Maracanã, 13 de julho de 2014. No grande palco do futebol, Argentina e Alemanha disputam a final da Copa do Mundo. O placar marca 0x0 quando o atacante argentino Gonzalo Higuaín recebe uma bola dentro da área vindo da direita. De canhota, faz uma bonita finalização à direita do goleiro alemão Manuel Neuer, naquele que seria o primeiro gol da seleção sul-americana. Na comemoração, um desabafo pessoal. O dedo indicador apontava para o seu número no uniforme, num gesto que mostrava que, ao contrário do que muitos diziam, ele era confiável. Porém, para infelicidade dupla do camisa 9, o bandeirinha italiano Andrea Stefani assinalou, corretamente, o impedimento na jogada. Não era o dia de Higuaín: oito minutos antes, após um recuo mal feito pelo volante alemão Toni Kroos, o centroavante teve seu primeiro duelo individual com Neuer na tarde, mas, dentro da área, cara-a-cara com o arqueiro, desperdiçou de uma maneira cruelmente difícil de ser digerida pelos torcedores argentinos. A partir daí, Higuaín precisava de uma volta por cima pessoal, mas o que viu foi uma série de erros capitais em lances cruciais que, por ora, marcam sua carreira pela seleção nacional.
Os seis meses que antecederam a Copa do Mundo de 2018 na Rússia foram desafiadores para Higuaín. Em primeiro lugar porque o atual técnico da Argentina, Jorge Sampaoli, nunca garantiu sua presença na lista final. Até porque, durante o ciclo para o Mundial, das quatro convocações de Sampaoli, em apenas uma o nome do atacante apareceu. Em segundo, porque os créditos de Higuaín vestindo a camisa azul e branca haviam se esgotado: depois da perda da Copa de 2014, ele também fez parte do grupo que perdeu, consecutivamente, as Copas Américas de 2015 e 2016. Em ambas, Higuaín teve a bola do jogo para decidir, mas jogou para fora. Um duro golpe para um futebol que não conquista um título desde 1993. Na ocasião, a Argentina teve uma campanha irreparável no torneio sediado no Equador, tendo como protagonista o camisa 9 Gabriel Batistuta, justamente aquele que Higuaín sempre foi cotado para ser o sucessor. Foi um período de reflexão e aprendizado.
Estou bem da cabeça e a nível pessoal. Vivi muitas coisas fora do futebol que fizeram-me ver a vida de outra maneira. Creio que disso se trata a vida. Ela não é 100% futebol. Passamos por outras coisas que poucos veem. Mas estou muito agradecido e contente de estar aqui mais uma vez. Só tenho que agradecer a todos que me bancaram, que me valorizaram e me ajudaram a crescer novamente, afirma Higuaín.
É verdade que a exigência no futebol de seleções é grande, mas nada muito de diferente em relação aos clubes. E os números mostram a eficiência de Higuaín na elite dos principais campeonatos europeus. No Real Madrid, onde ficou de 2007 a 2013 e foi três vezes campeão espanhol, marcou 107 gols em 190 jogos. Na Itália, foram 71 gols em 104 jogos no Napoli e 40 tentos em 73 partidas pela Juventus, onde está atualmente. Registros que enchem de orgulho o centroavante, que credita a mudança de fase à família.
Quando joguei no Real Madrid, fui um dos maiores goleadores do Real Madrid. Na Seleção, a mesma coisa. Fui para o Napoli e não mudou. Na Juventus, estou próximo de ser um dos dez maiores artilheiros do clube. Para mim, ter superado os 100 gols na Itália e na Espanha não é fácil. Minha vida sempre foi assim. Sempre trato de dar o melhor, escutar a crítica para melhorar e estar no topo. Graças a minha família tenho uma cabeça muito forte. Passei por alguns momentos ruins e graças a eles consegui virar essa página, diz, completando. Eu sempre luto, trabalho e quero estar entre os melhores. É a ideia que sempre ponho na cabeça. Foi o que sempre disse: pode sair bem ou mal, mas o objetivo é sempre o mesmo, de melhorar. Espero jogar muito mais anos. Não é fácil estar 12 anos na Europa jogando nas grandes equipes. A exigência física e mental é máxima. Chega uma hora que a cabeça explode. Mas estou contente com meu momento e espero desfrutar mais na Seleção, falou.
Francês nascido em Brest, mas naturalizado argentino, Higuaín chega à Rússia com o status de reserva. Na hierarquia de Sampaoli, Sergio Agüero está à frente, condição esta que não deve ser alterada. Apesar da estreia ruim da Argentina, que somente ficou no empate com a modesta Islândia por 1x1, Agüero foi um dos poucos com atuação positiva, marcando um belo gol no início do primeiro tempo. Mesmo assim, o atacante da Juventus ganhou sua oportunidade, ainda que na etapa final, num indício de Sampaoli de como irá utilizá-lo: como uma peça advinda do banco que pode mudar os rumos da partida. O treinador já deixou claro que visa construir um esquema que deixe Lionel Messi, craque da companhia, o mais livre e confortável em campo, e o encaixe com Agüero, até pela capacidade deste de oferecer pivô, opção de passe e tabelas, se sai melhor que com Higuaín.
E como Higuaín chega à Rússia? Mais experiente. Minha vida em relação a tudo mudou. A cabeça está bem. Agora, quero desfrutar desse momento. Sempre digo que, no futebol, os momentos mais bonitos duram menos que os maus. Mas estou bem", responde. E o que foi feito para Sampaoli mudar sua opinião sobre a convocação do centroavante? Para Higuaín, além dessa experiência citada, o fato de continuar tendo bom desempenho no seu clube o diferencia dos demais concorrentes. "Disse isso outro dia: creio que algo eu fiz bem, não? Não é fácil estar oito anos na seleção. Quando eu era criança, comecei a jogar futebol, sonhava em jogar em um grande clube e na seleção. Jogar Copa do Mundo, Copa América... estou muito feliz. Essa é a verdade. E quem dera eu possa jogar mais e mais anos. Não quero parar de viver isso, disse.
Com Higuaín no banco, a Argentina volta a campo nesta quinta-feira em Níjni Novgorod para enfrentar a Croácia. Pelo empate inesperado na estreia, a Albiceleste tem a obrigação de vencer para seguir vivo na competição