"O Capitão chegou!", gritavam milhares de brasileiros no dia 1º de janeiro, enquanto Jair Bolsonaro subia a rampa de mármore branco que leva ao Palácio do Planalto, o palácio presidencial de Brasília. O 38º presidente da República Federativa do Brasil olhou para a multidão de apoiadores, para as bandeiras, os Dragões da Independência, políticos e guarda-costas e falou com o tom que caracterizava sua improvável ascensão.
Bolsonaro prometeu "livrar o Brasil do socialismo, do politicamente correto e da ideologia que defende os bandidos". Desdobrando uma bandeira, ele declarou que "nunca seria vermelha, a menos que nosso sangue fosse necessário para mantê-la verde e amarela". " Mito", a multidão gritava.
O ex-capitão do Exército elogia a ditadura militar brasileira, é acusado de ter insultado gays, negros e mulheres. Até recentemente, seus detratores eram quase tão numerosos quanto seus adoradores. No entanto, três quartos dos brasileiros dizem que o novo governo está no caminho certo, de acordo com o Ibope. Embora a economia esteja se recuperando lentamente de sua pior recessão, uma pesquisa do Datafolha constatou que a parcela de brasileiros otimistas em relação à economia saltou de 23% em agosto do ano passado para 65% em dezembro.
Isso ocorre porquê veem Bolsonaro, que em sete mandatos no congresso nunca saltou de seu clero inferior, como um líder potencialmente transformacional. O presidente que superará a corrupção, o crime organizado e a decepção econômica. Formando seu governo desde que venceu as eleições presidenciais em 28 de outubro, Bolsonaro mostrou alguns sinais de que pretende cumprir essa expectativa. Alguns de seus planos poderiam mudar o Brasil para melhor; outros podem causar danos imensos. As principais incertezas são o equilíbrio entre o bem e o mal e se ele tem as habilidades e a força para executar sua agenda perante o Congresso Nacional.
Ao contrário de seus antecessores, Bolsonaro não entregou ministérios à partidos políticos para conquistar seu apoio. Isso encantou seus eleitores que votaram em Bolsonaro, em grande parte, justamente por estarem revoltados com os políticos convencionais, mesmo Bolsonaro tendo mais de 27 anos de parlamento. O fato é que Jair Bolsonaro montou um gabinete repleto de tecnocratas, ideólogos e militares, mas a funcionalidade deste gabinete se dará pela forma como interagirão entre si e com o Parlamento. E isso, é difícil prever.
Os principais casos de otimismo repousam, principalmente, em dois "superministérios". Paulo Guedes, ex-banqueiro graduado em economia pela Universidade de Chicago, será o czar da economia, liderando um ministério que absorverá os ministérios de finanças, planejamento e indústria. O apoio de Guedes à desregulamentação, à privatização e, acima de tudo, à reforma do inacessível sistema previdenciário do Brasil poderia fornecer um tônico que a economia há muito precisava.
O novo ministro da Justiça, Sérgio Moro, deve lidar com as duas outras doenças que Bolsonaro prometeu combater: corrupção e a violência.Como o juiz que conduziu a Lava Jato, Moro se tornou um herói popular. Ele foi responsável pela prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de esquerda, que passou a representar tudo o que Bolsonaro e seus partidários desprezam. Os aliados de Lula dizem que a mudança de Moro do tribunal para o gabinete de Bolsonaro confirma a suspeita de que Lava Jato é uma caça às bruxas politicamente motivada. Mas a maioria da sociedade aplaudiu: há a esperança de que Moro leve a luta contra a corrupção para dentro do coração do governo. Moro também estará encarregado de algumas das políticas mais polêmicas de Bolsonaro, incluindo o afrouxamento da Lei do Desarmamento, de forma a tornar mais fácil a posse de armas por cidadãos comuns.
Bolsonaro preencheu sua administração com militares e ex militares. Entre eles estão o vice-presidente, Hamilton Mourão, e o assessor de segurança nacional, Augusto Heleno. Os críticos de Bolsonaro temiam que ele militarizasse a política (Mourão chegou perto de justificar a intervenção militar para manter a ordem no país). Mas os generais se esforçam para parecer pragmáticos e democráticos. "Você pode apagar do mapa qualquer tipo de ação [antidemocrática] de Bolsonaro", disse Mourão em entrevista ao The Economist.
Com pontos de vista divergentes, a equipe de Bolsonaro já começou a discutir um com o outro. Enquanto o presidente faz questão de transferir a embaixada do Brasil em Israel de TelAviv para Jerusalém (como fez Trump), a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, teme que os países muçulmanos punam o Brasil comprando menos carne bovina.
Relação com a China
Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores desconfiam da China - ele acusou o país de querer "comprar o Brasil". Mas Mourão quer um bom relacionamento com a China, o maior parceiro comercial do Brasil. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, acha que os pragmatistas prevalecerão em tais disputas. "Dinheiro fala", diz ele. "Mas se as políticas de neo-cruzadoAraújo vencerem, "teremos que rezar".
As chances podem ser piores para os planos de reforma de Guedes. Em parte, isso é porque o Bolsonaro parece ambivalente em relação a eles. No passado, ele não demonstrou apetite por dizer aos eleitores que seus benefícios poderiam ser cortados. Por exemplo, ele disse que uma proposta do presidente cessante, Michel Temer, de fixar uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e 62 para mulheres era muito dura. (Atualmente, homens e mulheres se aposentam, em média, em seus 50 e poucos anos). Uma reforma tímida não estabilizaria a dívida pública, que já tem 77% do PIB , e impediria que as aposentadorias estendessem mais gastos do governo.
Mas há entusiasmo popular pelas reformas. Ao contrário dos partidos políticos, as bancadas nas quais Bolsonaro está contando para apoio legislativo não têm dinheiro e não chicoteiam congressistas em votos legislativos. Ricardo Sennes, analista político, diz que "as chances de aprovar uma reforma previdenciária são de apenas 50%". A força recente dos mercados financeiros brasileiros reflete o otimismo local em relação à reforma econômica; mas investidores estrangeiros têm sido cautelosos.
Talvez percebendo que o governo será mais difícil do que ele pensava, Bolsonaro abriu recentemente canais com os líderes do congresso. Em discurso de inauguração ao Congresso, ele convocou um "pacto nacional" entre a sociedade e os três poderes do governo para "restaurar o crescimento econômico, os valores familiares e combater o crime e a corrupção". Bolsonaro, sabiamente, disse que não tomará partido quando a câmara e o senado escolherem seus presidentes.
As esperanças de Bolsonaro em ser um presidente transformacional dependem de sua capacidade de unir pragmatismo e reforma econômica. Tão importante será lutar contra a corrupção e o crime de forma a reforçar o Estado de Direito em vez de miná-lo. Atingir essas mudanças exigirá sabedoria e talento para a gestão política.