“Somos um país com 11 mil km de costa, além de enorme capacidade fluvial e lacustre; não podemos aceitar não ter uma indústria naval ativa. Isso só se explica pelos interesses externos que neste momento se sobrepõem aos interesses do Brasil como nação soberana.” Em tom firme e nacionalista, o presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos, abriu seminário no Clube de Engenharia sobre a relação entre desenvolvimento, soberania nacional e retomada da construção naval.
Um grupo de 17 representações de trabalhadores, da indústria e da sociedade civil lançou nesta quinta-feira (25) o Fórum Permanente para o Desenvolvimento do Setor Naval. As entidades também assinam uma “Agenda de diretrizes para a retomada do setor naval – uma contribuição ao desenvolvimento e à soberania nacional”, com 13 propostas, que foi aprovada por aclamação na sala lotada do Clube de Engenharia.
O documento consolidou os debates do "Seminário Nacional: A importância da recuperação do setor naval para a retomada do desenvolvimento e da soberania do Brasil", que contou com três etapas -- em Porto Alegre (em 28/7), em Recife (11/8), e no Rio de Janeiro (25/8). A organização dos eventos foi dos sindicatos dos engenheiros do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Pernambuco – Senge RJ, Senge RS e Senge PE –, da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), do Dieese, da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT) e do Clube de Engenharia. Nas etapas de Rio e Pernambuco, teve o apoio do Crea-RJ, Crea-PE,Mútua-RJ, Mútua-PE, FNE, FNA e Confederação dos Trabalhadores Técnicos e Universitários (Confetu); e, no Sul, da FNE, Stimmerg, FNA e Confetu.
“Como primeira missão do Fórum, vamos fazer um levantamento detalhado da situação dos estaleiros, das obras e dos investimentos feitos ou interrompidos no setor naval”, afirmou Santos.
O Fórum deve ter uma estrutura tripartite, composta por integrantes do PoderPúblico, de empresários e trabalhadores, com o objetivo de propor, apoiar e acompanhar ações para o desenvolvimento das atividades de fortalecimento do setor naval nacional, voltadas aos estaleiros e aos produtores de navipeças, e de longo prazo, destacou Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e Itaboraí(Stimmmeni) e secretário de Administração e Finanças da CNM/CUT.
Estudo da UFRJ, citado por Rocha, calcula que a “economia do mar” no Brasil movimentou R$ 417,5 bilhões em 2018, equivalente a 5,93% do PIB. Desse total, cerca de metade (49,4%) corresponde às atividades de óleo e gás. Por isso, foi consenso no seminário a defesa da retomada urgente dos investimentos da Petrobras e da política do conteúdo local – que caiu de 65% para 25% (praticamente restritos às atividades de subsea, ou instalação submarina).
“Se a gente quer uma indústria naval forte, a Petrobras é que vai fazer esse papel, não terá outra empresa”, afirmou Sergio Bacci,vice-presidente executivo do Sinaval, instituição que representa os estaleiros brasileiros. “Eu vejo muito os paulos guedes da vida falarem: _'a indústria naval tem que ser competitiva, tem que disputar mercado'. Só que, para isso, alguém tem que dar o primeiro passo.”
Bacci apontou três pilares necessários para o estabelecimento de uma indústria naval: uma demanda perene, de 30, 40 anos, para atravessar a curva de aprendizagem com segurança e atingir competitividade; investimentos da Petrobras e da Marinha (atualmente com frota sucateada, em média com idade de 30 anos), capazes de dar escala ao setor; e conteúdo local acima de 45% ou 50%, pelo menos.
“Nós não vamos transformar a realidade do setor naval, se não considerarmos o papel central do Estado brasileiro na reconstrução deste país, isto é essencial”, ressaltou Ricardo Latgé, diretor do Clube de Engenharia. “Todas as medidas que fizeram com a Petrobras e a Eletrobras precisam ser revistas. Não vai ter espaço para a engenharia brasileira, para o desenvolvimento do empresariado brasileiro, sem uma política correta de conteúdo nacional.”
O dirigente do Clube também observou que o setor naval é intensivo em mão de obra, ao contrário de outras indústrias que se tornam cada vez mais automatizadas. De acordo com dados da OCDE, citados por Edson Rocha, no Brasil, a cada US$ 1 milhão de produção naval, são gerados 36 empregos; e para cada emprego perdido na construção naval, há a demissão de 2,3 trabalhadores na indústria.
Revogação da BR do Mar, que abriu cabotagem a estrangeiros, é foco das propostas
A mesma OCDE estima que o setor naval vá movimentar no mundo US$ 3 trilhões até 2030. E grande parte dos países com indústrias bem-sucedidas conta com mecanismos de proteção. Ao contrário do Brasil, que vem abrindo seu mercado para o capital internacional, inclusive na cabotagem (como se fez com a BR do Mar), considerada estratégica do ponto de vista da segurança e da soberania nacional.
Uma das medidas da “Agenda de diretrizes para a retomada do setor naval –uma contribuição ao desenvolvimento e à soberania nacional” é justamente a revogação da Lei 14.301/22, conhecida como BR do Mar. O documento propõe “criar um novo marco legal, assegurando que a navegação de cabotagem seja feita com embarcações construídas no Brasil por empresas de bandeira nacional e com tripulação de brasileiros.”
Bacci lembrou que vários países têm as frotas sob seu controle (incluindo bandeiras de conveniências), para o domínio estratégico sobre o transporte de cargas domésticas e internacionais. Os EUA aplicam o centário Jones Act, recentemente reforçado, que assegura o transporte na sua costa de navios construídos localmente e com tripulação exclusiva de norte-americanos. A China já negou ao consórcio P3, formado pelos maiores transportadores de contêineres do mundo – Maersk, CMA-CGM e MSC –, o direito de operar em seus portos. O consórcio domina mais de 40% do mercado mundial e é monitorado pelo GlobalShippers Forum,com sede em Londres, para verificar práticas que impeçam a livre concorrência no mercado de fretes. A Coreia do Sul anunciou, há algum tempo, um plano para construção de 200 navios, como parte da reestruturação da indústria naval e aumento da competitividade.
No Brasil, criticou o dirigente do Sinaval, “fizemos o caminho inverso a JK: retrocedemos 50 anos em quatro.” As outras 12 propostas do grupo fundador do Fórum do setor naval incluem a retomada de obras interrompidas; o estímulo aos investimentos em P&D, por meio de transferência tecnológica prevista em contrato; o respeito aos direitos e às condições de trabalho, incluindo programas de formação e requalificação profissional, incentivos vinculados à negociação coletiva; reconstrução de um arcabouço institucional, financeiro e de incentivos fiscais; a implantação de hidrovias; o uso do poder de compra do Estado também para abrir novas frentes de mercado, como o segmento de geração de energia eólica offshore, entre outras. Assinam o documento, ainda aberto a adesões, Senge RJ, Senge PE eSenge RS, Fisenge, Clube de Engenharia, Stimmmeni, Sinaval, CNM/CUT, Confetu, CNM/CUT, FNA, FNE, FUP, Sinconapa, Sindicato dos Metalúrgicos de Angra dos Reis, do Rio de Janeiro (Sindimetal-RJ) e de Pernambuco (SindMetal-PE).
> Clique para ler ou baixar a Agenda de diretrizes para a retomada do setor naval – uma contribuição aodesenvolvimento e à soberania nacional
>Assista na íntegra a última etapa Seminário Seminário Nacional:A importância da recuperação do setor naval para a retomada do desenvolvimento e da soberania do Brasil, realizada no Rio deJaneiro, em 25 de agosto de 2022:
https://www.youtube.com/watch?v=-iL4kCsYYlw
Saiba mais:
https://www.sengerj.org.br/posts/dia-25-no-rio-especialistas-buscam-caminhos-para-a-industria-naval-no-sudeste
https://www.sengerj.org.br/posts/segunda-etapa-do-seminario-da-industria-naval-vai-debater-regiao-norte-e-nordeste
https://www.sengerj.org.br/posts/trabalhadores-e-empresarios-debatem-a-retomada-da-industria-naval
Fonte: Sindicato dos Engenheiros RJ