De 2016 e 2020, a região da Baixada Fluminense teve ao menos 361 casos de desaparecimentos forçados e o município do Rio somou 417. Os dados são de pesquisa inédita feita pelo Fórum Grita Baixada (FGB), em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Os dados preliminares foram divulgados hoje, 30 de agosto, para marcar o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010.
O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo, explica que os desaparecimentos forçados estão relacionados à violência urbana e de Estado em circunstâncias de conflitos sociopolíticos ou períodos de repressão, com atos como perseguições, prisões ou detenções ilegais até sequestros, execuções sumárias, ocultação de cadáver e cemitérios clandestinos.
De acordo com ele, como no Brasil ainda não existe a tipificação legal do desaparecimento forçado, a pesquisa cruzou dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) e do Disque Denúncia, com relatos de familiares e de páginas nas redes sociais que registram casos.
“ISP e Disque Denúncia foram fontes importantíssimas, mas não foram as únicas. A gente fez mais dois tipos de levantamento exploratório, com grupos de mães e familiares vítimas de violência e também nas redes sociais em que há denúncia de pessoas desaparecidas, informações relativas à existência de cemitérios clandestinos ou atuação de grupos milicianos em determinados territórios”.
A Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas define os casos como “privação de liberdade de uma pessoa ou mais, seja de que forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguida de falta de informação ou da recusa em reconhecer a privação de liberdade ou informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo o exercício dos recursos legais e das garantias processuais pertinentes.”
Falta de dados
Araújo explica que o ISP divulga os dados dos desaparecimentos, mas que a caracterização do desaparecimento forçado não entra nas estatísticas. Ele cita o exemplo de quatro jovens de Nova Iguaçu, que desapareceram no dia 12 de agosto após serem abordados dentro de um carro de aplicativo.
“A dinâmica desse crime já indicava se tratar de desaparecimentos forçados, ou seja, eles não sumiram por conta própria, não se embebedaram e foram parar em outra cidade, nem tinham um problema mental ou briga com a família. Eles foram subtraídos do seu local e, provavelmente, teriam sido executados. Foram abordados por homens fortemente armados, encapuzados, em área de ocupação da milícia”.
A coordenadora da pesquisa, professora Nalayne Pinto, da UFRRJ, explica que as informações do Disque Denúncia são muito ricas em detalhes, indicando locais e pessoas com quem o desaparecido foi visto, locais usados como cemitérios clandestinos e de desova de corpos. Porém, segundo ela, não se sabe se a investigação policial aproveita esses relatos anônimos.
“As variáveis que o Disque Denúncia coleta têm descrição interessante dos cidadãos que ligam. Agora, o dado também não é real, porque a gente não sabe quantas dessas denúncias foram verificadas de fato. A polícia não diz, quando ela recebe essas informações, se verifica ou não, porque o Disque Denúncia entrega à polícia, mas não sabemos se a polícia verifica isso”.
Nalayne destaca também o depoimento das mães dos desaparecidos, que relatam falta de investigação.
“O que as mães dizem é que há um descaso da polícia, que não investiga porque supõe o tal do envolvimento com o tráfico, né? ‘O seu filho era usuário ou era envolvido com drogas’. É uma suposição de envolvimento que faz com que a polícia não dê o devido reconhecimento e atenção ao caso. Então, essas mães sentem um desmerecimento por serem pobres, humildes, pretas e pardas e por associarem seus filhos a atividades criminosas, o que nem sempre é verdade”.
O resultado final do Mapeamento exploratório sobre desaparecidos e desaparecimentos forçados em municípios da Baixada Fluminense e do Rio de Janeiro será divulgado no fim do ano, junto com o documentário Desova, produzido pela Quiprocó Filmes. Os pesquisadores farão uma live às 16h de hoje para discutir o assunto. A transmissão será pelo Facebook do Fórum Grita Baixada.
Polícia
Procurado pela reportagem, o ISP informou que não recebe as informações detalhadas dos registros da Polícia Civil, não sendo possível separar os casos de desaparecimentos forçados dos demais.
Fonte: Agência Brasil