE A CANTAR

FLORESCE IMPONENTE O POVO DO GUARANÁ

E SE A COBIÇA E O FOGO CHEGAREM NA ALDEIA

DEIXA A FORÇA MAWÉ RESSURGIR

E SORRIR QUANDO O SOL RELUZIR

NESSE DIA ELES VÃO TEMER

E O AMOR VAI VENCER


ERÊ, ESSA MATA É SUA… É SUA

ERÊ, VEM PROVAR DOCE MEL… DOCE MEL

WARANÃ DA TIJUCA

VEM BRINCAR NO BOREL


Presidente: Fernando Horta


Carnavalesco: Jack Vasconcelos


Diretor de Carnaval e Harmonia: Fernando Costa


Comissão de Frente: Sérgio Lobato


1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Phelipe Lemos e Denadir Garcia


2º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Matheus André e Lohane Lemos


Mestre de Bateria: Casagrande


Rainha de Bateria: Lexa


Intérprete: Wantuir Oliveira e Wic Tavares


Compositores: Anderson Benson, Kleber Rodrigues e Eduardo Medrado


Presidente da Velha Guarda: Hilda


Presidente da Ala das Baianas: Ivone Gomes


Diretor da Ala de Passistas: Cristiano Amorim


A Unidos da Tijuca tem o pavão real como símbolo e o azul e o amarelo ouro como cores. Existem duas histórias que justificam a adoção desta identificação por agremiação. Na época de sua fundação, a Escola primeiramente adotou como símbolo o emblema representando mãos entrelaçadas em união com o ramo de café, em referência à Tijuca antiga com suas plantações. As cores amarelo ouro e azul-pavão foram adotadas da Casa de Bragança, cores usadas na Corte Imperial e que significavam prova de bom gosto em suas vestimentas. Ambos, símbolo e cores, atribuídos como idéias de Bento Vasconcelos, um dos principais fundadores da Unidos da Tijuca.


Outra vertente registra que, em 1931, existia no sopé do morro do Borel a “Grande Fábrica de Cigarros, Fumos e Rapé de Borel & Cia”. A vistosa figura de um pavão-real, nas cores azul e amarelo ouro, estampava as embalagens de alguns produtos dessa fábrica e tabacaria. No dia 31 de dezembro desse mesmo ano, ali perto, na subida da Rua São Miguel, homens e mulheres, moradores do local e adjacências, fundaram o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Tijuca, adotando o pavão como símbolo e as cores azul e amarelo ouro, em referência ao logotipo identificador daquela empresa de cigarros do local.


A inclusão do pavão como símbolo tijucano no carro Abre-Alas da agremiação evoca outra história: Em 1983, entre os meses de agosto e setembro, na disputa de samba-enredo para o Carnaval de 1984, a escola se preparava para abrir o desfile do Grupo Especial, inaugurando, assim, o Sambódromo. O pavão já figurava como símbolo chamativo com as cores da agremiação em camisetas com propaganda do enredo daquele ano Salamaleikum, a epopéia dos insubmissos malês.

Consta que o compositor Carlinhos Melodia sugeriu ao então Presidente Luis Carlos Cruz que fosse colocado o pavão no abre-alas, pois enquanto as outras Escolas tinham aves e outros animais vistosos chamando a atenção do público, o antigo símbolo da Tijuca – duas mãos entrelaçadas e circundadas por dois ramos, um de café e outro de fumo, com as letras UT, abreviação de Unidos da Tijuca – trazia um símbolo de sofrimento e de resistência. A partir daí, atendendo à sugestão do compositor, a Unidos da Tijuca substituiu o símbolo anterior da agremiação, e em 1984 a escola entrou pela primeira vez na Avenida com o pavão como símbolo maior tijucano.

Na descrição da página oficial da escola, fica clara a abrangência da cosmovisão indígena abordada no enredo, que chama atenção por ser dos poucos a não seguir o filão do legado africano. Eis a sinopse do enredo:


WARANÃ – A REEXISTÊNCIA VERMELHA

Tupana, criador das boas coisas do mundo, reinava no alto do céu na forma de A’at, o sol, enquanto seu irmão oposto, Yurupari, sob a proteção de Waty, a lua, regia as más na escuridão. Assim, as ações entre os dois deuses estabeleceriam o equilíbrio cíclico de Monã, as forças cósmicas geradoras do universo.


Contam que três irmãos, os varões Yucumã e Ukumã’wató e a bela Anhyã-Muasawê, viviam em Nusokén, uma floresta encantada, abundante, onde até as pedras poderiam falar.


Anhyã-Muasawê era a guardiã, a dona de Nusokén, pois detinha o conhecimento das plantas medicinais. Não existia folha que ela não conhecesse o poder. De tão bonita e habilidosa, todos os animais de Nusokén se enamoraram por ela, o que mergulhava seus irmãos no ciúme.


Certo dia, uma cobra verde tomada de amor usou o perfume de uma flor para atrair Anhyã-Muasawê e com apenas um toque em seu pé a fez engravidar. Quando Yucumã e Ukumã’wató descobriram a gravidez indesejada por eles, possuídos pela má energia de Yurupari, expulsaram a irmã e tomaram para si o controle do paraíso Nusokén, a proibindo de voltar. Ela e a criança que nasceria.


Anhyã-Muasawê vai para uma mata distante dar à luz a Kahu’ê, o kurumin mais bonito e alegre que já existiu. Kahu’ê era uma criança prodigiosa, dizem que começou a tagarelar bem cedo. Olhos vivos, atentos para as muitas perguntas que brotavam de sua curiosidade inocente. Fartava-se dos frutos que a floresta com bom grado lhe dava, mas havia uma iguaria que não era permitida a ninguém e que Kahu’ê se apetitou: a castanha da castanheira sagrada de Nusokén. Aquela, primeira, brotada das patas de uma onça e que estava sendo vigiada pela cotia e pelo macaco, Hanuã-Xuin, a mando dos irmãos Yucumã e Ukumã’wató.


Chegando lá, o kurumin arteiro subiu na árvore e saciou a fome até o cair da noite como se dono fosse daquele fruto proibido. Na verdade, era mesmo herdeiro daquelas terras, já que sua mãe seria senhora de Nusokén por direito.


Ao saberem pelos vigias da violação da castanheira sagrada, os tios de Kahu’ê, obsediados pelo espirito da inveja, invocaram Yuyrupari, que se transformou em uma serpente terrível e tirou a vida do pequeno índio.


Anhyã-Muasawê ouviu o grito de longe, correu em socorro a seu filho, mas não pôde evitar o pior. Uma tristeza súbita tomou aquela terra. O mal de Yurupari parecia ter vencido ao exterminar a existência de Kahuê quando os raios de Tupana rasgaram as nuvens. Ao tocarem o solo, falaram ao coração da mãe ferida que aquela maldade se tornaria bênção. Anhyã-Muasawê se transformou num pássaro, levou seu filho para os arredores do rio Maráw, enterrou os olhos do kurumin e os regou com suas lágrimas.


O olho esquerdo plantou em terras amarelas, do qual nasceu uma planta que não prestava. Era o Waraná-Hôp, o falso guaraná. O olho direito, plantado em terras pretas, gerou o Waraná-Sése, o verdadeiro guaraná. Com ele, Anhyã-Muasawê fez um elixir mágico para longa vida ao povo que floresceria das entranhas de Kahu’ê, enterrado embaixo de uma Abiu’rana. Seu ajudante, o passarinho Karaxué, cantava sua mais bela melodia quando Mary-Aypók nasceu do corpo de Kahu’ê. Era o “originador”, o primeiro Mawé. Tupana deu a ele de presente a língua que só era falada pelos seres de bem que o acompanhavam, chamada Sateré, a lagarta de fogo.


O segundo Mawé nascido da criança enterrada foi Wasary-Pót, o irmão gêmeo do “originador”.


Os irmãos cresceram. Mary-Aypók se casou com Ahút-Piã, a filha do papagaio, e concebeu o significado da palavra Mawé, o papagaio falante. Wasary-Pót desposou com Hano’onapiã’hop, filha da arara-piranga, e seus descendentes dariam as mais belas penas para adornar o povo que surgia.


O bendito kurumin Kahu’ê, fruto da união entre a ancestralidade indígena e os animais, renascia em uma raça de pele vermelha como a cor da pele do sagrado Waranã. Estava iniciada a nação Sateré-Mawé, o povo do guaraná. Descendente do fruto que cura as doenças das almas cansadas, dos fracos, que fortalece e devolve a força, a juventude. Revive.


Organizaram-se em clãs, construíram identidade e desenvolveram ritos e mitos regados a guaraná, pintados e gravados com branco do barro taguatinga, preto do jenipapo e vermelho urucum no remo sagrado Puratig.


Do bastão de guaraná ralado criaram o Çapó para beber nas festas, pajelanças e no Waymat, onde as tucandeiras iniciam os jovens para a vida adulta como símbolo de renascimento sob o comando dos Tuxauas.


Porém, não se engane em pensar que Yurupari descansou de sua maldade predatória, que deixou a vida na floresta em harmonia. Ele se fez ressurgir ao longo do tempo em colonizadores, missionários religiosos enviados às aldeias, caçadores, garimpeiros e madeireiros ilegais, grileiros de terras… Pelos desmatamentos e queimadas, os filhos-demônios de pele clara de Yurupari seguem semeando o caos em nome do capetal.


Mas os filhos do guaraná, peles vermelhas do Brasil, são predestinados, pois apenas povos sábios, de espiritualidade elevada, são capazes de reexistirem encantados pelas matas, acaboclados nos terreiros onde bradam sua força e encontrarem com os espíritos infantis de erês e ibejadas que, quando “chegam”, gostam de tomar guaraná.


Assim, completando o ciclo da eterna renovação, enfim o curumim Kahu’ê é elevado ao paraíso prometido Mawé, Nusokén, ou à Jurema, ou à Aruanda, quando na gira as crianças bebem seu guaraná e vão brincar.


Elas são a prova que o espírito do amor é muito maior que o ódio semeado por Yurupari.


Ele não vai vencer. Ele nunca irá nos exterminar.


Yiurupari jamais triunfará."


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