Nesta sexta-feira (30), por volta das 1:30h, o vendedor Vicente Vasconcelos, 28, e seu companheiro foram vítimas de homofobia por um motorista do aplicativo de mobilidade urbana 99. De acordo com Vicente, o casal estava voltando do ensaio da escola de samba Vila Isabel quando solicitaram um veículo pela plataforma. Ainda durante a viagem, ele e o namorado se beijaram e o condutor não gostou da atitude.
"Quando ele percebeu nosso beijo pelo retrovisor parou o carro e disse que não aceitava nossa postura, pois estava em seu ambiente de trabalho. Na hora, ficamos sem reação. Nós dois nos olhamos abismados. Então, assustado, eu pedi para ele destravar a porta e descemos ali mesmo. Como já era tarde, as ruas estavam desertas. Ali, nos sentimos humilhados e também expostos a qualquer tipo de violência por causa do horário. Tivemos que continuar andando até conseguir chamar outro carro", relatou o vendedor.
Vicente também contou que, assim que chegou em sua casa, fez a denúncia sobre o fato. Ele usou uma rede social do aplicativo 99 para se comunicar. Em resposta, naquele momento, a plataforma lamentou a situação. Confira:
"Oi, Vicente. Esperamos que esteja bem apesar do ocorrido. Lamentamos profundamente por essa situação. Somos contra qualquer tipo de discriminação e preconceito, seja ela qual for.
Pedimos que avalie e comente a sua viagem, o seu feedback é muito importante para mensurarmos o quanto isso tem ocorrido e poder corrigir. Analisaremos o caso e tomaremos todas as medidas cabíveis. Por favor, envie um print da corrida."
Depois do que aconteceu, e mesmo com o retorno do aplicativo, o vendedor insistiu na possibilidade de que alguma coisa mais séria fosse feita.
"Perto do que outros gays passam diariamente isso foi leve, mas poderia ter acontecido algo pior. Eu me senti um lixo, como se tivesse fazendo alguma coisa muito errada. A gente sabe que os aplicativos de transporte são seguros, porém nessas situações nos sentimos surpreendidos. Não houve agressão, porém se ele tivesse alguma arma ou quisesse fazer algum mal, o que faríamos? Essas coisas também mexem com o nosso lado psicológico. Não é seguro ser quem somos! Por isso, seguimos resistindo. Demonstrar carinho em público é um ato de resistência. Se não é ofensivo um casal heterossexual se beijar em público, porque seria para um casal homossexual", lamentou Vicente.
Resposta imediata
Em uma nota oficial ao Portal Eu,Rio!, a empresa se solidarizou com a vítima e afirmou que as providências já foram tomadas.
"A 99 informa que recebeu de um passageiro a grave denúncia envolvendo um motorista da plataforma. De acordo com ele, o caso ocorreu na madrugada de sexta-feira, dia 30 de novembro, no Rio de Janeiro (RJ). O perfil do condutor foi imediatamente bloqueado do aplicativo.
A 99 se solidariza com a vítima e está em contato com ela para prestar todo o apoio que for necessário. A empresa também se encontra aberta a colaborar com a polícia. A 99 repudia essa e quaisquer outras ocorrências de violência e está trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana, para colaborar com a segurança dos usuários. Entre as iniciativas do app estão rodadas de treinamento para motoristas, em que apresentamos orientações sobre o combate ao assédio, o desrespeito e a discriminação."
"O exercício do afeto é uma questão de liberdade"
Para Júlio Moreira, integrante e diretor financeiro do Grupo Arco-Íris, a atitude do motorista foi inadmissível, pois ele não poderia selecionar quem está levando e nem discriminar ninguém. Afinal, essa é uma premissa de todos os aplicativos de transporte.
"Independentemente de estar em seu local de trabalho, a postura do condutor foi preconceituosa e constrangedora. Ela ainda pôs em risco à vida dos dois garotos. Por isso, acho que a plataforma agiu corretamente, bem como, as vítimas fizeram a sua parte ao denunciarem o caso. Inclusive, se não houvesse uma atitude satisfatória, eles poderiam procurar a justiça para reaver os danos. Nós da Arco-Íris estamos sempre prontos para auxiliar esse tipo de discriminação e fazer valer nossos direitos. Que bom que o motorista já foi bloqueado, pois ele não estava pronto para lidar com a diversidade. O exercício do afeto é uma questão de liberdade! Se os heterossexuais podem se beijar publicamente, os homossexuais também pode. Nada vai nos impedir de exercer nossos direitos!", concluiu Júlio.
Para a psicóloga Vanessa Coutinho, neste caso, é importante avaliar alguns aspectos. Ela acredita que não há impedimentos legais para que um casal homossexual demonstre carinho em público, sempre respeitando os limites aceitáveis para todas as pessoas.
"Um beijo homossexual é uma forma de afeto aceitável. Obviamente, algo mais ousado não seria aceitável tanto para casais heteros quanto para homoafetivos. Se tratanto apenas de um beijo, podemos afirmar que o motorista realmente foi homofóbico. Ele além de ter sido grosseiro, expôs o casal a uma possibilidade maior de violência quando fez com que os rapazes descessem do veículo no meio da noite. Dentro da psicologia, entendemos que a palavra fobia remete ao medo. Desse modo, procuramos compreender porque essas pessoas causam tanto medo ou aversão aos outros. Existe uma linha de entendimento que acredita que aquilo bate de alguma forma no sujeito que exerce a homofobia", explicou a psicóloga.
Vanessa ainda disse que por não conhecer o indivíduo que cometeu a discriminação, não poderia apontar o que o levou a agir dessa maneira. Para ela, vivemos em um país com uma cultura bastante homofóbica, machista e com um pensamento heteronormativo muito forte.
"Para os muitos brasileiros, o certo ainda é uma mulher com um homem para se construir uma família. Essa é uma questão cultural e também com influência religiosa, mas no universo da psicologia a homossexualidade já foi retirada da lista de patologias. Ela não é mais considerada uma doença e nem um transtorno sexual. Hoje, entendemos que as relações homoafetivas podem ser tão saudáveis quanto quaisquer outras relações", concluiu.