A operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, ocorrida no Jacarezinho, na Zona Norte, completou um ano nesta sexta-feira (6). A Chacina do Jacarezinho, como é conhecida, terminou com 28 mortos, entre eles o policial civil André Frias, além de cinco outros feridos. A operação afetou a rotina de moradores, traumatizou crianças que presenciaram tudo e parou a circulação da população pela cidade.
Desde aquele 6 de maio até hoje, pouca coisa mudou. Um ano após a Chacina do Jacarezinho, a Região Metropolitana do Rio concentrou 47 outras chacinas, que mataram 174 pessoas. 33 dessas chacinas ocorreram durante ação/operação policial, resultando em 126 mortos, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado.
Para Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado, operações policiais que terminam com muitas mortes, como a ocorrida no Jacarezinho, evidenciam a falta de planejamento e de prioridades. “É preciso que as operações policiais sejam orientadas por estratégia, inteligência e responsabilidade com a vida dos moradores. Os impactos dessas ações policiais sem o devido planejamento vão além das mortes, impactam na rotina e a população. Pessoas baleadas até dentro do metrô. Isso não pode ser aceitável”.
Um ano depois da operação, 10 das 13 investigações do Ministério Público foram arquivadas, duas foram aceitas e uma segue em andamento. Isso significa que 23 mortes das 28 mortes tiveram inquéritos arquivados.
Para a operação policial no Jacarezinho, foram utilizados 250 policiais, quatro blindados e dois helicópteros, mas apenas dois agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) envolvidos na operação cumprem medida cautelar, dentre as quais estão o afastamento da função pública externa e de toda e qualquer atividade policial no bairro onde se deram os fatos.
Medo e trauma
Até o momento, somente um dos 13 inquéritos resultou em denúncia: a morte de Omar Pereira da Silva, de 21 anos, dentro do quarto de uma menina de 9 anos. O impacto emocional foi tão grande que, por dias, ela não quis dormir em casa. “Ele entrou na casa baleado, se escondendo. Entrou no quarto da minha filha, deitou na cama dela e se cobriu. Entrou um policial, todo de preto, sem o nome, e foi falando: 'Cadê, cadê a pistola?'. Quando cheguei na sala, de costas, com a minha filha na frente, ele efetuou os disparos. Acho que foram três disparos. Eu protegi ela (a filha) com o meu corpo”, revelou o pai da menina na época.
A vida de Michele também foi afetada. A noiva, que se maquiava para o casamento, só conseguiu sair de casa minutos antes da cerimônia, quando os tiros cessaram. Uma outra mulher, que estava com cesariana agendada, teve que traçar rota alternativa para conseguir sair de casa.
Entre os cinco feridos durante operação policial no durante a operação no Jacarezinho, estavam dois policiais civis, um morador foi atingido no pé, quando estava dentro de casa e dois passageiros do metrô, que foram atingidos por balas perdidas dentro de um vagão da linha 2, na altura da estação Triagem.
Cecília Olliveira reforça que os impactos de uma operação policial sem planejamento vão além das mortes e afetam diretamente a rotina dos moradores de favelas. “Crianças precisam fazer tratamento psicológico por presenciarem cenas de violência, passageiros que são baleados dentro de metrô, mães que perdem emprego porque não conseguem ir ao trabalho, e por aí vai. Não é só uma operação. Não é só as pessoas procuradas. É a sociedade toda”.
Cidade Integrada
Em 19 de janeiro deste ano, o Governo do Estado deu início no Jacarezinho ao Cidade Integrada, ação que prevê obras estruturais de responsabilidade da prefeitura. Com blindados da polícia numa ocupação com mais de mil agentes de segurança no Jacarezinho, o início da ação deixou moradores da região com medo e recebeu denúncias de invasão, torturas e ameaças. Em 2021, o Jacarezinho ocupou apenas a 64ª posição entre os bairros da Região Metropolitana do Rio de Janeiro com mais tiroteios, segundo o Relatório Anual de 2021 do Instituto Fogo Cruzado.